terça-feira, 3 de julho de 2018

ARTIGO EXCLUSIVO DE LULA: TEMER E PENCE SÃO DUAS VERGONHAS POLÍTICAS


Em artigo exclusivo para o 247, o ex-presidente Lula comenta a subserviência do governo de 
Michel Temer aos Estados Unidos e também a visita do vice Mike Pence, que veio dar ordens 
ao País. Lula lembra que conviveu bem com dois presidentes norte-americanos – George W. 
Bush e Barack Obama – e que, com Celso Amorim, desenvolveu uma política externa "ativa e 
altiva". "Aqui da prisão, não posso me calar. Meu país e meu povo não merecem essa 
humilhação e não podem suportar coisas desse tipo", disse Lula; leia a íntegra.

O encontro de duas vergonhas políticas: o sub americano com 
ocupante do Planalto

Por Luiz Inácio Lula da Silva


O governo Trump já não surpreende mais pela repetição de suas medidas autoritárias truculentas. 
Nem pelos recuos a que se vê obrigado pelo clamor dos protestos.
As autoridades que ocuparam o poder em Brasília já não surpreendem mais pelo grau de 
subserviência a que se prestam tentando garantir os míseros meses que lhes restam.
Nos últimos dias, o encontro dessas duas vergonhas políticas produziu um espetáculo grotesco nos 
dois países. Nos Estados Unidos, a comoção das imagens e gravações de crianças migrantes 
chorando por serem isoladas de suas mães. Em Brasília, um vice oriundo da extrema direita norte-
americana, passa um pito no atual ocupante da cadeira presidencial brasileira em termos inaceitáveis: 
“Cuidem de suas crianças”; “Chegou a hora de vocês fazerem mais”.
Durante os oito anos em que fui Presidente da República, busquei conviver bem com dois colegas 
norte-americanos. Seis anos com um membro do Partido Republicano, George Bush, outros dois 
com o sucessor eleito pelo Partido Democrata, Barack Obama.
Sem distinção, a conduta brasileira se pautou sempre pelos princípios de uma diplomacia ativa e 
altiva, como gosta de repetir Celso Amorim. Nunca empreguei qualquer retórica agressiva contra os 
Estados Unidos. Manifestei e reiterei nosso interesse em desenvolver com aquele país as melhores 
relações econômicas, políticas e culturais que fossem possíveis. Mas nunca abrimos mão de sermos 
tratados como iguais, princípio central da democracia e da relação entre países soberanos.
Durante nossos governos, em hipótese alguma haveria espaço para a grosseria desse vice norte-
americano, ali naquele mesmo Palácio do Planalto onde, durante anos recentes, se ouviam as vozes 
fortes dos movimentos populares, dos líderes sindicais, das conferências democráticas que 
convocamos, dos catadores de material reciclável ou dos hansenianos.
Não custa lembrar que o pito desse sub enviado por Trump incluiu até mesmo ditar regras para a 
diplomacia brasileira a respeito de nossa vizinha Venezuela, frente aos semblantes acovardados dos 
que ocuparam seus postos após o Golpe do Impeachment.
A indignação com esse espetáculo vergonhoso não pode me afastar, entretanto, do objetivo principal 
desta mensagem: me solidarizar e fortalecer a onda mundial de protestos contra mais esse ataque 
frontal à Declaração Universal dos Direitos Humanos que o líder norte-americano promove.
A sanha de Trump acaba de ser barrada pela atitude corajosa de uma juíza da Califórnia. Outros 
recursos se multiplicam nos Estados Unidos, a partir de 11 estados que aderem à iniciativa do Poder 
Judiciário em Seattle determinando a imediata cessação dos desmandos acobertados sob o título 
“tolerância zero”. 
Organizações e defensores dos Direitos Humanos de vários países, muitas missões diplomáticas 
junto a organismos multilaterais, órgãos respeitáveis de imprensa condenam o gesto de Trump, 
enquanto Temer se oferece, agachado, para pagar as passagens de volta dos brasileiros envolvidos.
Aqui da prisão, não posso me calar. Meu país e meu povo não merecem essa humilhação e não 
podem suportar coisas desse tipo. Por sinal, a decisão da corajosa juíza Dana Sabraw foi tomada em 
torno de uma petição que envolvia duas crianças, uma do Congo, outra do Brasil.
Vejam bem: um pequeno pedaço de Brasil que vive nos Estados Unidos, através de uma organização 
chamada União das Liberdades Civis, conseguiu defender o interesse de nosso povo no mesmo 
momento em que as autoridades brasileiras se ajoelhavam. Um pequeno pedaço da África que 
também vive por lá, mais uma vez estende as mãos para o Brasil, unindo os dois lados do Atlântico 
como se fôssemos um só povo.
O Procurador de Seattle que propôs a iniciativa considera a decisão de Trump “desonesta, cruel e 
inconstitucional”. Imagino que a palavra desonesta esteja se referindo ao uso farsante do mesmo 
nome daquela famosa operação de Segurança Pública aplicada em Nova York anos atrás. Penso que 
a Constituição americana esteja sendo desrespeitada, de fato, pelo menos naqueles dispositivos que 
asseguram as chamadas regras do devido processo. Tenho certeza de que a palavra cruel é uma 
citação direta dos tratados internacionais de Direitos Humanos que proíbem a tortura e todas as 
formas de pena ou tratamento cruel, desumano e degradante.
Tanto a Convenção da ONU sobre os Direitos da Criança como aquela referente aos Trabalhadores 
Migrantes e suas Famílias banem expressamente atitudes como as tomadas por Trump. Incontáveis 
outros tratados do Direito Internacional vão na mesma direção, bem como sentenças judiciais de 
todos os países civilizados.
Quero terminar com uma palavra otimista frente ao novo revés sofrido pelo Trump, aquele que se 
elegeu com menos voto do que sua adversária. Seu recuo nos remete a uma dessas viradas 
espetaculares que acontecem nas copas do mundo, como nesta de agora na Rússia.
A força daquela foto montada para a capa da revista norte-americana, com um gigantesco Trump que 
olha de cima a criança migrante chorando nos traz novos desafios e novas tarefas. Obriga a reafirmar 
o compromisso de todos com a defesa dos Direitos Humanos, em especial das crianças e dos 
trabalhadores migrantes e suas famílias.
O olhar do líder empresarial que preside a maior potência militar da história é uma mistura de ironia, 
insensibilidade e cinismo. O olhar da criança carrega a dor e a emoção de todas as nações latino-
americanas exigindo o direito de sermos tratados como iguais.
Quem vencerá esse embate?
Depende de nossa capacidade e de nossa decisão. De perseverar, resistir, enfrentar todas as injustiças 
e preconceitos sem jamais perder a esperança no resgate da verdade e da liberdade, como nos 
ensinaram heróis como Luther King e Nelson Mandela. Aquele, ao completar agora 50 anos de sua 
morte trágica. O africano, a poucas semanas de celebrar 100 anos de nascimento.
A verdade vencerá.

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