quinta-feira, 7 de junho de 2018

CARONA PERIGOSA: AINDA É A DIREITA QUE DITA O RIMO DA DANÇA


Guilherme Scalzilli

As causas dos caminhoneiros são inquestionáveis. Trata-se de um governo golpista, ilegítimo e 
corrupto. De combustível caro demais para a oferta de matéria-prima. De uma administração 
criminosa na Petrobrás. Mas não precisamos negar a pertinência desses fatores para apontarmos os 
diversos aspectos problemáticos do movimento e do apoio que ele recebeu.
Desde o início ficou evidente o caráter ambíguo de uma "greve" que associava interesses de 
funcionários e patrões. Soa estranho combater a precarização com exigências que favorecem parte 
dos responsáveis por ela. E a lógica de transferir o ônus tributário dos acordos às próprias vítimas da 
escassez não coaduna com a ideia de justiça social.
Não por acaso, a vitória imediata dos protestos será negativa para a maioria dos trabalhadores 
brasileiros, cujos hábitos sequer retornarão à "normalidade" ruim de sempre. Os oportunistas já 
lucraram como nunca. O custo de vida ficou acima dos índices anteriores à crise. O corte de vagas, 
especialmente as informais, não será revertido tão cedo.
É difícil abordar esses problemas porque o antagonismo com Michel Temer dá ao movimento uma 
espécie de salvo-conduto político para suas contradições. A solidariedade acrítica leva os afoitos a 
idealizarem os manifestantes, transformando sua luta numa panaceia libertária que se torna benéfica 
à sociedade apenas porque teve respaldo popular. 
O viés subversivo dos protestos parece bem menos inocente se associado à passividade das forças de 
segurança durante a instalação dos bloqueios e à ação incontida de saqueadores e vândalos nos 
centros urbanos. As mesmas autoridades que bombardeiam passeatas assistiram imóveis ao triunfo 
da performance antipolítica, antissindical e militarista dos caminhoneiros.
Todo evento histórico é complexo, heterogêneo, irredutível, etc. Trazer esses rótulos coringas ao 
debate só contribui para mergulhá-lo numa lógica adversativa que aceita qualquer coisa. A 
diversidade não constitui antídoto para a tendência conservadora dos motoristas, e sim um 
componente natural das ideologias, inclusive as antidemocráticas. Inexiste valor positivo intrínseco 
numa "espontaneidade" que articula milhares de pessoas através de redes digitais.
O consolo adversativo redunda num esforço para enquadrar o fenômeno em certas agendas 
partidárias, exigindo o recurso a diagnósticos equivocados sobre a conjuntura política do país. O 
mais grave deles é superestimar a derrota da direita com os protestos, associando-os a uma onda 
oposicionista de automático proveito para a esquerda. 
As paralisações permitiram ao condomínio golpista retomar o controle da agenda nacional. A poucos 
meses das eleições, o governismo descobriu a fórmula para imobilizar o país, seja forçando a 
radicalização de quem é capaz de fazê-lo, seja disseminando uma histeria coletiva de resultados 
similares. A jogada provocaria o adiamento da votação, permitindo chegar o tão sonhado conciliador 
da direita e dando ao Regime Judicial de Exceção o prazo que lhe falta para tirar Lula da campanha, 
das urnas e do noticiário.
Temer é um fantoche útil no esquema. Sua impopularidade canaliza o anseio transformador da 
população e oferece à direita uma saída que arrefeça os ânimos no momento propício. O fantasma do 
salvacionismo reacionário tem o mesmo papel neutralizador. E, conscientemente ou não, os 
caminhoneiros fazem parte dessa aventura de desestabilização institucional que facilita a 
sobrevivência do golpismo.
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