quinta-feira, 8 de fevereiro de 2018

Conheça a obra que Beócio mandou fazer em estrada de MG para desviar da fazenda de dono da Globo



Em 2001, quando era governador de Minas Gerais, Itamar Franco recebeu a sugestão de asfaltar uma 
antiga estrada no interior do estado, que liga os municípios de Botelhos, na região de Poços de 
Caldas, a Alfenas.
A obra foi à licitação, mas, depois de concluído o processo, Itamar optou por não fazer a 
pavimentação, pois, segundo disse ao então prefeito de Poços de Caldas, Paulo Tadeu Silva 
D’Arcadia, entendia que não era prioridade para Minas.
Seu sucessor, Aécio Neves, retomou o processo e fez a obra. No percurso entre as duas cidades, 
existem muitas propriedades rurais, mas nenhuma dela é maior do que uma fazenda que produz café 
de qualidade e tem uma grande criação de porcos, de onde saem todas as semanas caminhões 
carregados de carne suína em direção ao frigorífico de Poços de Caldas.
A propriedade se chama Sertãozinho, mas seu proprietário não gosta de publicidade.
Em 2012, a revista Globo Rural publicou o resultado do 13º Concurso de Qualidade Cafés do Brasil 
— “Cup of Excellence Early Havest” –, realizado em Jacarezinho, no Paraná. A notícia destaca os 
três primeiros colocados, mas dá o nome da fazenda e do proprietário só dos dois primeiros. O 
terceiro tem apenas o nome da fazenda.
A propriedade é Roberto Irineu Marinho, um dos donos da Rede Globo.
A estrada é antiga. “Eu tenho 56 anos e sempre usei essa estrada para ir a Divisa Nova [município 
entre Botelhos e Alfenas]”, diz José Carlos Rocha, corretor em Botelhos.
A estrada era de terra, mas bem conservada pelas prefeituras de Divisa Nova e Botelhos. Depois que 
recebeu o asfalto, os moradores notaram mudança no traçado.
A estrada segue como antigamente até a entrada da Fazenda Sertãozinho, onde ela faz um desvio à 
esquerda e vai num percurso sinuoso por três quilômetros até um campo de futebol, onde tem outra 
porteira e termina a propriedade da família Marinho.
“Todas as outras propriedades são cortadas pela estrada municipal, menos a Sertãozinho”, conta 
Paulo Tadeu, ex-prefeito de Poços de Caldas e médico veterinário que trabalhou na fazenda, quando 
era de Homero Souza e Silva, sócio de Walter Moreira Salles no antigo Unibanco.
Segundo o ex-prefeito, Homero vendeu a propriedade depois que bateu o carro entre Poços de 
Caldas e Botelhos. Dirigia o próprio carro e estava na companhia da esposa, que morreu. 
Desgostoso, colocou a propriedade à venda, que hoje é propriedade de Roberto Irineu Marinho.
A fazenda tem um cinematográfico jequitibá rosa conservado no coração da lavoura. De longe é 
possível ver a árvore, no meio de um recorte do cafezal em formato de diamante.
Eu fui até a fazenda, e usei a antiga estrada, que tem, hoje, uma porteira, mas que permanece aberta 
(não poderia ser diferente, já que se trata de estrada pública).
Logo na entrada, uma placa de fundo verde, com o desenho estilizado do jequitibá rosa e a frase: 
“Fazenda Sertãozinho – Sejam bem-vindos”.
Entrei e fui até a casa do administrador, uma construção com varanda e garagem onde estavam três 
veículos, um modelo compacto, uma moto e uma camionete, todas com adesivos “Aécio Presidente”.
O jequitibá no meio do cafezal

Quem me atendeu foi seu sogro, que estava na varanda. Pedi para falar com o administrador. Primeiro veio o filho pré-adolescente, depois um homem parrudo, de camisa azul e bermuda.
Quando disse que era jornalista e estava fazendo uma reportagem sobre o desvio da estrada, o administrador se enfureceu:
“Foi o PT que mandou você aqui?” Expliquei que o desvio de uma estrada, em benefício de particulares, é assunto de interesse público.
“Faz isso não, faz isso não”, disse, andando de um lado para o outro da varanda, ele no alto, eu num ponto mais baixo, separados por alguns degraus. “Isso aqui é um projeto social”.
Como assim, projeto social? É uma fundação? Uma ONG?
“Não. É que, se a Sertãozinho fechar, muita gente vai ficar desempregada em Botelhos”. E quantos empregos a fazenda dá? “Duzentos e quarenta”.
José Renato não escondia o nervosismo. “Gozado que vocês do PT fazem esse tipo de entrevista só no domingo.” Eu não sou do PT, disse a ele e pedi para gravarmos. José Renato Gonçalves Dias, o administrador, não quis gravação. Mas tentou dar algumas explicações.
“Tinha duas estradas, mas decidiram asfaltar aquela outra. Acho que é porque aqui moram algumas famílias, e a estrada asfaltada é um risco de acidente”. Mas a estrada municipal não é esta daqui?
“As duas são”.
Os moradores da região negam que existisse outra estrada além da que corta a Sertãozinho. “Não existia outra estrada coisa nenhuma, era cafezal, e a divisa da fazenda Sertãozinho”, diz o ex-prefeito de Poços de Caldas.
Como veterinário, Paulo Tadeu passava sempre por ali. Não atendia apenas a Sertãozinho, mas outras propriedades, e sua então namorada, hoje esposa, morava num bairro conhecido como São Gonçalo, alguns quilômetros adiante da fazenda da família Marinho.
“A estrada corta todas as fazendas, onde também moram pessoas, e a colônia de moradores da Sertãozinho não fica perto da estrada”.
Deixei na mão do administrador uma folha de papel com meu nome, telefone e e-mail, e pedi para entrasse em contato, caso quisesse dar mais informações sobre o desvio da estrada.
Retomei o caminho de Alfenas, pela antiga estrada municipal, que corta a fazenda. Estava fotografando um bambuzal que cobre a estrada e lhe dá a bela forma de um túnel quando a camionete, em alta velocidade, parou atrás do meu carro e José Renato correu na minha direção: “Você não vai fotografar aqui!”, gritou.
“Mas a estrada é pública, estou no caminho de Alfenas”, respondi.
Entrei no meu carro e segui pela estrada municipal até o lado de fora da porteira, que estava aberta, onde tem um campo de futebol e o asfalto retoma o antigo traçado, fora dos domínios da Sertãozinho.
O administrador continuou parado 200 metros distante, com a camionete na diagonal, e quando comecei a registrar com a câmera sua presença intimidadora, ele saiu, na direção da casa. Permaneci na estrada municipal, mas do lado de fora da porteira aberta, e alguns minutos depois chegou um carro com quatro homens. Todos pararam onde a camionete do administrador estava. Tinham o tipo físico de seguranças.
“A Globo desviou a estrada porque ela pode, uai”, diz, rindo, um homem sentado no banco da praça central de Botelhos. O homem, de boné e camisa aberta, trabalhou na Sertãozinho, no retiro de leite, quando a Sertãozinho produzia de 3 a 4 mil litros por dia.
Hoje, além dos porcos e do café, tem gado de corte.
O ex-vereador Olair Donizete Figueiredo, do PDT, que foi presidente da Câmara Municipal, diz que gostou do asfalto, apesar do desvio que aumentou em 3 quilômetros a distância até o município de Divisa Nova, mas critica o governo de Aécio Neves pela ausência de outra obra na região e da falta de atenção com os professores.
“Ele fez o asfalto por causa da influência da Globo, porque ia beneficiar ele. E aqui foi só, não fez mais nada”, afirmou.
A estrada municipal que corta a fazenda: trânsito desviado beneficiou a propriedade de 
Roberto Irineu Marinho

Depois de pavimentar a pista de um aeroporto na antiga fazenda do tio, que tinha a posse da chave, desviar a rede de alta tensão para construir um haras na própria fazenda, de onde retirou o tráfego com a abertura de outra estrada, descobre-se agora que o governo de Aécio não foi generoso apenas com a própria família.
Botelhos é testemunha de um jeito particular de administrar.
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PS: Esta reportagem, publicada originalmente em outubro de 2014, foi tirada do ar alguns meses depois, quando advogados de Roberto Irineu Marinho notificaram o DCM, sob ameaça de processo. A defesa de Roberto Irineu Marinho argumentava que a fazenda nunca pertenceu a seu pai, Roberto Marinho, e, devido ao erro, pediu a sua retirada. De fato, a Sertãozinho nunca pertenceu a Roberto Marinho. Sempre foi de Roberto Irineu e, durante algum tempo, administrada por Osvaldo Aranha Neto, descendente direto do ex-ministro de Getúlio Vargas. Roberto Irineu acusou seu administrador de desvio de recursos da Sertãozinho, em um processo hoje arquivado pela Justiça. Segundo o advogado de Osvaldo Aranha Neto, houve acordo entre as partes. Osvaldo Aranha Neto foi sócio de Armínio Fraga, aquele que seria ministro da fazenda de Aécio Neves, num negócio de café gourmet no Rio de Janeiro. A reportagem está sendo republicada com a correção devida.

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