segunda-feira, 6 de novembro de 2017

COMO A LAVA JATO BENEFICIOU A PRINCIPAL CONCORRENTE DO BRASIL NA ÁFRICA


Marcondes Ferraz é preso pela PF

Esta reportagem faz parte da série sobre a indústria da delação premiada da Lava Jato, publicada em parceria entre o DCM e o JornalGGN. Ela foi financiada através de crowdfunding. Outras virão. Fique ligado.

Um dos mistérios da “delação premiada” é o que ocorreu com 
Mariano Marcondes Ferraz.

Graças aos seus conhecimentos na Petrobras, Mariano passou a representar duas empresas: a italiana Decal e a holandesa Trafigura.
A Decal é uma empresa italiana que trabalha com gestão para terceiros de terminais de petróleo e produtos químicos. Fatura 190 milhões de euros, ou o equivalente a R$ 703 milhões por ano.
Mesmo para os padrões brasileiros, seria uma empresa média. E seu faturamento é quase 450 vezes menor que o da Trafigura.
A Trafigura é uma empresa suíço-holandesa, uma das maiores comercializadoras de petróleo do planeta. Fatura mais de U$$ 120 bilhões, ou R$ 384 bilhões ano. É a 54º maior empresa na lista da Fortune.
Ambas tinham três pontos em comum: os negócios com a Petrobras; o mesmo lobista, Mariano Marcondes Ferraz; e a mesma área de negócios, a Diretoria Internacional da Petrobras, sob supervisão do notório Paulo Roberto Costa. Donde se conclui que o grande trunfo do lobista comum, era o mesmo diretor Paulo Roberto Costa.
Eram diferentes as relações de Mariano com as duas empresas.
Na Decal, foi apenas um freelance que conseguiu um contrato com a Petrobras para a instalação de um terminal de tancagem e movimento de navios em Suape. Por conta do contrato, ganhou 5% de participação na empresa.
Já na Trafigura, Mariano fazia parte do Conselho mundial da empresa, ajudando a consolidar as relações com a Petrobras e com o mercado africano.
Sâo gritantes as diferenças de valores entre os contratos da Petrobras com a Decal e a Trafigura.
Entre 2004 e 2015, a Trafigura firmou contratos de afretamento de navios para a Petrobras no valor de US$ 169 milhões; entre 2003 e 2015, contratos de compra e venda de derivados no valor de US$ 8,7 bilhões, ou de US$ 580 milhões/ano. O último contrato da Decal com a Petrobras envolveu valores de R$ 56 milhões, ou US$ 18,7 milhões/ano, 31 vezes menor que os da Trafigura.
Não apenas isso.

Números
Trafigura
Decal
Trafigura/Decal

Faturamento Global (US$)
384.000.000.000
703.000.000
546 vezes
Negócios com Petrobras (US$/ano)
580.000.000
18.700.000
31 vezes

A Decal atua em um mercado controlado. A Petrobras paga pelo uso dos terminais. O máximo que se consegue é o reajuste das tarifas.Já a Trafigura opera no mercado de compra e venda de combustíveis, que chega a 300 mil barris dia de petróleo cru, a grande mina de ouro da corrupção.
Duas das principais delações apontaram para a Lava Jato um alvo muito maior do que a corrupção até então investigada: o da comercialização de combustíveis.
A prisão de Mariano Marcondes Ferraz poderia abrir o leque de investigações da Lava Jato para uma macrocorrupção de dimensão global, dezenas de vezes maior que o da construção pesada, conforme atestaram duas delações de pessoas chaves, Nestor Cerveró e Delcídio do Amaral.
Em sua delação, Nestor Cerveró revelou que os negócios de comercialização de combustíveis era muito maior do que o de afretamento de navios (clique aqui). Ambas as operações não precisavam ser aprovadas previamente pela diretoria e cada centavo, nas compras, equivalia a milhões de dólares, dizia Cerveró, “razão de sempre ter havido ingerência política no setor”. Apontava como as maiores tradings do setor a Glencor e a Trafigura. E indicava Mariano Marcondes Ferraz como o grande operador de trading, “acreditando que estivesse vinculado à Glencor ou à Trafigura”.
Na página 80 da delação de Delcídio do Amaral, se lê:
DELCIDIO DO AMARAL tem conhecimento que uma das áreas mais cobiçadas da PETROBRAS e a de Abastecimento, principalmente, em razão da comercialização de petróleo no exterior, na medida em que são comercializados 300.000 barris diários de petróleo leve, em números atuais, isso representaria em media quase US$ 10 milhões por dia.
DELCIDIO sabe que as operações financeiras são todas feitas em Londres através de “brokers”, tal modo de comercialização permite que pequenas variações no preço do petróleo representem altos ganhos aos seus principais operadores, dando azo a um terreno fértil para várias ilicitudes, vez que os preços podem ser alterados artificialmente,
No entanto, Mariano foi indiciado pelas operações relacionadas com a Decal. Dez dias depois de detido foi liberado, mediante o pagamento de irrisórios R$ 3 milhões, e o nome da Trafigura sumiu das investigações e do noticiário.
O que aconteceu com a chamada maior operação anticorrupção do planeta?
Vamos entender esse jogo em cinco movimentos

Movimento 1 – de playboy a lobista
O primeiro passo é saber um pouco mais de Mariano Marcondes Ferraz.

Uma consulta nos sites especializados indica que, até 2.001, sua atividade empresarial não sugeria o super-lobista global dos anos recentes. A única empresa da qual participava era a Blue Moon Produções Ltda., uma produtora de vídeos aberta em 16/10/1997 (clique aqui).
Era mais conhecido por suas festas, sua vida social e pelo fato de ser filho da mitológica Silvia Amélia de Waldner, neé Silva Amélia Melo Franco Chagas, como diria o colunismo dos anos 70, neta do cientista Carlos Chagas, casada em primeiras núpcias com Paulo Marcondes Ferraz e, no já longínquo 1973, com Gerard de Waldnere, um autêntico barão francês.


Dos tempos de solteira, tornou-se musa de Roberto Carlos e Tarso de Castro e deixou a imagem de uma jovem alegre e cativante, estrela de um único filme, “Roleta Russa”, de 1972. Do casamento com Paulo Marcondes Ferraz, restou o rebento Mariano que, até 2001 era mais conhecido pelas festas de arromba e pelas colunas sociais.
Um artigo no JB, no início dos 90, descrevia o playboy e dizia que ele arrumou emprego em uma multinacional só para fazer número. O artigo mereceu uma carta queixosa do rapaz ao jornal.
Mariano fazia parte de um grupo de playboys, os meninos maus de famílias boas, frequentadores do Baixo Leblon, como Júlio Lopes e Antenor Mayrink Veiga, com quem disputava campeonatos de conquista. Durante todos os anos 90, das 39 menções ao seu nome, no Jornal do Brasil, apenas duas não se referiam a conquistas ou a eventos sociais.
Uma de 1995, quando furou o pneu de um carro na calçada do Country Club que atrapalhava a passagem do carrinho de sua filha recém-nascida. E outra, do início da década de 90, anunciando a criação de uma corretora, com mais um amigo e o apoio do Banco Icatu, que acabou desaparecendo com a crise da Bolsa do Rio.
Frequentador assíduo da prestigiosa Coluna do Zózimo, aparecia ora dançando lambada com Elba Ramalho, destroçando corações com seu amigo Antenor Mayrink Veiga, ou sendo derrotado, em uma vibrante semifinal de tênis no Country Club, enfrentando o campeão amador Jorge Paulo Lehman.
Foi nesse ambiente, na divina decadência dos estertores do Rio internacionalizado, que naufragou com o crack da Bolsa de Valores, que Mariano montou sua rede de relações.
Aliás, o fim do Rio, como centro financeiro, mudou o destino de dezenas de filhos de famílias tradicionais, que historicamente mantinham contatos com o exterior, especialmente na fase áurea da internacionalização do Rio, do período da guerra até os anos 1970. Foram aproveitados nos novos bancos de investimentos, como quadros da AMBEV, e em outros setores abertos pela internacionalização da economia e onde contam as redes de relacionamentos internacionais.
Internamente, Mariano se valeu das ligações da família Marcondes Ferraz e, no plano internacional, certamente das ligações da mãe, baronesa de Waldner, com o alto mundo europeu.
Suas aventuras petrolíferas começaram em 2001.
Em 12/09/2001 montou a Up Offshore Apoio Maritimo Ltda, com capital respeitável de R$ 50 milhões. Em 10/07/2002 a Firma Consultoria e Participações Ltda, para atividades não especificadas e com a qual se tornou sócio da Decal Brasil.



Quando as cotações do petróleo explodiram e a Petrobras se projetou no mundo, a rede de relações de Mariano, no Rio e na Europa, passaram a valer ouro negro.
Especialmente porque, no mundo do petróleo, surgia um candidato a gigante que via na explosão das commodities, com o advento da China, e nas riquezas minerais da África e da América Latina – e na sua capacidade de suborno -, o seu grande salto.
Movimento 2 – A gigante Trafigura
E, aqui, faz-se uma pausa para conhecer melhor esse gigante, a multinacional Trafigura.
Nos grandes números, sabe-se que tem escritórios em 36 países. Hoje em dia é o segundo maior comercializador de metais e o terceiro maior comercializador independente de petróleo do mundo, comercializando mais de 4 milhões de barris de petróleo por dia (clique aqui).
A Trafigura nasceu em 1993 com um pecado original. Foi fundada por ex-colaboradores do empresário norte-americano Marc Rich, condenado por evasão fiscal em grande escala e depois indultado pelo presidente Bill Clinton. O grande líder do grupo era Claude Dauphin, um dos mais atrevidos gestores dos últimos 50 anos, falecido em 2005. Irônico, sagaz, parecido com Mr. Bean, incutiu na equipe princípios que aprendeu no mercado de commodities, como controle compartilhado, participação nos lucros, foco total na rentabilidade, vida regrada em público, evitando ostentações com a riqueza, regra seguida por quase todos os grandes bilionários que surgiram nas últimas décadas.Marc Rich e Claude Dauphin
Em uma época de grandes terremotos na geopolítica mundial, Dauphin apostou fortemente na corrupção como componente intrínseco da sua estratégia, porque focada na busca de reservas minerais – petróleo, ferro e outros –, e em investimentos complementares em infraestrutura em países de baixo controle institucional e democracia não consolidada.
No obituário do fundador Dauphin, falecido em 2015, explica-se sua estratégia:
A decisão de seguir adiante foi devidamente justificada após a virada do milênio, com o crescimento dos mercados emergentes e a decolagem na demanda de minerais industriais. A existência de duas divisões de negociação possibilitou um negócio mais estável e diversificado, e permanece um pilar da estratégia da Trafigura.
(…) Investimentos dirigidos em infraestrutura poderiam ajudar a empresa a obter acesso a volumes de negociação, especialmente em um momento de mudanças estruturais significativas nos fluxos comerciais internacionais.
A nova geografia mundial foi exemplarmente aproveitada pela empresa:
O crescimento de economias emergentes desde a China até a África e a América Latina gerou novos desequilíbrios no mercado e novas oportunidades globais de negociação para aqueles com os sistemas e infraestrutura necessários.
Em segundo lugar, houve uma aceleração na demanda de energia e matérias-primas industriais conforme as economias emergentes embarcavam em uma nova rota de crescimento, lideradas pela China.
Em um setor tradicionalmente corrupto, conseguiu algumas proezas. Como ser acusado pelo Greenpace de ter comprado os depoimentos de nove testemunhas da Costa do Marfim, para se safar de uma acusação de ter despejado lixo tóxico no mar. O que não impediu que Dauphin passasse seis meses na cadeia. Foi acusado também de ter desviado recursos de fundos humanitários da ONU, do programa de petróleo por comida montado na guerra do Iraque.
Nos últimos anos associou-se a fundos russos para investir pesadamente na Índia, em refinarias, tanques de armazenamento e infraestrutura de importação e exportação estrategicamente relevantes para Vladimir Putin.
O auge da corrupção foi a conquista da Angola. E aqui se juntam os destinos da Trafigura e do ex-playboy Mariano Marcondes Ferraz, que se tornou um dos meninos de ouro de Claude Dauphin.
Movimento 3 – Mariano e a conquista de Angola
Mariano entrou na Trafigura em 2009. E foi alocado para comandar a Puma Energy, o mais promissor braço de negócios da empresa.
A Trafigura adquiriu a Puma em 2000, com a intenção de construir uma rede de intermediários na cadeia da comercialização de petróleo.
Em 2010 surgiu a operação Angola, e a Puma ganhou uma posição estratégica. Criou uma subsidiária, a Pumangol, associação da DTS (a empresa que controlava a Puma) com a Cochan S.A., empresa criada em 6 de abril de 2009, de propriedade dos principais políticos do país. A DTS ficou com 51% e a Cochan com 49%. E esse feito foi de responsabilidade de Jean-Pierre Valentini e Mariano.
Em 13/02/2014, o Foreign Policy publicou reportagem detalhada da jornalista Michael Weiss sobre a corrupção angolana. Consultor chefe do Ministro de Estado e Chefe do Gabinete de Segurança e testa-de-ferro do presidente José Eduardo dos Santos, o General Leopoldina Fragoso de Nascimento tinha 15% da Puma Energy, em valor estimado de US$ 750 milhões, o que o fazia o segundo homem mais rico do país.
De acordo com a reportagem, além do general Dino, participam do regabofe o vice-presidente da República Manuel Vicente, e o general Manuel Hélder Vieira Dias “Kopelipa”.

Além da Trafigura, a Cochan tornou-se parceira da norte-americana Cobalt International, que opera os blocos 9 e 21 do pré-sal angolano. A Cobalt está sendo investigada nos EUA por suspeitas de violação das leis anticorrupção.
Os ganhos da Trafigura foram monumentais.
Em agosto de 2010, o presidente José Eduardo dos Santos assinou cinco contratos de investimento com o grupo avaliados em US$ 931 milhões.
O contrato garantia à Trafigura monopólio virtual sobre as importações de derivados e venda da produção própria em Angola através de seus escritórios em Singapura.
Dessa sociedade nasceram a Angofret (de cargas e logística), a AEMR, explorando a indústria siderúrgica, ferro e manganês, a DT Agro, para projetos agropecuários, a DTS Commercial & DTS Refining, comercializando petróleo e derivados, e a DT Shipping, operando transporte marítimo, a DTS Serviços, de serviços financeiros, e a DTS Imobiliária.
Apenas as importações de produtos petrolíferos em Angola renderam 3,25 milhões de toneladas métricas de derivados de petróleo, contrato avaliado em US$ 3,3 bilhões.
Tratava-se de um escândalo internacional, motivado pelas descobertas do pré-sal angolano.
No site Africaintelligence, edição de 16/11/2016, Mariano era apresentado como protegido de Claude Dauphin.
O Maka Angola descrevia assim Mariano:
Entre os administradores do referido grupo encontram-se também Claude Dauphin, um dos fundadores da Trafigura, e o brasileiro Mariano Marcondes Ferraz, considerado como o ponta-de-lança da Trafigura em Angola. Foi este último quem assinou os acordos com o executivo angolano, no valor de quase um bilião de dólares.
Por todos esses sucessos, em setembro de 2014 Mariano foi elevado à condição de um dos nove membros do Conselho da Trafigura. Seria o mesmo que pertencer ao grupo de sócios controladores de uma Inbev.
Afinal, a estratégia da Puma Energy, agora, se voltara para a América Latina, preferencialmente atrás dos ativos da Petrobras na Colômbia e no Chile.
Uma mera consulta ao DHS, o departamento do governo dos Estados Unidos incumbido da cooperação internacional, bastaria para se saber da dimensão do fator Trafigura. Mas o MPF brasileiro não se moveu.
Movimento 4 – a Lava Jato e a delação de Mariano
Desde 09/10/2014 a delação de Paulo Roberto Costa já vazara para a imprensa, através da revista Época, alertando Mariano e a própria Trafigura sobre o que vinha pela frente.
Dizia a matéria que Paulo Roberto Costa
Entregou, também, multinacionais poderosas da indústria do petróleo, como Trafigura e Glencore, as grandes vendedoras de derivados de combustível no mercado internacional.
Quando a notícia vazou, advogados paulistas envolvidos com a Lava Jato perceberam que, ali, abria-se o leque para uma nova etapa, em que a corrupção se contava na casa dos bilhões. Batia-se no centro da mais deletéria das corrupções globais, a das empresas petrolíferas na África.
Após o vazamento, nenhuma medida preventiva foi tomada, visando resguardar provas, não se sabe de nenhuma investigação adicional. No fundo, o vazamento serviu para conceder dois anos de prazo para que Mariano e a Trafigura montassem suas estratégias de defesa.
Alertado pelo vazamento do MPF, nos meses seguintes Mariano tomou duas providências: em outubro de 2015 formalizou união com a atriz Luiza Valdetaro e a despachou para Londres com a filha, com a intenção óbvia de se mudar do Brasil; e tratou de montar seu álibi, junto com a Trafigura.
Quando se consumou sua prisão, não passou de jogo de cena, uma obrigação legal, já que seu nome foram mencionado em quatro delações.


No dia 26/10/2016, dois anos após o vazamento, a pedido do Ministério Público Federal o juiz Sérgio Moro autorizou busca e a prisão preventiva de Marcondes Ferraz.
Como a prisão se baseara nas delações, na fase inicial não havia modos de tirar a Trafigura do noticiáriol.
Segundo o Estadão:
“Com a prisão preventiva do empresário Mariano Ferraz, detido no aeroporto de Guarulhos nesta quarta-feira, 26, quando estava prestes a embarcar para Londres, a força-tarefa da Lava Jato avança sobre uma área ainda não investigada na Petrobrás: o setor de compra e venda internacional de combustíveis e derivados”.
No pedido de busca e apreensão solicitado pelo Ministério Público Federal, e autorizado pelo juiz Sérgio Moro, (clique aqui) o nome da Trafigura aparecia claramente no mandado:
“Envolve o pagamento de propinas pelo Grupo Trafigura ou pela DECAL do Brasil, por intermédio de Mariano Marcondes Ferraz, ao então Diretor de Abastecimento da Petrobrás, Paulo Roberto Costa, em decorrência de contratos com a estatal brasileira. Mariano Marcondes Ferraz, de nacionalidade brasileira, é um dos diretores executivos do Grupo Trafigura.”
Mais. Mencionam delação de Paulo Roberto Costa atribuindo as propinas à Trafigura, representada por Mariano:
“Paulo Roberto Costa, ex­Diretor de Abastecimento da Petrobrás, revelou, após ter celebrado acordo de colaboração premiada, que a empresa Trafigura, representada por Mariano Marcondes Ferraz, ofereceu e pagou vantagem indevida em contratos da Petrobrás (termo de colaboração n.º 38, evento 1, anexo3).
No despacho em que autorizou a prisão preventiva de Mariano, eram elencados diversos motivos: o fato de ter dupla cidadania, de possuir recursos vultosos no exterior, de ter residência em Londres.
Apenas oito dias após sua prisão, Mariano Marcondes Ferraz foi liberado pelo juiz Sérgio Moro mediante a módica fiança de R$ 3 milhões, aceitando as explicações dos advogados do réu.
Os advogados explicaram que Mariano passou a morar em Londres por conta da gravidez de sua esposa, com receio da epidemia de zika, por isso veio pouco ao Brasil; que todas as vezes que veio ao Brasil, foi publicamente, sem se esconder; e que a esposa pretende voltar ao Brasil etc.
Foi o que bastou, para conseguir a liberdade imediata, ampla total e quase irrestrita. A única proibição mantida foi a de viajar para fora do país.
Movimento 5 – a Trafigura desaparece da Lava Jato
Quando o escândalo explodiu, com a prisão de Mariano em 26/10/2016, a Trafigura já tinha pronta uma nota oficial, atribuindo as propinas a Paulo Roberto Costa exclusivamente às operações de Mariano com a Decal.
Essa versão foi imediatamente divulgada, através de nota oficial e aceita pelo Financial Times e pela Reuters. Afinal, do lado das autoridades investigadoras, não havia nenhuma informação em contrário.
Nos meses seguintes Mariano contratou o advogado Figueiredo Bastos, o mais antigo e mais influente dos advogados das delações premiadas da Lava Jato. E a Trafigura magicamente sumiu do noticiário.
Quando saiu a denúncia da Lava Jato contra Mariano, a Trafigura não mais constava dela.
No portal da Lava Jato, a denúncia contra Mariano é sintetizada assim:
Síntese: Em 2006, a Petrobras contratou a Decal do Brasil para a prestação de serviços de armazenagem e acostagem de navios no Porto de Suape (PE), com prazo de duração de cinco anos. Ao final do contrato, havia resistência da estatal em realizar nova contratação da empresa, que insistia em renovar o contrato com preços majorados. Para resolver a situação a favor da Decal do Brasil, Mariano Marcondes Ferraz ajustou o pagamento de propina com Paulo Roberto Costa, então diretor de Abastecimento da estatal petrolífera.
Na íntegra da denúncia apresentada, datada de 11/01/2017, o MPF encampa totalmente a versão de que Mariano operara apenas para a Decal. A Trafigura aparece em uma nota de rodapé, em uma citação do depoimento de Paulo Roberto Costa, com um sic – termo que serve para apontar inconsistências do autor original dos trechos citados. Isso, apesar da informação colhida pela Lava Jato de que Mariano estivera em …. Oportunidades na sede da Petrobras, todas em nome da Trafigura.
Em despacho no dia 02/03/2017 o juiz Sérgio Moro aceitou a denúncia. É uma sentença curta de 6 páginas. As duas primeiras são as referências de praxe ao esquema de corrupção na Petrobras.
Depois, sintetiza a denúncia contra Mariano, mencionando que a corrupção se destinava a beneficiar o grupo Trafigura e/ou Decal.
Igualmente, instruída com o teor do depoimento do colaborador Fernando Antonio Falcão Soares, no qual ele afirma haver participado de um jantar na residência de Paulo Roberto Costa, no qual estava também presente Mariano Marcondes Ferraz, e no qual teria sido discutida a renovação de contrato de aluguel de tanques que a empresa Trafigura mantida com a Petrobrás na Refinaria do Nordeste Abreu e Lima ­ RNEST, embora não tenha sido tratado especificamente do pagamento de propinas (anexo 15).
No despacho em que ordenou a prisão de Mariano, Moro deixava claro as dúvidas sobre as propinas, se provenientes da Trafigura ou da Decal.
Na página 6:
Não está totalmente claro se agiu, na ocasião, representando os interesses da Trafigura ou da Decal.
O despacho do juiz Sérgio Moro assegurava uma inédita tranquilidade a Mariano.
Tendo à sua frente um dos grandes lobistas internacionais, homem capaz de desvendar os segredos da corrupção da Trafigura no mundo, e tendo à sua mão a arma da delação premiada, Sérgio Moro e os procuradores nada fizeram.
No dia 17/10/2017 Mariano foi ouvido pelo próprio Moro e por procuradores.
Foi um interrogatório amável, de apenas 30 minutos, sem pegadinhas, sem agressividade. E sem nenhuma pergunta sobre a Trafigura.

Nenhum comentário: