Em 2004, o juiz Sérgio Moro foi gravado de forma clandestina em conversa com o advogado
Carlos Zucolotto, seu amigo pessoal; na época, a Justiça impediu a divulgação dos áudios da
conversa, princípio que Moro desrespeitou 11 anos depois, ao divulgar conversas privadas da
ex-primeira dama Marísa Letícia e diálogos entre o ex-presidente Lula e a presidente deposta
A denúncia do advogado Rodrigo Tacla Durán, antigo prestador de serviços da Odebrecht, de que
um amigo de Moro tentou lhe vender facilidades na Lava Jato desenterrou um passado incômodo
para o juiz federal de Curitiba.
A relação de Moro com o advogado Carlos Zucolotto Júnior vai além da amizade. Além de ter
dividido um escritório de advocacia com a mulher de Moro, Zucolotto figurou como advogado em
um processo no qual Moro era parte — nesse caso, parte mesmo, já que ele foi alvo de escutas
telefônicas clandestinas realizada pelo advogado e lobista Roberto Bertholdo.
O passado incômodo foi revelado em dois CDs entregues à jornalista Denise Mello, então na rádio
Bandnews de Curitiba. Ali estavam as transcrições das conversas de Moro. Bertholdo divulgou os
registros da interceptação clandestina para se defender de um processo em que se encontrava preso,
acusado de lavagem de dinheiro e tráfico de influência.
Na entrevista que concedeu à rádio,
de dentro da cadeia, ele contou que
o doleiro Alberto Youssef, solto por
Moro num acordo de delação
premiada em 2004, estava operando
intensamente no mercado paralelo
e, com a delação dele, outros
doleiros haviam sido presos ou
saíram do mercado. Youssef ficou
praticamente sozinho no comando
do submundo da lavagem de
dinheiro.
Segundo Bertholdo, “a delação
premiada concedida pela 2.ª Vara
Criminal Federal de Curitiba ao doleiro Alberto Youssef tem feito com que ele estabeleça um
monopólio do câmbio no Brasil”, conforme registro da entrevista, feito pelo jornal O Estado do
Paraná.
A Bandnews, propriedade do grupo J Malucelli, cujo dono é hoje muito amigo de Moro, publicou a
A Bandnews, propriedade do grupo J Malucelli, cujo dono é hoje muito amigo de Moro, publicou a
entrevista, mas não levou ao ar o conteúdo da interceptação telefônica.
Segundo Denise contou em depoimento à Justiça, a razão foi a origem clandestina das gravações. O
Segundo Denise contou em depoimento à Justiça, a razão foi a origem clandestina das gravações. O
depoimento dela foi relatado num processo que tramitou no Tribunal Regional Federal da 4a. Região:
“Denise arrematou, ainda, que, uma vez terminada a entrevista, relatou o ocorrido ao seu
“Denise arrematou, ainda, que, uma vez terminada a entrevista, relatou o ocorrido ao seu
coordenador, Gladimir Nascimento. Após deliberarem em conjunto sobre o assunto, levando em
conta que os áudios tinham sido obtidos de forma clandestina, resolveram não divulgá-los (sic),
motivo pelo qual a entrevista em questão foi ao ar no dia seguinte, 15/03/2006, sem que fosse
divulgado ao público o conteúdo das gravações ilícitas.”
Denise Mello já não trabalha mais na Bandnews. Eu a localizei na Banda B, outra emissora de
Denise Mello já não trabalha mais na Bandnews. Eu a localizei na Banda B, outra emissora de
Curitiba.
Pouco antes de entrar no ar, ela falou comigo por telefone. “Lembro vagamente desta história”,
Pouco antes de entrar no ar, ela falou comigo por telefone. “Lembro vagamente desta história”,
contou. Você prestou depoimento à Justiça? “Não lembro, posso ter prestado”. Quando eu li o que a
Justiça relatou sobre seu depoimento, ela disse que ocorreu, sim, o depoimento, mas que não havia
registrado na memória em razão da falta de notoriedade do Moro à época.
“O Moro não era ainda o MORO, entende?”, afirmou. Houve alguma pressão do Malucelli para que
“O Moro não era ainda o MORO, entende?”, afirmou. Houve alguma pressão do Malucelli para que
as gravações da escuta não fossem divulgadas? “Não, de jeito nenhum. Foi uma decisão minha e do
meu chefe na época, Gladimir”, respondeu, e em seguida disse que entraria no ar e que não poderia
mais falar.
Em outra ação, apresentada como recurso perante o Superior Tribunal de Justiça, existe o registro de
Em outra ação, apresentada como recurso perante o Superior Tribunal de Justiça, existe o registro de
um depoimento de Moro prestado à forca-tarefa do Ministério Público Federal na época, da qual
fazia parte o procurador da república Carlos Fernando dos Santos Lima. É relatado que, no grampo
clandestino, há a gravação de uma conversa entre Moro e o advogado e amigo Zucolotto.
” (…) foram ouvidas as conversas referentes às fitas apreendidas e que constam nos autos, podendo
o depoente reconhecer sua própria voz e diálogos mantidos com o Delegado de Polícia Federal Paulo
Roberto Falcão, com o Procurador da República Vladimir Aras, com a Desembargadora Maria de
Fátima Labarrère, com o Promotor de Justiça do Estado do Paraná Cruz (de Maringá), com um
amigo de nome Carlos Zucolotto, com familiares (filha e esposa) e, segundo lhe parece, também uma
conversa com o DPF Luiz Pontel “(fls. 11/12 do Apenso I, volume I).
Apenas a partir desse instante (da obtenção dessa prova) é que o Magistrado pôde ser considerado
vítima do delito estando, assim, impedido para o julgamento do feito. O MP, na mesma data da oitiva
do Julgador, ingressou com a respectiva Exceção (fls. 281/284, do apenso V, volume II). Em
29.08.05, Sérgio Moro acolheu o pleito, dando-se como impedido (fl. 285 do apenso V, volume II).”
O juiz Sérgio Moro se mobilizou para que Roberto Bertholdo fosse condenado por crimes contra a
O juiz Sérgio Moro se mobilizou para que Roberto Bertholdo fosse condenado por crimes contra a
honra. Sua mulher e o amigo Zucolotto atuaram no processo em que o advogado e lobista pretendia
que fosse aceita exceção da verdade — isto é, quando a alegada injúria ou difamação são decorrentes
de fatos ocorridos efetivamente.
O expediente da exceção da verdade não foi aceito, e as fitas foram colocadas sob segredo de justiça
O expediente da exceção da verdade não foi aceito, e as fitas foram colocadas sob segredo de justiça
e jamais divulgadas, o que é correto.
Grampos ilegais atentam contra o direito à intimidade e à privacidade, princípio que o juiz Moro,
Grampos ilegais atentam contra o direito à intimidade e à privacidade, princípio que o juiz Moro,
onze anos depois, não respeitaria, ao divulgar conversas privadas e de autoridades com foro por
prerrogativa de função ao Jornal Nacional, da TV Globo.
O que faria Moro de 2006 se julgasse Moro de 2016, quando as conversas da presidente Dilma, de
O que faria Moro de 2006 se julgasse Moro de 2016, quando as conversas da presidente Dilma, de
ministros e dona Marisa Letícia foram expostas como gasolina atirada a uma fogueira que ardia em
praça pública?
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