Juiz Marcelo Bretas, a quem o Rio presta apoio. E manda prender quem ameaça investigado
de morte
O alívio do ex-presidente do Departamento de Transportes do Rio de Janeiro (Detro) Rogério
Onofre durou pouco. Após o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, aceitar
Habeas Corpus dele na terça-feira (22/8) e mandar soltá-lo, o juiz Marcelo Bretas, da 7ª
Vara Federal Criminal do Rio, determinou nova prisão preventiva do acusado.
Onofre foi detido em julho pela suspeita de ter recebido R$ 43,4 milhões de propina da
Federação das Empresas de Transportes de Passageiros do Estado do Rio de Janeiro
(Fetranspor), que reúne 10 sindicatos, como o Rio Ônibus. Os pagamentos, que teriam sido
feitos de julho de 2010 a fevereiro de 2016, tinham como contrapartida que Onofre e o
então governador do Rio, Sérgio Cabral (PMDB), beneficiassem as companhias da entidade.
O Ministério Público Federal denunciou Cabral, Onofre e outros 22 por corrupção (ativa e
passiva), centenas de crimes de lavagem de dinheiro, crimes contra o sistema financeiro e
participação em organização criminosa.
Entre os fatos narrados na denúncia está a decisão de Onofre, com anuência de Cabral, de,
em dezembro de 2009, aumentar as passagens de ônibus intermunicipais em 7,05%.
Aquele ano foi o último em que vigorou a política de reajuste via planilhas de custos
entregues pela Fetranspor ao Detro (os reajustes ficaram vinculados ao IPCA a partir de
2010, conforme acordo do estado com o MP-RJ). Uma auditoria do Tribunal de Contas do
Estado constatou diversas irregularidades nesse reajuste do fim de 2009 (um estudo
tarifário calculou 2,68%), o que levou à condenação de Onofre pelo TCE.
Na terça, Gilmar Mendes estendeu a Rogério Onofre e à mulher dele, Dayse Deborah
Alexandra Neves, os efeitos do HC que concedeu aos os empresários de ônibus Jacob
Barata Filho e Lélis Teixeira. Na visão do ministro, medidas cautelares alternativas são
suficientes para garantir que eles não atrapalhem as investigações.
Contudo, na quarta-feira (23/8), o Ministério Público Federal no Rio pediu nova prisão
preventiva de Onofre. O requerimento se baseou em fatos que, de acordo com os
procuradores, só chegaram ao conhecimento deles depois que o ex-presidente do Detro foi
preso. Principalmente as ameaças que ele estaria fazendo aos investigados Guilherme
Neves Vialle e Nuno Canhão Bernardes Gonçalves Coelho. Em mensagem de áudio enviada
a Coelho, Onofre o ameaçou de morte.
“Vocês não estão acreditando, rapaz, na sorte. Vocês ainda não (foram) morreram porque
eu quero receber, mermão. Agora eu tô percebendo que vocês não vão pagar mesmo, aí
então... nós vamos resolver isso de... foda-se! Pelo menos eu esqueço essa merda aí”, disse
o ex-presidente do Detro, que também teria ameaçado a família de Nuno Coelho.
Embora tenha dito que os fatos expostos eram “gravíssimos”, Marcelo Bretas, na quarta,
não decretou nova prisão em respeito às decisões de Gilmar Mendes. “Entendo, ante o
posicionamento adotado pelo ministro relator Gilmar Mendes, que este juízo está
impossibilitado de, neste momento, analisar a questão, apesar de ser altamente
recomendável seja proferida decisão a este respeito”, apontou o juiz federal, que notificou
o magistrado do STF do novo pedido de detenção.
Em resposta enviada nesta quinta (24/8), Gilmar disse que o pedido de esclarecimento de
Bretas era “inusitado”. Isso porque a competência para decidir sobre novo pedido de prisão no caso é do juiz federal no Rio, e não do STF.
“Afinal, não consta nos autos informação de envolvimento de autoridade pública a justificar
o deslocamento da competência para conhecimento do feito originariamente pelo Supremo
Tribunal Federal”, apontou Gilmar, deixando claro que uma eventual decisão do juiz de
primeira instância poderá ser revogada se for ilegal.
Liberado pelo ministro, Marcelo Bretas determinou nova prisão preventiva de Rogério
Onofre. Conforme o juiz federal, há “risco concreto” da liberdade dele, tanto por
informações que ele estaria lavando dinheiro quanto pela ameaça. Esta, para ele, “se
revela capaz de interferir sobremaneira na persecução penal, bem como na aplicação de
eventual pena”.
Da forma como feita, ela não deve ser encarada apenas como “um delito regular de
ameaça”, mas também como um provável crime de obstrução de Justiça. E esse delito, por
si só, já justifica a prisão preventiva, ainda mais cumulado com a ameaça, opinou Bretas.
Assim, para garantir a ordem pública e preservar as investigações, Marcelo Bretas decretou
nova prisão preventiva de Rogério Onofre.
Luta judicial
Gilmar Mendes e Marcelo Bretas entraram em conflito nos últimos dias. A briga começou
após o ministro do STF conceder HC para os empresários Jacob Barata Filho e Lélis Teixeira
na quinta passada (17/8). Horas depois dessa decisão, Bretas determinou a expedição de
novos mandados de prisão preventiva contra os empresários, e eles continuaram na prisão.
Indignados, os procuradores que integram a força-tarefa da operação “lava jato” no Rio
criticaram a decisão do ministro do Supremo e disseram que o magistrado não tem
imparcialidade para julgar esses casos.
Duas decisões de Gilmar da sexta passada (18/8), porém, anularam os despachos de Bretas
e permitiram que os réus deixassem o cárcere. A seu ver, a imposição de medidas cautelas
aos réus já seria suficientes para preservar o regular andamento do processo. O ministro
ainda alfinetou Bretas por insistir na prisão dos empresários: "Em geral o rabo não abana o
cachorro, é o cachorro que abana o rabo".
Depois, Gilmar Mendes estendeu os efeitos daquele a HC a outros acusados e fez duras
críticas ao MPF e a Marcelo Bretas. Segundo ele, na atual conjuntura, “de abusos relativos a
decretações de prisões desnecessárias”, a prisão provisória “continua a ser encarada como
a única medida eficaz de resguardar o processo penal”, criticou Gilmar. “Mas esse abuso
não pode mais ser admitido! Como dizia Rui Barbosa, ‘o bom ladrão salvou-se, mas não há
salvação para o juiz covarde’”, escreveu o magistrado.
A Procuradoria-Geral da República aceitou o pedido do MPF no Rio e pediu a suspeição de
Gilmar Mendes nos casos envolvendo Lélis Teixeira e Jacob Barata Filho, uma vez que a
mulher dele, Guiomar Feitosa de Albuquerque Lima, é sócia do escritório Sérgio Bermudes
Advogados, que defende a Fetranspor. A entidade, da qual Teixeira era presidente,
representa as empresas de ônibus dele e de Barata Filho. Além disso, a PGR alega que
Gilmar não age com imparcialidade, pois foi padrinho do casamento da filha deste
empresário.
Contra essas decisões de Gilmar Mendes, juízes, artistas, políticos e procuradores reuniram-
se nesta quinta-feira na sede da Justiça Federal no Rio de Janeiro em apoio ao juiz Marcelo
Bretas.
No entanto, para advogados ouvidos ouvidos pela ConJur, não há problemas em Gilmar
julgar tais processos. Para quase todos os entrevistados, o descontentamento não é com a
pretensa suspeição, mas com o fato de o ministro ter concedido HC quando o clamor
público entende que o papel do juiz é condenar, e não julgar.
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