quinta-feira, 24 de agosto de 2017

A MÁQUINA MORTÍFERA QUE MOVE O DESMATAMENTO NA AMAZÔNIA


Desmatamento na Amazônia


Publicado na DW.

Na lógica que move a destruição da Floresta Amazônica, ainda é raro encontrar histórias de
transformação como a de Roberto Brito de Mendonça, de 43 anos. Foram necessários 100 anos para 
que se rompesse – por suas mãos – uma vocação que parecia natural na família: o desmatamento 
ilegal.
Aos 12 anos, iniciado pelo pai e o avô, derrubou sua primeira árvore, às margens do rio Negro, no 
Amazonas. Trinta anos depois, abandonou a motosserra – e a ilegalidade. “Eu era revoltado com o 
governo que nos pedia para preservar. Na minha ignorância, eu falava: ‘Não estou nem aí, quero 
aproveitar a floresta da forma que eu conheço'”, conta Roberto, que dependia da madeira para 
sustentar a família.
A comunidade onde ele vive está dentro da Reserva de Desenvolvimento Sustentável Rio Negro, no 
Amazonas, criada em 2008 para preservar a mata e o modo de vida das populações tradicionais. Com 
103 mil hectares e 693 famílias espalhadas por 19 vilarejos, a unidade de conservação, no entanto, 
não está livre do risco.
“Hoje já temos a pressão de grandes fazendeiros migrando dos estados do Pará e Rondônia para o 
Amazonas, com grandes empresários fazendo investimentos”, afirma Renê Luis de Oliveira, 
coordenador-geral de fiscalização ambiental do Ibama.
Em toda a Amazônia Legal, a sistemática do desmatamento segue um roteiro conhecido pelos 
fiscais: o invasor derruba a floresta em terra pública, vende madeira para se capitalizar, planta capim 
e coloca o gado. Mais tarde, as terras de interesse da agricultura dão lugar ao cultivo de soja, arroz e 
milho.
O método “boivigia”Em sobrevoos de fiscalização, é possível avistar áreas desmatadas sem qualquer construção –apenas 
os bois vigiam o terreno. “Os grileiros invadem esperando, um dia, a regularização fundiária de uma 
terra que é pública”, afirma Oliveira.
O rebanho bovino na Amazônia Legal saltou de 37 milhões de cabeças em 1995, o que era 
equivalente a 23% do total nacional, para 85 milhões em 2016 – cerca de 40%. “A pecuária para a 
criação de gado é a atividade que mais contribui para o desmatamento na Amazônia, ocupando 65% 
da área desmatada”, afirma o estudo recente do Imazon (Instituto do Homem e Meio Ambiente da 
Amazônia).
Marlene Alves da Costa, uma das lideranças comunitárias na RDS Rio Negro, já precisou barrar 
invasores que queriam trazer gado para as terras. “Gado aqui é proibido. O que ainda acontece é o 
roubo de madeira. Cortam de dia, escondido, e levam embora à noite. Mas nós denunciamos”, conta.
Os moradores tradicionais de Reserva Extrativista Jaci-Paraná, em Rondônia, não conseguiram o 
mesmo. Segundo o Ibama, trata-se de uma unidade de conservação mais desmatada do estado. 
“Fazendeiros tomaram conta. São mais de 50 mil cabeças de gado na reserva”, relata Oliveira.
As áreas ocupadas por populações tradicionais, extrativistas, não barram os invasores. “É comum a 
gente verificar aliciamento desses povos dentro das reservas extrativistas e de uso sustentável. Eles 
acabam vendendo sua terra e, muitas vezes, são até afugentados pelos grandes proprietários”, relata 
Oliveira. “É muito complexo”.
Alvo fácil para grileiros
As florestas públicas sem destinação são o alvo mais fácil para os grileiros e seus bois. “São 60 
milhões de hectares de florestas não destinadas na Amazônia. São terras públicas que estão à mercê 
da grilagem”, afirma Cristiane Mazzetti, especialista em Desmatamento Zero do Greenpeace. O 
tamanho da área em questão equivale a quase o dobro do território da Alemanha.
“Os povos da floresta são fundamentais para a conservação. Qualquer planejamento tem que levar 
em consideração as populações tradicionais, os indígenas, garantir o direito à terra e atividades 
econômicas que mantenham a floresta em pé”, diz Mazzetti a favor do aumento das unidades de 
conservação.
A pecuária não entraria nesta lista. O controle dessa atividade, inclusive, virou prioridade para coibir 
a destruição do ecossistema. Em mais de um ano de investigação, o Ibama multou 14 frigoríficos que 
compraram produtos vindos de áreas desmatadas ilegalmente ou embargadas.
Mazzetti destaca ainda o peso da política: “É fundamental que o governo não aprove medidas que 
sigam na direção contrária. E o que a gente vê é o contrário: propostas discutidas no Congresso que 
dão a expectativa de redução de unidades de conservação, ou desafetação, o que acaba contribuindo 
com a invasão dessas áreas.”
Após a aprovação da chamada MP da Grilagem (MP 759/16), tramita no Congresso o projeto que 
reduz a proteção na Floresta Nacional do Jamanxim, Pará. Na última quarta-feira, o governo federal 
publicou um decreto que extingue a Reserva Nacional de Cobre e Associados (Renca), na Amazônia. 
A reserva, criada em 1984, possui cerca de 47 mil quilômetros quadrados.
Desmatamento e vocaçãoEmbora o balanço divulgado pelo Imazon tenha apontado queda de 21% do desmatamento entre 
agosto de 2016 e julho de 2017, a situação não é de alívio. “A gente ainda está em 2017 muito 
aquém de onde deveríamos estar para dizer: ‘Estamos no rumo da eliminação do desmatamento e de 
cumprir as metas estabelecidas no Acordo de Paris'”, comenta Carlos Rittl, secretário-executivo do 
Observatório do Clima.
Para ele, Brasília erra ao mandar o seguinte recado: “Com a anistia do Código Florestal, da grilagem, 
de invasão de áreas protegidas, retirada de direitos de povos indígenas, flexibilização de leis 
ambientais, eles mostram que o crime florestal compensa.”
Rittl dirige a crítica ao governo Temer e às concessões à bancada ruralista. “O chefe da bancada, 
inclusive, se esquece que a agricultura, que ele em tese defende, depende de água, que depende de 
floresta. Então preservar floresta nada mais é que assegurar um serviço ambiental para a produção 
agrícola nacional”, comenta, sobre a entrevista concedida pelo deputado e chefe da bancada ruralista 
Nilson Leitão à DW Brasil. “Ele demonstrou ter uma visão muito míope sobre o papel das florestas.”
Das margens do rio Negro, Roberto acompanha preocupado esses embates. O ex-desmatador, agora 
empreendedor, espera que nada atrapalhe sua nova vocação. Para ele, é a falta de conhecimento que 
atiça o instinto de destruição. “Passamos 100 anos para descobrir que a floresta tem valor”, 
menciona, lembrando a história de sua família. “O meu sonho é que as pessoas locais tenham a 
mesma oportunidade. Porque é através das pessoas locais que a preservação vai começar.”

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