terça-feira, 4 de julho de 2017

ANATOMIA DO GOLPE NO BRASIL: AS "PEGADAS" AMERICANAS


“O golpe em curso no Brasil é sofisticada operação político-financeira-jurídico-midiática , tipo 
guerra híbrida. E será muito difícil deslindá-la", diz o jornalista Pepe Escobar. E mais difícil 
fica na medida em que surgem contradições entre seus próprios artífices. A enxurrada de 
conversas que Sergio Machado, ex-presidente da Transpetro e um dos operadores do Petrolão, 
teve e gravou com cardeais do PMDB, induz à ilusória percepção de que o impeachment da 
presidente Dilma Rousseff foi apenas um golpe tupuniquim, armado pela elite política 
carcomida para deter a Lava Jato e lograr a impunidade. O procedimento “legal” que garantiu 
a troca de Dilma por Temer, para que ela faça o que está fazendo, foi peça de operação maior e 
mais poderosa desencadeada ainda em 2013 para atender a interesses internos e internacionais. 
E nela ficaram pegadas da ação norte-americana.

TEREZA CRUVINEL



A embaixadora Ayalde e o agente da Chevron

Interesses internos: remover Dilma,
criminalizar o PT, inviabilizar Lula como
candidato a 2018 e implantar uma política
econômica ultra-liberal, encerrando o ciclo
inclusivo e distributivista. 
Interesses externos: alterar a regra do pré-sal e
inverter a política externa multilateralista que 
resultou nos BRICS, na integração sul-americana e em outros alinhamentos Sul-Sul.
As gravações de Machado desmoralizam o processo e seus agentes e complicam a evolução do 
governo Temer mas nem por isso o inteiro teor da trama pode ser reduzido à confissão de Romero 
Jucá, de que uma reunião de caciques do PMDB, PSDB, DEM e partidos conservadores menores, 
em reuniões noturnas, decidiram que era hora de afastar Dilma para se salvarem. E daí vieram a 
votação de 17 de abril na Câmara, a farsa da comissão especial e a votação do dia 11 de maio no 
Senado.
Um longo caminho, entretanto, foi percorrido até que estes atos “legais” fossem consumados. Para 
ele contribuíram a Lava Jato e suas estrelas, a Fiesp com seu suporte a grupos pró-impeachment e o 
aliciamento de deputados, o mercado com seus jogos especulativos na bolsa e no câmbio para acirrar 
a crise, Eduardo Cunha e seus asseclas com as pautas bombas na Câmara. E também as obscuras mas 
perceptíveis ações da NSA, Agência Nacional de Segurança dos Estados Unidos, e da CIA, na 
pavimentação do caminho e na fermentação do clima propício ao desfecho. Os grampos contra 
Dilma, autoridades do governo e da Petrobrás, os protestos contra o governo, o desmanche 
econômico e a dissolução da base parlamentar, tudo se entrecruzou entre 2013 e 2016.
Se os que aparecem agora nas conversas gravadas buscaram poder, impunidade e retrocesso ao país 
de poucos e para poucos, os agentes externos miraram o projeto de soberania nacional e o controle 
de recursos estratégicos, em particular o petróleo do Pré-Sal. Não por acaso, a aprovação do projeto 
Serra, que suprime a participação mínima obrigatória da Petrobrás, em 30%, na exploração de todos 
os campos licitados, entrou na agenda de prioridades legislativas do novo governo.
Muito já se falou da coincidente chegada ao Brasil, em agosto de 2013, de Liliana Ayalde como 
embaixadora dos Estados Unidos, depois de ter servido no Paraguai entre 2008 e 2011, saindo pouco 
antes do golpe parlamentar contra o ex-presidente Fernando Lugo. Num telegrama ao Departamento 
de Estado, em 2009, vazado por Wikileaks, ela disse:. “Temos sido cuidadosos em expressar nosso 
apoio público às instituições democráticas do Paraguai – não a Lugo pessoalmente”. E num outro, 
mais tarde : “nossa influência aqui é muito maior que as nossas pegadas”.
O que nunca se falou foi que a própria presidente Dilma, tomando conhecimento dos encontros que 
Ayalde vinha tendo com expoentes da oposição no Congresso, mandou um emissário avisá-la de que 
via com preocupação tais movimentos. Eles cessaram, pelo menos ostensivamente. Ayalde havia 
chegado pouco antes da Lava Jato esquentar e no curso da crise diplomática entre o Brasil e os 
Estados Unidos, detonada pela denúncia do Wikleaks de que a NSA havia grampeado Dilma, 
Petrobrás e outros tantos. Segundo Edward , o ex-agente da NSA que denunciou a bibilhotagem, “em 
2013 o Brasil foi o país mais espionado do mundo”. Em Brasília funcionou uma das 16 bases 
americanas de coleta de informações, uma das maiores.
A regra de exploração do pré-sal e a participação do Brasil nos BRICS (grupo formado por Brasil, 
Rússia, India. Chia e Africa do Sul), especialmente depois da criação, pelo bloco, de um banco de 
desenvolvimento com capital inicial de US 100 bilhões, encabeçaram as contrariedades americanas 
com o governo Dilma.
Recuemos um pouco. Em dezembro de 2012, as jornalistas Cátia Seabra e Juliana Rocha publicaram 
na Folha de São Paulo telegrama diplomático vazado por Wikileaks, relatando a promessa do 
candidato José Serra a uma executiva da Chevron, de que uma vez eleito mudaria o modelo de 
partilha da exploração do pré-sal fixado pelo governo Lula: a Petrobrás como exploradora única, a 
participação obrigatória de 30% em cada campo de extração e o conteúdo nacional dos 
equipamentos. 
Estas regras, as petroleiras americanas nunca aceitaram. Elas querem um campo livre como o Iraque 
pós-Saddam. A Folha teve acesso a seis telegramas relatando o inconformismo delas com o modelo e 
até reclamando da “falta de senso de urgência do PSDB”. Serra perdeu para Dilma em 2010 mas 
como senador eleito em 2014, apresentou o projeto agora encampado pelo governo Temer.
No primeiro mandato, Dilma surfava em altos índices de popularidade até que, de repente, a pretexto 
de um aumento de R$ 0,20 nas tarifas de ônibus de São Paulo, estouraram as manifestações de junho 
de 2013. Iniciadas por um grupo com atuação legítima, o Movimento Passe Livre, elas ganham 
adesão espontânea da classe média (que o governo não compreendeu bem como anseio de 
participação) e passam a ser dominadas por grupos de direita que, pela primeira vez, davam as caras 
nas ruas. Alguns, usando máscaras. Outros, praticando o vandalismo. Muitos inocentes úteis 
entraram no jogo. Mais tarde é que se soube que pelo menos um dos grupos, o MBL, era financiado 
por uma organização de direita norte-americana da família Coch. E só recentemente um áudio 
revelou que o grupo (e certamente outros) receberam recursos também do PMDB, PSDB, DEM e 
Aparentemente a ferida em Dilma foi pequena. Mas o pequeno filete de sangue atiçou os tubarões. 
Começava a corrida para devorá-la. A popularidade despencou, a situação econômica desandou, veio 
a campanha de 2014 e tudo o que se seguiu.
Mas nesta altura, a espionagem da NSA já havia acontecido, tendo talvez como motivação inicial a 
guerra do pré-sal. Escutando e gravando, encontraram outra coisa, o esquema de corrupção. E aqui 
entram os sinais de que as informações recolhidas foram decisivas para a decolagem da Lava Jato. 
Foi logo depois do Junho de 2013 que as investigações avançaram. A partir da prisão do doleiro 
Alberto Yousseff, numa operação que não tinha conexão com a Petrobrás, o juiz federal Sergio Moro 
consegue levar para sua alçada em Curitiba as investigações sobre corrupção na empresa que tem 
sede no Rio, devendo ter ali o juiz natural do caso. Moro havia participado, em 2009, segundo 
informe diplomático também vazado por Wikileaks, de seminário de cooperação promovido pelo 
Departamento de Estado, o Projeto Pontes, destinado a treinar juízes, procuradores e policiais 
federais no combate à lavagem de dinheiro e contraterrorismo. Participaram também agentes do 
México, Costa Rica, Panamá, Argentina, Uruguai e Paraguai. Teria também muitas conexões com 
procuradores norte-americanos.
Com a prisão de Yousseff, a Lava Jato deslancha como um foguete. Os primeiros presos já se 
defrontam com uma força tarefa que detinha um mundo de informações sobre o esquema na 
Petrobrás. Executivos e sócios de empreiteiras rendiam-se às ofertas de delação premiada diante da 
evidência de que negar era inútil, só agravaria suas penas. O estilo espetaculoso das operações e uma 
bem sucedida tática de comunicação dos procuradores e delegados federais semeou a indignação 
popular. Vazamentos seletivos adubaram o ódio ao PT como “cérebro” do esquema.
As coisas foram caminhando juntas, na Lava Jato, na economia e na política. A partir do início do 
segundo mandato de Dilma, ganharam sincronia fina. Na Câmara, Eduardo Cunha massacrava o 
governo e a cada derrota o mercado reagia negativamente. A Lava Jato, com a ajuda da mídia, 
envenenava corações e mentes contra o governo. Os movimentos de direita e pró-impeachment 
ganharam recursos e músculos para organizar as manifestações que culminaram na de 15 de março. 
A Fiesp entrou de cabeça na conspiração e a Lava Jato perdeu todo o pudor em exibir sua face 
política com a perseguição a Lula, a coerção para depor no aeroporto de Congonhas e finalmente, 
quando ele vira ministro, a detonação da última chance que Dilma teria de rearticular a coalizão, com 
o vazamento da conversa entre os dois.
No percurso, Dilma e o PT cometeram muitos erros. Erros que não teriam sido fatais para outro 
governo, não para um que já estava jurado de morte. Mas este não é o assunto agora, nesta 
revisitação em busca da anatomia do golpe.
Em março, a ajuda externa já fizera sua parte mas as pegadas ficaram pelo caminho. O governo já 
não conseguia respirar. Mas, pela lei das contradições, a Lava Jato continuou assustando a classe 
política, sabedora de que poderia “não sobrar ninguém”. É quando os caciques se reúnem, como 
contou Jucá, e decidiram que era hora de tirar Dilma “para estancar a sangria”.
Desvendar a engrenagem que joga com o destino do Brasil desde 2013 é uma tentação frustrante. 
Faltam sempre algumas peças no xadrez. Mas é certo que, ainda que incompleta, a narrativa do golpe 
não é produto de mentes paranoicas. No futuro, os historiadores vão contar a história inteira de 2016, 
assim como já contaram tudo ou quase tudo sobre 1964.
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