segunda-feira, 29 de maio de 2017

LEONARDO BOFF: A ESQUERDA BRASILEIRA PRECISA SE RENVAR


Leonardo Boff em 2014 (Créditos: A. Marques/Folhapress). "Nunca pudemos elaborar um 
projeto autônomo e soberano de país" 
Entrevista do teólogo Leonardo Boff a El País: Boff: “O poder de mobilização da esquerda não 

A sociedade brasileira vê-se fragmentada neste momento depois de um tsunami político que 
parece começar em 2013. Na sua avaliação, em que ponto nos perdemos como sociedade para 
expor nosso pior lado nas relações sociais? Era uma ilusão que o país já esteve mais unido?

Nós nunca fomos uma sociedade no sentido moderno, pois nunca saímos da situação colonial e 
neocolonial a que fomos submetidos desde a chegada dos europeus em nossas terras. Somos sócios 
menores e agregados ao projeto das grandes potências que dominam o mundo. Nunca pudemos 
elaborar um projeto autônomo e soberano de país.

As denúncias feitas pelo dono da JBS, que implicam o presidente Michel Temer e o senador 
Aécio Neves, podem reunificar as pessoas depois da polarização que varreu o país?

Creio que o efeito negativo maior recai sobre a figura de Temer, claramente cúmplice de corrupção 
comprovadas por gravação, a ponto de lhe tirar qualquer legitimidade e autoridade moral para estar à 
frente do governo. Não creio que vai reunificar as pessoas, pois os que deram o golpe querem levar 
seu projeto neoliberal extremamente radical até o fim. E continuarão a apoiá-lo.

O senhor sempre foi bastante crítico ao Governo Temer, a quem chama “golpista”. Qual é sua 
concepção de golpe?

O impeachment está na lógica da dominação das oligarquias. Elas usaram não mais o Exército como 
em 1964 mas o parlamento para afastar um governo que poderia ameaçar seus privilégios. Armaram 
um golpe que juridicamente, segundo os melhores juristas do país, era insustentável. A decisão havia 
sido previamente tomada de modo que os fautores do golpe sequer iam às sessões para escutar os 
especialistas e argumentação dos defensores de Dilma. Foi um golpe de classe com base parlamentar, 
com o apoio da mídia mais conservadora e até reacionária e de setores da Justiça, até no mais alto 
escalão, que temem a ascensão dos milhões de pobres na vida social minimamente digna. A nossa 
democracia é de baixíssima intensidade. Se medirmos a democracia pelos critérios dos direitos 
humanos, da participação popular, da defesa das grandes maioria negras, da justiça social, essa 
democracia é antes uma farsa que uma realidade sustentável.

Não era hora de grandes lideranças, incluindo representantes da igreja, se coordenarem para 
garantir um mínimo de estabilidade até 2018?

Creio que está ocorrendo esse processo. Mas ele é inicial porque há um vazio de lideranças, com 
capacidade de convocação geral. Possivelmente a situação obrigará essa articulação, especialmente, 
se Temer insistir em permanecer no poder. Ele será tirado por uma dupla combinação: pressão 
popular e condenação pelo STF dos crimes a que é acusado. Aí perderá o mandato. O que vier depois 
é um enigma.

O Brasil viveu a era do PT por 13 anos que trouxe ganhos hoje bastante questionados. Do seu 
ponto de vista, o PT deixou mais desilusão do que um legado?

Os dois governos do PT foram os únicos na história do Brasil que deram centralidade aos pobres, 
fazendo políticas sociais que ao todo incluíram na cidadania cerca de 36 milhões de pessoas. E 
principalmente lhe deram dignidade, valor humano que funda a autoestima e o sentido da vida. A 
política de cotas e o PROUNI permitiu que os pobres tivessem acesso à universidade que antes lhes 
era negado. Hoje há favelados negros que são médicos, engenheiros e até diplomatas. Isso era 
impensável antes. Tal avanço daqueles do andar de baixo, assustou a oligarquia e também a classe 
média que viu seus lugares de privilégio serem ocupados por esses novos cidadãos. Essa ascensão 
está na base do ódio de classe que vem do andar de cima, não dos pobres beneficiados. Esse legado 
não pode ser perdido, pois significou uma diminuição da desigualdade, uma humanização nas 
relações sociais e um limite à voracidade selvagem de nosso tipo de capitalismo que nunca foi 
civilizado e mantém níveis de acumulação dos mais altos do mundo, sem qualquer sentido de 
solidariedade para com seus semelhantes.

(...) A esquerda tem sido criticada por seus integrantes por não assumir o timão dos protestos 
de rua, deixando para a direita esse papel. Ela ficou “PT-dependente”?

A esquerda brasileira nunca teve muito enraizamento popular, apenas em algum dos sindicatos das 
grandes indústrias. Seu poder de mobilização é mais metafórico (bandeiras vermelhas e slogans) do 
que efetivo em termos de apresentar um projeto alternativo para o país. Ela sempre foi uma força 
auxiliar de grupos progressistas, mesmo neoliberais, mas que lhe permitiam uma presença no 
aparelho de Estado por causa de um presidencialismo de coalizão partidária. A esquerda precisa se 
renovar, no paradigma social, na linguagem, nas formas de se dirigir ao povo e especialmente se 
apresentar como um centro de reflexão séria sobre qual Brasil finalmente queremos. Falta 
pensamento e sobre movimentação.

Aqui como no mundo partidos de esquerda são criticados por não ter um plano consistente para a economia. Onde estão errando?

Não se trata de erro mas de profunda desigualdade na correlação de forças. Hoje há uma dominação 
completa da ordem do capital que gerou a cultura do capital que se impôs a todos, também aos da 
esquerda (troca de celular, de computador, de tênis, de roupas, de modos de consumo). O nosso 
impasse e também a nossa desgraça é termos que viver dentro de um sistema que só sobrevive à 
condição de que o dinheiro produza mais dinheiro, não para melhorar a vida, mas para aumentar de 
forma ilimitada. É o império do capitalismo especulativo e materialmente improdutivo. E não existe 
nenhum projeto alternativo com suficiente força de se contrapor eficazmente a esta forma avançada 
de capitalismo rentista. Talvez somente após uma grave crise ecológico-social que desequilibre o 
sistema-Terra e o sistema-vida, poderá vir um sistema mais justo socialmente, mais amigo da vida e 
com um consumo solidário e sóbrio no quadro de uma governança global.

O apoio à greve geral (no dia 28 de abril) e o rechaço à reforma da Previdência mostra que, 
apesar do despeito político, a população tem ciência de que benefícios e direitos essenciais estão 
sendo perdidos?

Grande parte da população é anestesiada pela mídia, especialmente pela Rede Globo como todos os 
seus meios, entre outros meios situados em São Paulo, como a Folha de São Paulo e o Estado de São 
Paulo. Estes veículos são os instrumentos ideológicos das elites e dos endinheirados do país que 
nunca se deram bem com a democracia e que querem continuar com a política do patrimonialismo 
pelo qual Estado e as empresas privadas fazem projetos milionários sobre os quais incidem 
vantagens monetárias ou postos de mando na administração. Os negócios viraram negociatas que 
estão na base da corrupção generalizada no país na forma de propinas ou supervalorização dos 
projetos.

(...) A sociedade brasileira pode fazer essa mudança de baixo para cima?


Nenhuma mudança, a meu ver, em nenhum lugar do mundo, vem de cima. De cima sempre vem 
mais do mesmo. É a lógica do poder que somente se mantém acumulando mais poder ou se aliando a 
outros poderes. As mudanças vem de baixo, daqueles que tem outro projeto de sociedade e 
acumulam suficiente poder social a ponto de se impor ao poder dominante. Aí haverá uma troca de 
sujeito de poder com capacidade de impor novas regras do jogo político, mais democrático, 
participativo e ético.
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