quinta-feira, 9 de março de 2017

O que está por trás da suspensão da divulgação da lista suja do trabalho escravo



Publicado na DW

O governo federal venceu nesta terça-feira (07/03) um round judicial que, na prática, deve impedir a sociedade de conhecer pelos próximos quatro meses quem são os empregadores do Brasil flagrados e punidos por utilizar trabalhadores em condições análogas à escravidão e inscritos na chamada “lista suja” do trabalho escravo. A lista foi criada em 2003 e é respaldada internacionalmente.
No governo do presidente Michel Temer (PMDB), o Ministério do Trabalho (MT) sustenta a visão de que as atuais regras que determinam a inclusão de nomes na lista “não garantem o direito ao contraditório e a ampla defesa dos acusados de crime, o que daria margem para novas contestações judiciais”. Esse argumento é confrontado pelo Ministério Público do Trabalho (MPT), e a batalha chegou aos tribunais.
O presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST), Ives Gandra Martins, decidiu nesta terça-feira que o governo federal tem razão. Ele acolheu os argumentos da Advocacia-Geral da União e derrubou uma liminar que obrigava o Ministério do Trabalho a divulgar a “lista suja”, sob pena de pagar multas diárias. Gandra Martins apareceu na lista de cotados do Palácio do Planalto para uma vaga ao Supremo Tribunal Federal.
Compromisso internacional
“Vamos recorrer. A ‘lista suja’ é um instrumento importante no enfrentamento à escravidão contemporânea, e o Brasil assumiu compromissos internacionais de enfrentamento à escravidão”, afirma o procurador do trabalho Tiago Cavalcanti, coordenador nacional de Erradicação do Trabalho Escravo (Conaete) do Ministério Público do Trabalho.
Para Cavalcanti, o argumento do governo federal de que há cerceamento de defesa dos acusados é “absurdo”, pois após flagrada a situação de escravidão (auto de infração), o acusado ainda poderá recorrer administrativamente, em duas instâncias. “O nome do infrator só é incluído na lista a partir do momento em que não cabe mais recurso.”
Uma semana antes de vencer o prazo dado pela Justiça Regional do Trabalho para que o MT divulgasse a lista, a pasta realizou a primeira reunião de um grupo de trabalho criado para “estabelecer regras claras para a inclusão de empresas no cadastro, conhecido como ‘lista suja’, e evitar a judicialização do tema”.
O argumento da AGU, que convenceu o presidente do TST, é que esse grupo precisa de 120 dias para analisar as regras vigentes e alterá-las. Os procuradores do Trabalho afirmam que não foram convidados pelo governo federal para essa primeira reunião do grupo, mas participarão das discussões para entender exatamente quais são os objetivos do debate.
“Querem alterar a ‘lista suja’ em quê? Vai haver esvaziamento da lista? Vai haver esvaziamento da visão do trabalho escravo?”, questiona Cavalcanti. De acordo com a assessoria do Ministério do Trabalho, o grupo foi criado porque “o governo quer ter a garantia de que as normas serão transparentes e justas para identificar e divulgar quem comete esse tipo de crime”.
Portaria no último dia do governo Dilma
As regras atuais para inclusão de nomes na “lista suja” estão especificadas numa portaria interministerial publicada pelo governo anterior no último dia 13 de maio, exatamente o último dia em que a então presidente Dilma Rousseff (PT) esteve no cargo. A portaria foi reeditada para deixar claros os procedimentos de inclusão e retirada dos nomes no cadastro.
Após a publicação dessa portaria, a presidente do Supremo Tribunal Federal, Cármen Lúcia, extinguiu uma ação que tramitava na corte para questionar a constitucionalidade da “lista suja”. Tal pendenga judicial vinha impedindo a divulgação do documento desde dezembro de 2014.
Cavalcanti destaca que a publicação da “lista suja” é uma política de Estado, assumida pelo Brasil internacionalmente, e que não pode “sofrer variações ideológicas ou partidárias”. A medida, enfatiza, foi defendida em políticas públicas iniciadas pelo governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB) e aprimoradas nas gestões de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Dilma Rousseff (PT). “Ou seja, independe de partidos, correntes políticas ou ideologias.”
As decisões do Supremo
No final de 2014, o então presidente do Supremo, Ricardo Lewandowski, concedeu uma liminar que impediu a publicação da “lista suja”. A ação foi movida pela Associação Brasileira de Incorporadores Imobiliários, que considerava o cadastro inconstitucional.
Para sanar os problemas apontados, foi feita, então, nova portaria pelo governo, nos minutos finais da administração de Dilma. Porém, ainda que a ação tenha sido extinta no Supremo depois da reedição da portaria, em maio de 2016, o Ministério do Trabalhou recusou-se em divulgar a lista.
Os procuradores do trabalho alegam que houve reuniões e tentativas de convencimento do atual governo. Sem êxito, restou bater às portas da Justiça Regional do Trabalho.
A batalha não tem data para terminar e, dependendo dos efeitos e de sua repercussão, pode chegar à Corte Interamericana de Direitos Humanos.
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