Imagem retirada do relatório da PF publicada pela Folha de S. Paulo
Jornal GGN - A Polícia Federal usou um método considerado "perseguição ideológica" pela defesa de Eduardo Guimarães, para chegar à fonte do vazamento que possibilitou ao blogueiro publicar o furo de reportagem em que ele antecipa quebras de sigilo e busca e apreensão contra Lula e pessoas ligadas ao ex-presidente.
Depois de listar quais funcionários públicos tiveram acesso a despachos da Lava Jato ligados a Lula, a PF fuçou nas redes sociais dos suspeitos para determinar quem seria o potencial vazador e pedir a quebra de seu sigilo telefônico ao juiz Sergio Moro.
Dessa maneira, ao identificar que uma servidora da Receita Federal curtia a página oficial do jornalista Fernando Morais no Facebook, a PF conseguiu grampear a mulher alegando "alinhamento" com fontes de esquerda que defendem Lula, com autorização de Moro.
O mesmo método foi usado para quebrar o sigilo telefônico do jornalista que teria repassado o vazamento a Eduardo Guimarães. Este, por sua vez, também teve seu extrato telefônico liberado à PF, com a justificativa de que, para a Lava Jato, ele não é jornalista.
Por Matheus Pichonelli
No The Intercept
O SIGILO TELEFÔNICO do jornalista Eduardo Guimarães foi quebrado pela força-tarefa da Lava Jato para revelar a fonte que vazou a ele dados sigilosos sobre a ação da PF contra Lula, em março de 2016. Guimarães foi levado coercitivamente para depor na superintendência da Polícia Federal, na terça-feira (21). A revelação foi feita numa decisão do Moro em que levantou o sigilo sobre o caso.
A ação quebra o direito de sigilo de fonte, um direito garantido pela Constituição ao exercício do jornalismo. Moro argumentou que Guimarães não é jornalista para justificar a quebra de sigilo. Em sua decisão ele voltou atrás, porém, o direito de Guimarães já havia sido violado.
A ação é um típico ataque à liberdade de imprensa pelo Estado, e ações similares já tinham sido veementemente criticadas por jornalistas e ONGs como a Repórteres Sem Fronteiras.
De acordo com o inquérito, a que The Intercept Brasil teve acesso, a fonte soube antecipadamente da operação contra Lula por meio de uma servidora da Receita Federal. Para chegar até ela, os agentes listaram todas as pessoas que tiveram acesso à decisão judicial sigilosa que determinou a ação coercitiva contra Lula.
Para os agentes, a motivação do vazamento poderia ter residido em alguma espécie de simpatia ou alinhamento à posição ideológica do ex-presidente, “circunstância que faria um agente em posse de uma ordem que restringia, a partir de decisão judicial devidamente fundamentada, o direito ao sigilo bancário e fiscal de Luiz Inácio Lula da Silva, vir a torná-la pública, de maneira criminosa, com a intenção de que isso auxiliasse o investigado a se defender, ocultar e até mesmo destruir provas que pudessem lhe incriminar”.
Com base em tais premissas, os agentes chegaram até a auditora fiscal da Receita Federal Rosicler Veigel através de um fato sui generis: nas redes sociais, ela era seguidora do escritor Fernando Morais – segundo a ação, “jornalista e político, induscutível (sic) crítico deste Juízo e da OPERAÇÃO LAVAJATO e aliado ideologicamente a LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA”.
O inquérito incluiu, assim, postagens de Fernando Morais, parte delas crítica ao juiz Sérgio Moro – como, por exemplo, uma capa da revista CartaCapital – para embasar as suspeitas.
“Sem adentrar no mérito das convicções de FERNANDO GOMES DE MORAIS – afinal, isto, por si só, não guardou qualquer pertinência para esta investigação –, é notório que muitas de suas externalizações são feitas de maneira desrespeitosas para com as instituições e as autoridades públicas envolvidas na condução da assim denominada OPERAÇÃO LAVAJATO”, diz o inquérito.
Com a servidora na mira, a força-tarefa encontrou a ligação dela com a fonte de Guimarães alegada pelo inquérito, identificada como Francisco José de Abreu Duarte – cujas postagens e curtidas em publicações pró-PT foram consideradas relevantes para as investigações.
Os agentes concluíram que Abreu Duarte, em posse de informações sigilosas indevidamente violadas por Rosicler Veigel, “deliberadamente e com finalidade de embaraçar as investigações contra Lula, transmitiu o conteúdo da decisão”.
Para chegar a essa conclusão, porém, tiraram do blogueiro o direito ao sigilo de fonte, a base das contestações do mandado de busca, apreensão e ação coercitiva assinado por Sergio Moro, e cumprido pela PF na terça-feira (21), quase um ano após o vazamento dos dados da operação.
Após a polêmica, Moro assinou um despacho, nesta quinta-feira 23, dizendo não desconhecer que a profissão de jornalista possa ser exercida sem diploma de curso superior na área:
“Entretanto, o mero fato de alguém ser titular de um blog na internet não o transforma em jornalista automaticamente. No caso, a avaliação do conteúdo do blog, contendo inclusive propaganda político-partidária, como banner para campanha do próprio titular do blog para vereador em São Paulo pelo PCdoB, levou à conclusão de que, como o conteúdo do blog não seria eminentemente jornalístico, então o investigado Carlos Eduardo Cairo Guimarães não exerceria a profissão de jornalista, utilizando o blog somente para permitir exercício de sua própria liberdade de expressão e veicular propaganda político partidária.”
Para Moro, embora a liberdade de expressão e as preferências partidárias devam ser respeitadas, elas não abrangem sigilo de fonte.
No despacho, Moro diz ainda que Guimarães, ao chegar à superintendência da PF, revelou de pronto o nome da fonte, conduta considerada por ele “distante ao profissional do jornalismo”. “Um verdadeiro jornalista não revelaria jamais sua fonte”, julgou.
Segundo Moro, entretanto, o objetivo da investigação não era propriamente o de identificar a fonte da informação do blog, “mas sim, principalmente, apurar se de fato o seu titular havia comunicado a decisão aos investigados previamente à própria divulgação no blog e a à diligência de busca e apreensão”.
Criticado por supostamente obrigar o blogueiro a revelar sua fonte, o magistrado disse não ter intenção de colocar em risco a liberdade e o sigilo de fonte. “É o caso de rever o posicionamento anterior e melhor delimitar o objeto do processo”, disse.
Determinou, assim, o prosseguimento da investigação em relação às condutas de violação do sigilo funcional pela funcionária pública – e, após todo o embaraço, mandou excluir do processo e do resultado das quebras de sigilo de dados, sigilo telemático e de busca e apreensão de Eduardo Guimarães, qualquer elemento probatório relativo à identificação da fonte da informação. “Caso demonstrado que também Francisco José de Abreu Duarte exercia a profissão de jornalista, estenderei tal exclusão a ele”, reiterou.
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