segunda-feira, 6 de fevereiro de 2017

O CONSELHEIRO ACACIO DO STF


Luís Roberto Barroso, o iluminismo ao creme brule

Encerra-se num ciclo, o país entra em uma nova etapa. Seria a pós-modernidade? Seria o pré-futuro? O país perdido anda atrás dos novos intérpretes, aquelas pessoas dotadas da acuidade maior, dos que sabem ler através dos tempos, entender os registros da contemporaneidade com a visão de futuro e ler o passado com a visão de presente e tudo embalado em sólidos conhecidos políticos, sociológicos.
A falta de rumo nacional gerou um tipo novo de compulsão: os desbravadores de futuro, intelectuais ou políticos acostumados com a superficialidade atávica da chamada mídia de massa, especialistas em manejar conceitos de senso comum.
Qual o novo campeão que se apresenta? O Ministro Luís Roberto Barroso, do STF (Supremo Tribunal Federal), através das páginas ilustríssimas da revista Veja, um dos símbolos maiores da cultura nacional da pós-verdade.
No artigo que escreveu para a revista, Barroso propõe uma inovação sociológica, uma espécie de manual Marcelino de Carvalho de boas maneiras politicamente corretas, um compêndio de frases de senso comum aplicadas à análise política. Algo assim: “como participar de um sarau líbero-político sem fazer feio”.
Como um intelectual da moda, Barroso inicia seu artigo definindo os modismos sociológicos. Diz que “narrativa” é palavra da moda. E, sentencioso, diz que “considero-a melhor do que pós-verdade, oficialmente vencedora do ano de 2016”.
Há alguns anos, “narrativa” é palavra mais batida que “empoderamento”, mas deixa para lá. Novo é o que se nos parece novo. E o Ministro Barroso acabou de mergulhar nos múltiplos significados de “narrativa”.
Modesto, inova escrevendo um artigo jornalístico com bula.  
No abre, explica ele que seu artigo se propõe “a definir a relação do indivíduo com o país, com os outros e com o mundo, um esforço de auto compreensão, de reconstrução da própria trajetória e da busca de um sentido para o futuro”. É pouco? “Nela está embutida a exigência de se fazerem diagnósticos certos e sem idealização, e de se buscarem as soluções que o realismo e o bom-senso impõem”.
Vamos ver como nosso brasilianista padrão Veja enfrenta o desafio que se propôs.

Parte 1 – a parte positiva do Brasil

O brasilianista tardio mergulha em Gilberto Freyre – perdão, nos estereótipos de Freire – e enaltece a democracia racial, a diversidade religiosa, as fronteiras pacíficas, as riquezas naturais, o bom humor, alegria de viver. “Gente sem medo e sem culpa de ser feliz”, conclui. Fica a impressão de que Barroso pesquisou fundo esse Brasil no filme “Sabor de Paixão”, onde a “brasileira” Penélope Cruz, dona de um restaurante na Bahia, mora em um apartamento com amigos gay, cozinha que é uma maravilha e tem um namorado que faz serenatas românticas. http://www.adorocinema.com/filmes/filme-25121/

Parte 2 – a parte negativa

O Mago de Apipucos sai de cena e entra o Iluminista do Leblon. Menciona a violência, os assassinatos, os crimes de gênero, a falta de habitação, de saneamento, a favelização, a degradação ambiental. E dá-lhe problemas de educação, segurança, poucas instituições de ensino de destaque e estatais soterradas pela corrupção. Nada de que se possa discordar. Nada que exija maior acuidade sociológica para identificar.
Vamos à síntese, que Barroso batizou de “a nova narrativa para o país”.

Parte 3 – a nova narrativa e o oficialismo

Diz Barroso modestamente que precisamos de uma nova narrativa, um exercício de pensamento original, “que ajude a definir o nosso lugar no mundo”, uma nova narrativa capaz de olhar para frente e para trás, de apresentar diagnósticos e propostas. E abre o Olimpo mencionando modestamente seus colegas brasilianistas, Euclides da Cunha, Freyre, Sérgio Buarque de Hollanda etc, incluindo artistas como Villa-Lobos, Chico e Caetano.
Identifica três “disfunções atávicas” do Estado brasileiro: o patrimonialismo, o oficialismo e a cultura da desigualdade.
O “oficialismo” é o ato de depender do Estado, “isto é, da sua bênção, apoio e financiamento(...) para todos os projetos pessoais, sociais ou empresariais”.
Diz ele que todo mundo anda atrás de emprego público, crédito barato, desonerações e subsídios. Inclui no oficialismo desde o patrimonialismo mais anacrônico até instrumentos de política econômica que são padrão em qualquer nação civilizada.
Trata o “crédito barato”, isto é, a parcela mínima do crédito que guarda alguma isonomia com as taxas internacionais, como se fosse um anacronismo dos dependentes de Estado. “Cria-se uma cultura do compadrio”, diz ele, referindo-se a um Estado que com todos seus defeitos, foi personagem central para a maior política de inclusão social da história e, em alguns momentos, promotor de desenvolvimento, um Estado que gerou um BNDES, uma Finep.
Enfim, não demonstra o menor discernimento para entender adequadamente o Estado, de maneira a separar os vícios das obrigações.

Parte 4 – a cultura da desigualdade

Diz ele que como não existe no Brasil uma cultura de que todos somos iguais, cria-se um universo paralelo de privilégios, imunidades tributárias, foro privilegiado, juros subsidiados, auxílio-moradia, carro oficial. Enfim, uma mixórdia em que mistura instrumentos de política econômica com mordomias generalizadas.
Para seguir o padrão – de sempre mencionar o iluminismo, como se ele fosse seu profeta -  define outros profetas nacionais, todos juristas como ele, como Joaquim Nabuco, Ruy Barbosa, San Thiago Dantas, “nenhum deles foi a voz que prevaleceu em seu tempo”. 
Poderia estudar um pouco mais o papel de Ruy no “encilhamento” e na Constituição, ou se aprofundar nas propostas de San Thiago. Com seus vícios e qualidade, todos ostentavam um grau de compreensão de país do qual Barroso está a léguas de distância.
Finalmente propõe o “projeto progressista“, com os eixos econômico, serviços públicos de qualidade e sistema fiscal menos regressivo. E “uma onda de patriotismo e idealismo”.
Não cometeria a injustiça de dizer que Barroso é raso como Cristovam Buarque. Mas passa perto.
Antes dele, no fim do século 19, um autor brasileiro, Manuel Bonfim, se encantou com a cultura política norte-americana, como Barroso se encanta, se encantou com as formas de participação social dos EUA, que fazem o encantamento do nosso Iluminista do Leblon. Mas conseguiu tirar um conjunto de definições objetivas sobre o papel do Estado, propondo um desenho de país com muito mais solidez do que os chavões brandidos por Barroso.
As discussões sobre o papel do Estado são muito mais complexas do que essas simplificações made in GLobonews. Exigem o claro entendimento sobre o papel do Estado como agente moderador das desigualdades, como instrumento de desenvolvimento. Implica em entender o papel da inovação – que, pelo artigo de Barroso, nasce do boto -, do financiamento, da criação de ambientes econômicos isonômicos com o mercado global e, ao mesmo tempo, discutir as formas de controle do Estado, para impedir o exercício arbitrário da vontade.
Implica em muito mais, no papel do orçamento público – que Barroso trata com a mesma profundidade com que analisa o orçamento de uma dona de casa. Exige um entendimento adequado sobre a função anticíclica dos gastos públicos.
Enfim, um desafio extraordinário, que exigirá pensadores sólidos, sem se prender a chavões ideológicos, à compulsão estatista da esquerda e ao mercadismo sem limites de nossos liberais de boutique. Equivale a pensar projeto de nação, algo que vai muito além dos modismos narrativos da mass-midia.
O novo país exige novos intérpretes. Mas seguramente, não será a superficialidade de Barroso que conseguirá desbravar os novos caminhos.

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