segunda-feira, 26 de dezembro de 2016

Entrevista coletiva com Vladimir Putin



Por Ricardo Azambuja 

O presidente russo Vladimir Putin deu uma entrevista coletiva para 1350 jornalistas em Moscou. Essa coletiva repete-se desde 2001 e torna-se a base de informações e opiniões sobre a situação atual da Rússia pela ótica de seu mandatário. Vários assuntos foram tratados, desde a Guerra na Síria e seus desdobramentos até o assassinato recente do embaixador russo na Turquia.
A sessão foi aberta pontualmente às 12 horas (7h em Brasília) pelo porta-voz do presidente, Dmitry Peskov, ao dar orientações aos jornalistas, antes da entrada de Putin no auditório em Moscou. Sem o pronunciamento inicial de praxe, o presidente russo começou a responder as perguntas dos jornalistas. A primeira foi sobre economia. Putin confirmou que neste ano o PIB deve cair cerca de 0,5% a 0,6%, bem menos que os 3,7% do ano passado. Ressaltou, porém, que a partir de novembro ouve crescimento impulsionado por alguns setores da economia. A inflação deve ficar entre 5,5% e 6%, nível baixo recorde para o país.
Um jornalista argumentou que a economia russa não é coerente com os êxitos em ciência e tecnologia. Putin discordou. "Investimos ainda menos em alta tecnologia do que os países da OCDE. Porém, já há alterações positivas nesta área. Por exemplo, agora exportamos produtos IT no valor de 7 bilhões de dólares, enquanto alguns anos atrás este nível era em torno de zero. Somos líderes em algumas áreas – por exemplo, na aviação". "O aumento da produtividade no setor industrial-militar é bastante alto, isto terá uma influência positiva nos outros setores da economia". Ao mesmo tempo, disse que a área do orçamento onde estão sendo feitos mais cortes é o da Defesa Nacional, mas que isso não afetará a capacidade defensiva da Rússia.
Sobre o tema delicado do combate à corrupção, Putin se referiu à detenção de Alexei Ulyukaev, ex-ministro do Desenvolvimento Econômico. Segundo o presidente, ainda é cedo para comentar, é preciso esperar pelos resultados da investigação. "Eu não falei com Ulyukaev antes da sua detenção", confessa Putin. "Os materiais proporcionados pela investigação foram suficientes para demiti-lo".
O Wall Street Journal perguntou sobre a possibilidade de antecipar as eleições para 2017. Putin respondeu ser possível, mas não conveniente. Sobre a declaração do futuro presidente americano Donald Trump de incrementar o arsenal nuclear americano, ele respondeu com um simples "isso não é surpresa". Aproveitou e destacou que foi feito "um grande trabalho" na modernização da tríade nuclear da Rússia. Na semana passada, a estatal russa de energia nuclear Rosatom organizou uma excursão para diplomatas estrangeiros a várias usinas nucleares localizadas em diferentes partes do país.
Perguntado também sobre a declaração do Departamento de Estado dos EUA, de que o exército americano é o melhor de toda a história da humanidade, Putin concordou, mas disse que "a Rússia é mais forte do que qualquer potencial agressor, o que também é verdade". E completou, "o sistema de defesa da Rússia é mais eficaz do que a defesa antimíssil dos EUA".
Em seguida, foi questionado por um jornalista da BBC sobre a influência russa na eleição americana. "O Partido Democrático dos EUA tenta culpar a Rússia por todos os seus fracassos. Mas isto não é verdade, porque há problemas sistemáticos nas ideias das elites democráticas. Uma parte significativa do povo americano tem a mesma visão sobre os processos no mundo e os valores tradicionais que os russos. Isto é uma boa premissa para a normalização das relações entre as duas nações. Quero que haja relações construtivas entre a Rússia, a nova administração dos EUA e o Partido Democrático também".
Em relação à China, Putin mostrou-se otimista. "O nível das relações com a China é muito alto. A China é o nosso maior parceiro econômico, temos muitos projetos comuns. Vamos usar as moedas nacionais no comércio bilateral. Temos posições semelhantes sobre muitas questões internacionais. Esperamos desenvolver ainda mais as nossas relações".
Quanto à WADA, Putin diz ter a certeza de que a atividade de qualquer agência antidopagem deve ser transparente e passível de controle e verificação. "A Rússia nunca criou um sistema estatal de apoio à dopagem. Porém, o problema do doping na Rússia existe como em qualquer outro país. A Rússia vai colaborar com qualquer organização responsável para eliminar o problema, inclusive com a WADA. O esporte deve ser independente da política, deve unir as pessoas e não separá-las".
O conflito com a Ucrânia foi explorado pelos jornalistas. "O mais importante é que o exército ucraniano não seja olhado como ocupante em Donbass, ou seja, no seu próprio país", opinou Putin, respondendo ao comentário de um jornalista ucraniano de que "os russos continuarão sendo vistos como ocupantes para os ucranianos mesmo quando Putin deixar o poder". Quanto aos ucranianos detidos na Rússia, Putin disse que ninguém os torturou e que eles confessaram ser sabotadores e ter preparado atos terroristas, por exemplo, na Crimeia.
Outro tema controverso foi o assassinato do embaixador russo na Turquia. Putin afirmou que foi um atentado contra a Rússia e as relações russo-turcas. Ele confessou que "antes não acreditava que o bombardeiro russo tivesse sido abatido sem permissão das mais altas autoridades turcas, com o objetivo de agravar as relações", mas agora está mudando a opinião, "porque o fato de um policial turco ter matado o nosso embaixador significa uma infiltração de elementos destrutivos no exército e na polícia da Turquia". Será que o assassinato do embaixador irá influenciar as relações russo-turcas? "Não", diz Putin. "Entendemos que foi uma provocação".
A Guerra na Síria, mais especificamente a libertação de Aleppo, mereceu destaque na entrevista. "Trata-se de mais de 100 mil pessoas retiradas de Aleppo. É a maior operação humanitária internacional", afirmou Putin. "O êxito teria sido impossível sem a ajuda da Turquia, do Irã - e também das autoridades da Síria, encabeçadas pelo presidente Bashar Assad. As ações da Arábia Saudita, EUA, Jordânia e Egito também foram importantes para a libertação de Aleppo", frisou o presidente russo.
O canal de TV RT perguntou sobre democracia depois das eleições americanas. "Há problemas nos EUA com a democracia. O problema principal é o seu arcaico sistema eleitoral. Há preferências para alguns estados nos EUA. Mas isso é uma questão interna do povo americano. Os Estados Unidos são um grande país e a sua sociedade superará os problemas", finalizou Putin.
Por fim, um jornalista alemão perguntou sobre como será a relação entre a Rússia e o Ocidente em 2017. "Quanto às relações com o Ocidente, a Rússia só respondeu às sanções aplicadas antes contra Moscou e pode, a qualquer momento, abolir estas medidas de resposta", declarou. Ele também lembrou que, apesar dos acordos, os países ocidentais apoiaram o golpe violento na Ucrânia em 2014, o que resultou no conflito sangrento em Donbass. "A Rússia não é culpada disso", opinou.
Sobre se irá candidatar-se às eleições de 2018, já que cerca de 63% dos russos o querem como presidente após 2018, disse que ainda não se decidiu, e que o fará no momento oportuno.
Ao final da última das 47 perguntas feitas por representantes da mídia internacional, tinha se passado 3 horas e 50 minutos. Putin agradeceu aos jornalistas e despediu-se com um aceno. 
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