segunda-feira, 26 de dezembro de 2016

Boulos e o MTST pensam numa nova esquerda


Jornal GGN - Guilherme Boulos acredita que a esquerda brasileira precisa encerrar o ciclo 
encabeçado pelo PT e projetar um novo tempo, com novas estruturas e novas pautas. Ele diz 
que o espanhol Podemos é uma referência, mas não há como copiar a iniciativa dando apenas 
um contorno mais tupiniquim porque não vai funcionar. Isso porque o Podemos ganhou uma 
base sólida após o movimento dos "indignados". Aqui no Brasil, o golpe no governo Dilma 
Rousseff foi dado, mas as reações ainda são "tímidas". Embora exista uma turbulência 
provocada por secundaristas, alguns movimentos sociais nas ruas, feministas com novas 
bandeiras, enfim, vários grupos com suas demandas em ebulição, nada disso é suficiente para 
dar fôlego a uma nova esquerda. É preciso aguardar o tempo histórico, diz.
  
Por Antonio Martins e Inês Castilho Em Outras Palavras
Cada um vê os outros a partir de sua própria métrica. Os jornais, acostumados à velha política, especulam que Guilherme Boulos não sai dos gabinetes. Articularia uma aliança entre dissidentes do PT e uma ala do PSOL, disse uma nota. Seria candidato à Presidência, garantiu outra. Principal referência do MTST – um movimento social que avança tanto pela rara capacidade de mobilização dos excluídos quanto pela busca ativa de alternativas à crise do país – caberia a Boulos, segundo esta lógica, ocupar o espaço que lhe cabe no mercado das opções eleitorais.
O Guilherme Boulos da vida real é um sujeito mais complexo. Em meados de novembro, ele visitou a redação de Outras Palavras para uma nova entrevista – a segunda, em doze meses. Do diálogo, que encerra nossa produção editorial em 2016, emergem algumas conclusões centrais.
1. O coordenador do MTST está convencido de que um ciclo na história da esquerda brasileira precisa ser fechado. Ele estendeu-se por quatro décadas e teve como guarda-chuvas o PT. Atravessou fases heroicas – por exemplo, as lutas operárias que desafiaram a ditadura, a partir do final dos anos 1970. Seus feitos no governo não são desprezíveis: a presença inédita de um número relevante de negros e pobres nas universidades é um deles. Mas o ciclo foi marcado pela crença de que avanços sociais duradouros poderiam ser alcançados sem a rua e sem conflito – por progressivo convencimento do Parlamento, da casta política, dos empresários. O golpe de 2016 e a brutalidade do governo Temer acabaram com a ilusão.
2. A retomada implicará invenção política. Nada ocupa nem pode ocupar, ainda, o papel que o PT desempenhou no ciclo que se fecha. Guilherme admira, por exemplo, a bravura de muitos parlamentares do PSOL; a desobediência transformadora dos secundaristas; o ressurgimento do feminismo; a radicalidade das ocupações de terra urbana promovidas pelo próprio MTST. Mas ele reconhece também que estes movimentos e organizações são incapazes de impulsionar um novo projeto de país, um novo período de enfrentamentos contra o poder conservador ou uma nova cultura política.
3. Quais as pistas? Boulos acompanha atentamente o Podemos espanhol. Sua experiência, avalia, é sinal de que há uma saída pela esquerda para o desencanto com a política, que se propaga por todo o mundo. Isso porque, segundo o coordenador do MTST, o Podemos articula o que podem ser duas vertentes para uma futura esquerda. Abre-se às novas práticas; aos que, para agir politicamente, dispensam comandos e diretivas. Mas sabe fazê-lo sem abrir mão de um projeto e estratégia política.
4. Teria chegado, então, a hora de um Podemos brasileiro? Ainda não, responde Boulos. Repetir a experiência espanhola a frio, por voluntarismo de um conjunto de ativistas e intelectuais, seria uma precipitação, talvez uma transposição mecânica. “É preciso ter paciência histórica” e o passo necessário agora é estimular a mobilização social. “Antes do Podemos, houve o grande movimento dos Indignados”, diz Boulos. Por esta etapa – frisa ele – o Brasil não passou. As maiorias assistiram como espectadoras ao golpe de Estado que reinstalou no poder o setor mais retrógrado das elites. Diante do ataque selvagem aos direitos sociais desencadeado em seguida, a resistência ainda é tímida.
5. Estimulá-la é o mais importante, no momento. Requer enfrentar a institucionalização generalizada, a captura dos militantes pelo Estado que marcou o final do período anterior. Implica retomar o “trabalho de base” – visto por Boulos como um “estar junto” da população, um “construir coletivamente” e não ato unilateral de convencer e “levar a verdade”.
6. Significa, então, que será preciso esperar anos? Não, pensa Boulos – especialmente porque vivemos num cenário muito instável, em que são frágeis as próprias bases da restauração conservadora. “O governo está espalhando barris de pólvora”, ao atacar frontalmente os direitos sociais ao mesmo tempo em que os serviços públicos estão entrando em colapso e a política econômica espalha desemprego e miséria, para benefício apenas da aristocracia financeira.
7. “2017 bem pode marcar uma retomada”, especula Boulos, com uma pitada de otimismo gramsciano. Ele conclui: “Precisamos estar bem atentos para que não seja apenas resistência. O segundo desafio é pensar a recomposição da esquerda brasileira; é, pensar um novo campo, uma nova referência de do ponto de vista político-estratégico. Nós do MST estamos empenhados nesta perspectiva”.
Fique com Boulos. Outras Palavras entra em recesso a partir deste 24/12. A partir do dia 27, acompanhe, no Facebook, nossa retrospectiva do ano. Voltamos em 9/1, esperando construir e narrar um ano melhor. Até lá, que venha o desfrute das festas. Tin-tim! (A.M.)

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