Esquerdas: dos escombros à reconstrução?
por Aldo Fornazieri
As eleições municipais - primeiro e segundo turno - tiveram o efeito de uma bomba termobárica sobre o PT em particular e sobre a esquerda em geral. Com os resultados, as estruturas institucionais de poder foram drasticamente reduzidas. Isto importa perda de capacidade de articulação, de mobilização e de interação política e social. No segundo turno, a derrota do PT foi ampliada: não venceu em nenhuma prefeitura que disputou e do chamado cinturão vermelho da Grande São Paulo não sobrou nada. Em que pese as boas votações no Rio de Janeiro e em Belém, o PSol não consegui se viabilizar como a alternativa de esquerda que imaginava ser.
Das eleições emergiu um cenário que já se tornou mais ou menos óbvio: o grande vitorioso é o PSDB, com o fortalecimento de Alckmin e enfraquecimento de Aécio Neves; partidos pequenos e médios, situados ao centro e à direita, se fortaleceram, o que poderá dificultar a reforma partidária e a introdução da cláusula de barreira; com a vitória de Crivella se fortalece o projeto político da Igreja Universal e o conservadorismo no âmbito dos direitos civis e individuais e no terreno dos valores e costumes; o bloco de sustentação do governo Temer deverá prolongar a sua unidade reforçando a tendência de aprovação de reformas conservadoras; com viabilização do governo Temer, seja pelas vitórias eleitorais do campo que o apóia seja pela aprovação da PEC 241 por ampla margem na Câmara dos Deputados, a ameaça de afastamento do presidente pela via de decisão do TSE foi praticamente afastada.
A contraparte do avanço do conservadorismo é a desmobilização, a desorganização, a desorientação, a fragmentação e a cisão das esquerdas. O "fora Temer" perdeu a capacidade mobilizadora e se tornou uma espécie de lamento de inconformados. O combate à PEC 241 foi pífio e as esquerdas e movimentos sociais não foram capazes de apontar uma alternativa. As Frentes Brasil Popular e Povo Sem Medo vivem um momento de perda de capacidade de articulação e mobilização. Os novos movimentos sociais, dos estudantes que ocupam escolhas aos movimentos de periferia, dos grupos feministas e LGBTs aos círculos e grupos sociais, o que há é uma rejeição e críticas aos partidos de esquerda. Das lideranças democráticas e progressistas, o único que saiu ileso e relativamente fortalecido desse processo foi Ciro Gomes.
As ilusões das esquerdas e os difíceis caminhos da reconstrução
A maior ilusão do PT consiste em alimentar a crença de que um possível fracasso do governo Temer poderá significar a sua ressurreição em 2018. Muitos petistas não se deram conta do que aconteceu com o partido: ele é odiado, rejeitado pelas pessoas em geral e por parcela grande de trabalhadores e classes médias. A recuperação do PT demandará anos. A derrota eleitoral poderá se ampliar em 2018, com uma grave redução de sua bancada federal e com o quase desaparecimento de sua força no Senado. Dos 10 senadores do partido, 8 terão que buscar a reeleição nesse quadro difícil.
Convém lembrar que se o PSDB vencer as eleições em 2018, terá demorado 16 anos para voltar ao poder. O PSDB saiu do governo enfraquecido, mas não destruído. Manteve estruturas de poder e a condição de ser um dos polos da disputas presidenciais em todas as eleições. O PT enfrenta graves limitações de poder e de capacidades políticas e intelectuais. Se nada de extraordinário acontecer, terá que passar uma geração para que o partido possa adquirir maior potência política.
A grande ilusão do PSol é a de que ele poderá ocupar o espaço e a importância que o PT teve. Ocorre que o processo de ascensão do PT se deveu à combinação de uma série de singularidades, ocasiões, circunstâncias, capacidades e lideranças, força política e social e virtuosidades que dificilmente se repetirá na história. O lugar que cada ator pretende ocupar no espaço político não depende apenas da vontade, mas da ocorrência dessas singularidades. Ademais, as idiossincrasias internas do PSol também são um fator limitante ao seu crescimento. O partido deveria se dar por muito satisfeito, levando em conta o que ele é hoje, se um dia chegasse a 10% dos votos nacionais. Já o PC do B, com seu aguçando senso de realismo, parece compreender melhor o espaço político que pode ocupar.
Em que pesem essas ilusões e a paralisia dos partidos ocorrem algumas importantes iniciativas com o objetivo de encontrar novos caminhos para as esquerdas. Duas delas são confluentes numa perspectiva estratégica. A primeira delas diz respeito à ideia da organização de uma frente democrática e progressista, não só para enfrentar as eleições de 2018, mas para criar um campo unificado de partidos e movimentos sociais, mantendo as respectivas pluralidades, tendo em vista uma perspectiva de futuro. A segunda propõe a realização de um processo de prévias, com filiados e não filiados aos partidos progressistas e de esquerda, visando definir as candidaturas para 2018 e elaborar um programa de governo. Esse processo poderia servir também como instrumento de organização de uma frente. A dificuldade dessas iniciativas reside na pouca propensão dos partidos de esquerda de se unirem, mesmo na desgraça.
Outras iniciativas articulam a estruturação de institutos de estudos e debates, grupos e movimentos políticos e reunião de entidades e movimentos visando enfrentar a pauta conservadora e construir uma agenda política em face da paralisia dos partidos. Os movimentos sociais autônomos devem continuar crescendo e se mobilizando em torno de pautas específicas. Mesmo que sejam refratários aos partidos há a necessidade de construir um diálogo democrático com os mesmos com o objetivo de elaborar um programa universalizante. Os movimentos autônomos que surgiram nos últimos anos, em vários países, foram importantes nas mobilizações, mas mostraram os seus limites nos embates contra as estruturas de poder existentes.
Os imponderáveis da conjuntura
A esmagadora vitória dos partidos conservadores poderá encontrar alguns percalços na caminhada para a sua consolidação rumo as eleições presidenciais. O maior dele são as imponderalibilidades e incertezas que podem brotar da Lava Jato, com as delações da Odebrecht e, possivelmente, de Eduardo Cunha. Essas delações podem provocar estragos nas lideranças nacionais do PSDB e do PMDB. É certo que há movimentos para frear a Lava Jato, anistiar o "caixa 2" e limitar as investigações de corrupção. Alguns desses movimentos são, inclusive, respalados pelo PT em mais um de seus equívocos na vã esperança de que poderá salvar alguns de seus líderes. Essas limitações, anistias e freios visam salvar os políticos do PSDB e do PMDB já que estes ainda não se tornaram réus. Mesmo que essas limitações e anistias venham as ser implementadas, não beneficiarão os petistas, alguns já condenados e outros já réus por imputações que não são de "caixa 2".
As esquerdas precisam distinguir o que são arbitrariedades da Lava Jato da necessidade de investigar e punir também os políticos do PSDB e do PMDB. Devem exigir a renúncia dos ministros citados e denunciar a proteção que se procura estabelecer para o atual governo. Se é verdade que a indignação contra a corrupção foi seletiva, caso não haja uma forte campanha de denúncias contra essas manobras protecionistas, o PT passará para a história carregando com exclusividade o ônus da corrupção do nosso tempo.
O segundo percalço que pode ocorrer é o fracasso do governo Temer e a cisão do seu bloco de sustentação. O programa do governo, sem dúvida, deverá aumentar o desemprego, precarizar as relações de trabalho, reduzir direitos e provocar o fechamento de fábricas e indústrias. Este tipo de programa, mais radical do que os anos de neoliberalismo de FHC, tende a cindir a base e provocar mobilizações sociais. Dada a crise econômica, o governo tem pouca margem de manobra para enfrentar essa possível situação. O que poderá sobrevir dessas imponderabilidades é imprevisível. Não de pode descartar a possibilidade de um candidato outsider ou aventureiro triunfar em 2018.
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