terça-feira, 27 de setembro de 2016

POR QUE AINDA HADDAD PODE SURPREENDER



Luis Nassif


Peça 1 - a esquerda e o culto à generosidade

Recentemente, o filósofo de direita Luiz Felipe Pondé escreveu um artigo dizendo que a direita tinha que aprender a conquistar as moças.  Passou uma lição importante na forma de uma deboche, provavelmente a maneira que encontrou para chegar ao seu público que, além do economicismo estéril, aprecia bobagens machistas.
Em síntese, diz ele que o fascínio da esquerda sobre a juventude está na generosidade, na solidariedade, no fator humano, enquanto a direita se prende a um economicismo vazio.
Matou a charada.
Tenho um bom laboratório familiar. As meninas se dizem, agora, de esquerda. O que as motiva é a solidariedade para com os mais fracos, o combate à intolerância, o direito de cada um de ser o que quiser, desde que não prejudique o próximo, e o fato de encontrarem, nesses grupos, jovens solidários entre si e dispostos a tomar posição. E intuem que essa luta só será bem-sucedida através da organização política.
Nem se pode dizer que haja influência paterna. Pelo contrário, estão conhecendo melhor o pai através dos coleguinhas.
Esse é o sentimento identificado por Pondé, que é orientador em um ambiente "coxinha" - a FAAP. Em cima disso, ele mantém a crítica contra a esquerda, que instrumentaliza os jovens etc.
O grande desafio é como transformar esses valores em ações concretas, devolvendo à rapaziada a crença na política.

Peça 2 - os fantasmas de 2013

Essa explosão da nova vitalidade política da juventude nasce em junho de 2013, com a fantástica mobilização do MPL (Movimento Passe Livre). Estavam ali as sementes para uma reenergização da militância, um rejuvenescimento dos partidos.
Infelizmente, essa sede de participação esbarrou em duas muralhas intransponíveis: na presidência da República, Dilma Roussef; na presidência do PT, Ruy Falcão.
Dilma nunca escondeu uma profunda impaciência para tratar com movimentos sociais. Desde os anos 80, no Sindicato dos Jornalistas de São Paulo, Ruy se revelou o aparelhista clássico: aquele que, quando assume o poder em uma organização, toda sua energia não é para projetar seu poder para fora, mas para se consolidar para dentro, fechando as portas para impedir competição interna.
Tem-se agora uma movimentação extraordinária, a esquerda se recompondo nas ruas, tendo como elemento aglutinador a defesa da democracia e das políticas sociais. E a volta dos intelectuais e dos jovens às batalhas civilizatórias, das quais foram expulsos pelo envelhecimento dos partidos.
O desafio está no plano institucional, a luta autofágica entre os diversos partidos de esquerda.

Peça 3 - uma estratégia para as esquerdas

Há duas lutas políticas no momento.
Uma delas, da esquerda contra a esquerda.  O PT envelheceu, fechou as portas do partido para qualquer arejamento, e crises sucessivas promoveram o crescimento de outros partidos à esquerda, dos quais o PSOL é o mais destacado. Agora, há o sonho de partidos menores de aproveitar a perda de rumo do PT para assumir a liderança das esquerdas.
Cometem dois erros. O primeiro, de supor que a nova etapa da política, com sua multiplicidade de coletivos, grupos de interesse, redes sociais, comporta posições hegemônicas. Não comporta, nem do PT, nem de seus sucedâneos.
O segundo, de não perceber que a grande luta, hoje em dia, é contra uma direita ferozmente antissocial que, associada ao fisiologismo mais deletério, pretende desmontar todos os sinais de políticas sociais do governo, apagar a memória recente do país, deletar um novo modo de governar que se desenvolveu nas últimas décadas.
Daqui para frente, haverá dois caminhos para a reestruturação das esquerdas.
O primeiro é prosseguir no jogo atual, de cada qual por si e o PT para o Ruy. Seria começar do zero uma dura caminhada para reinventar um modo de fazer política de esquerda, com a maior parte da energia sendo consumida em disputas estéreis. Depois, uma longa caminhada para conquistar prefeituras e estados para, só aí, testar novos modelos de gestão.
A maneira mais rápida e objetiva seria através de um pacto em torno de governos já existentes, e que atuariam como âncoras nessa reconstrução. É o caso do Piauí, Maranhão, Bahia, mas especialmente de Minas Gerais e da prefeitura de São Paulo, em caso de reeleição de Fernando Haddad.
Esses governos-âncora serão fundamentais para a consolidação de práticas administrativas bem-sucedidas, sua padronização e a formação de quadros para disseminação por prefeituras e governos de Estado que elegerem candidatos de esquerda. Além disso, servirão de retaguarda para movimentos sociais e grupos de resistência à tentativa de ditadura que se avizinha.
Obviamente, há um conjunto de pressupostos para uma estratégia bem-sucedida:
1.    Um pacto inicial entre prefeitos e governadores, talvez debaixo de um Instituto, um think tank suprapartidário para pensar o novo tempo, composto por integrantes de partidos de esquerda, movimentos sociais, coletivos, organizações da sociedade civil e lideranças jovens.
2.    Um ambiente de confiança entre as partes e a definição de regras de partida que impeçam a prevalência de interesses particulares sobre o geral. Enfim, uma institucionalização da frente das esquerdas, obviamente abrindo espaço nas administrações para técnicos de outros partidos.
3.    A renovação da executiva do PT será peça central. O partido possui alguns políticos com amplo trânsito e histórico de compromisso com participação social, como Patrus Ananias, Gilberto Carvalho, o próprio Jacques Wagner.
4.    Acordos de colaboração entre os diversos governos, para seleção, padronização e multiplicação das experiências bem-sucedidas.
5.    Há que se criar uma nova marca de gestão, ousando práticas inovadoras para enfrentar velhos problemas, aprimorando as boas práticas desenvolvidas nos últimos anos. Foi mais ou menos o que ocorreu nos anos 80, com o tal modo PT de governador, com suas práticas de orçamento participativo e outros.
Esse novo modelo poderá surgir de Minas Gerais, quando o governador Fernando Pimentel superar os baques emocionais dos últimos anos, do Piauí e do Maranhão. Mas, principalmente, da prefeitura de São Paulo.
É por aí que ganha especial relevância a reeleição Fernando Haddad.

Peça 4 - o fator Haddad

Haddad não é apenas um dos últimos remanescentes do PT em alto cargo administrativo:  é o administrador que melhor desenvolveu um método de governo de esquerda moderna. Hoje em dia, São Paulo é o mais importante laboratório para novas práticas de gestão social.
Tem princípios, valores e visão transformadora. Foca nos resultados finais e não se deixe atrapalhar por idiossincrasias ideológicas.
No MEC (Ministério da Educação), Haddad  foi responsável pelos programas de maior impacto e eficácia no governo Lula. Na prefeitura, montou programas consistentes voltados para as minorias, colocou de pé políticas públicas importantíssimas.
Sua administração é passível de críticas, óbvio. Poderia ter se aberto mais para os conselhos de saúde, para os coletivos jovens, se aproximado da periferia não apenas com obras, mas com sua presença física sinalizando um protagonismo maior delas.
Mas conseguiu interlocução com setores modernos da sociedade, teve a ousadia de enfrentar tabus e colocar São Paulo em linha com as modernas políticas de humanização das metrópoles.  
Mais que isso, em nenhum momento subordinou a prefeitura às idiossincrasias da máquina partidária. Embora tenha demorado a perceber a onda jovem que chegou com as redes sociais, provavelmente é a personalidade pública mais admirada pela juventude paulistana. E certamente, ao lado de Patrus Ananias, é a liderança de esquerda com maior empatia com a intelectualidade.
Seu desempenho nas eleições será de importância fundamental para a construção dessa frente de esquerda. Se passar para o segundo turno, poderia ser o momento para o pontapé inicial no grande pacto progressista.

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