segunda-feira, 5 de setembro de 2016

A volta das vivandeiras dos quarteis




Há em andamento uma tentativa de jogar as Forças Armadas na tarefa menor da repressão interna.

Entenda.
Peça 1 – a volta das vivandeiras
Tem-se um quadro completo, com os principais personagens para a montagem desse jogo:
Os black blocs
Um grupo de ultraesquerda infiltrado nas manifestações, promovendo quebra-quebra e sendo tratado com um certo paternalismo por setores da esquerda. No seu primarismo político, os black bloc livram a PM do trabalho sujo de simular quebradeiras.
A PM
Uma PM capaz de bater em adolescentes, mas incapaz de reprimir os black blocs, porque são parte integrante da sua estratégia. Quem assistiu o documentário sobre a batalha de Seattle – as manifestações anti-OMC de 1999 – aprendeu bem as manhas da repressão. Infiltravam agentes para comandar quebra-quebra, visando desmoralizar as manifestações e encontrar álibi para a repressão. É prática corriqueira. Dispondo do apoio dos black blocs, o trabalho fica enormemente facilitado.
A imprensa vivandeira
Completa o quadro uma imprensa vivandeira que faz o jogo da PM e clama pelos quarteis, porque a PM não coíbe a quebradeira. Foi o caso do editorial da Folha (https://is.gd/uhtpu4) entrando no jogo da PM.
Os ataques de baixo nível a Ricardo Lewandowski e a atitude vil de expor o apartamento da mãe de Dilma Rousseff – e ainda taxá-lo falsamente de “apartamento de luxo” – comprovam que nem a vitória ajudará a impor um mínimo de grandeza à velha mídia. Continuarão apostando na guerra de extermínio sem receio do ridículo, como mostra reportagem da Folha acusando a Bolsa Família pela crise das comunidades indígenas (https://is.gd/r6lREB).
O governador Geraldo Alckmin recuou de sua intenção de proibir as manifestações de domingo. Mas é questão de tempo.
Do lado de dentro, espera-se o caldeirão entornar para o grande objetivo traçado pelo governo Temer: devolver às Forças Armadas o papel de repressão interna.
Antes disso, uma pequena explanação sobre a política de defesa na última década.
Peça 2 – a Política Nacional de Defesa
No final dos anos 90, os Estados Unidos se apresentavam como o guarda-chuva do mundo nos campos cibernético, nuclear e espacial. Por sua concepção, as Forças Armadas dos demais países serviam apenas para cuidar de bandido, da repressão e do combate às drogas.
Na última década, no Brasil houve  enorme avanço na Política Nacional de Defesa graças a três gigantes: José Genoíno, Nelson Jobim e Celso Amorim, três grandes brasileiros de formação política distinta, mas que entenderam perfeitamente o papel das Forças Armadas em uma nação moderna.
A concepção de defesa nacional baseou-se no modelo de países desenvolvidos e foi centrada em três tópicos principais:
1.     A energia nuclear, sob responsabilidade da Marinha, com as usinas, o enriquecimento do ciclo do urânio e os submarinos nucleares.
2.     A aeroespacial, por conta da Aeronáutica, com os novos caças e os satélites brasileiros.
3.     A cibernética, sob responsabilidade do Exército, com a responsabilidade de preparar o país para a guerra eletrônica.
Em cima desse tripé foram traçadas as grandes estratégias de defesa:
·       Defesa do pré-sal
·       Defesa da Amazônia
·       Defesa do cone-sul
Essas definições foram relevantes para garantir a governabilidade nessas regiões. Há um princípio internacional de montar forças inernacionais em países que não tenham condições de cuidar de suas áreas. Por isso mesmo, a Amazônia e a Bacia do Prata foram objeto de estudos e acordos. E o Exército sempre recusou aos Estados Unidos treinamento de tropa no centro de treinamento da Amazônia.
Quando se decidiu ampliar a cooperação continental, o Brasil trocou a relação bilateral com os Estados Unidos por uma relação de cooperação.
A definição fixada na Unasul e no Conselho de Defesa Sul-Americano foi de que apenas para fora haveria a dissuasão; para dentro, a arbitragem e a cooperação. Todas as disputas haviam sido superadas pelo conceito de cooperação, definindo operações conjuntas para patrulhar essas áreas sensíveis.
A cooperação regional
Nesse período, o Brasil assumiu o papel de país central, exercendo a função de aconselhamento das nações vizinhas. Foi assim que seguraram-se por algum tempo as pirações na Venezuela e fortaleceu-se a ação mais responsável de Evo Moralez na Bolívia.
O acordo de paz entre as FARCs e o governo colombiano foi conquistado assim. Jobim aconselhou diretamente o governo colombiano e alertava para os riscos de se colocar bases norte-americanas no continente:
- Toda guerrilha quer alvo. Bases americanas são um baita alvo. Vocês têm que impedir as bases, negociar, porque guerrilha na selva e cordilheira é imbatível.
Juan  Manuel Santos, o presidente da Colômbia, aceitou os conselhos, negociou e o país está saindo da mais prolongada crise política da sua história.
Agora, com o presidente argentino Maurício Macri abrindo o país para bases norte-americanas, e José Serra exibindo uma subordinação desinformada e primária em relação aos Estados Unidos quebra-se o modelo.
Peça 3 – o desmonte da Defesa
O governo Dilma Rousseff “esqueceu” a política de defesa. Avançou na licitação FX, manteve os programas em execução, mas sem o olhar do presidente.
Com Michel Temer, vem o desastre.
Nas Relações Exteriores colocou um Ministro, José Serra, totalmente jejuno na matéria, subserviente aos Estados Unidos, uma ignorância rotunda. Para ficar no campo conservador, troca-se o conservadorismo culto e altivo de um Afonso Arinos, Celso Lafer e Rubens Ricúpero por um chanceler com o cérebro de Maguila.
Na Defesa, entra um Ministro inexpressivo, Raul Jungman, em que pese ter pensamento mais sofisticado que o de Serra. Por que se saliento a inexpressividade? Porque, na outra ponta, o desmonte está sendo comandado de fora para dentro, através do Ministro-Chefe do Gabinete de Segurança Institucional, general Sérgio Etchegoyen, e do Ministro da Justiça Alexandre de Moraes.
Na gestão Nelson Jobim na Defesa, tentou-se criar um Centro de Estudos que aproximasse a academia das Forças Armadas. Jobim criou o Instituto Pandiá Calógeras, visando:
1.     Produzir reflexões acerca dos aspectos políticos e estratégicos nos campos de segurança internacional e defesa.
2.     Atrair recursos humanos no campo da defesa.
3.     Estreitar relacionamento Defesa com meio acadêmico e internacional.
A primeira decisão conjunta de Jungmann e Etchegoyen foi fechar o Instituto.
Peça 4 – a segurança interna
No modelo norte-americano, há três órgãos distintos trabalhando a segurança interna: o FBI, a CIA e a Guarda Nacional. No Brasil, os correspondentes seriam a Polícia Federal, a ABIN (Agência Brasileira de Inteligência) e a Guarda Nacional – que jamais foi criada.
A Estratégia Nacional de Defesa tratou o capítulo referente à garantia da lei e da ordem com a proposta de institucionalização da Força Nacional de Segurança. O modelo proposto era o da criação da Guarda Nacional para cuidar das fronteiras, portos e regiões de conflagração urbana.
Em um primeiro momento, o Exército entraria, tomaria conta da área e imediatamente a repassaria para a Guarda Nacional. As Forças Armadas toparam, mas a Polícia Federal reagiu. E como no governo Dilma não havia Ministro da Justiça nem da Defesa, ficou-se por isso mesmo.
Hoje em dia, a PF usa armas camufladas e uniformes de combate simbolizando um poder a mais.
Não se ficou nisso.
Movimento 1 – a criação do GSI
No presidencialismo, o Presidente é o comandante supremo das Forças Armadas. Ele é eleito como chefe de governo e de Estado. A segunda autoridade é o Ministro da Defesa. Depois, o Chefe do Estado Maior das Forças Armadas, os Comandantes Militares e os Comandantes de Área. Assessorando o presidente tem também a Casa Militar.
Criado no segundo governo FHC, o Gabinete de Segurança Institucional (GSI) foi confiado ao general Alberto Cardoso e tornou-se um corpo estranho. Entrando Lula, este foi alertado para os riscos da criação de um poder paralelo. A saída encontrada foi entregar ao general Jorge Armando Félix, pouco efetivo.
No governo Dilma, o GSI foi corretamente extinto, ficando apenas o Gabinete Militar
Mal assumiu o interinato, Michel Temer recriou o GSI e nomeou o general Sérgio Etchegoyen, colocando debaixo dele a ABIN e a Sisbin (Sistema Brasileiro de Inteligência).
Consciente do novo poder que iria exercer, Etchgoyen imediatamente convocou para um jantar em sua casa o presidente da República, o Ministro da Defesa e os três Ministros militares, colocando-se simbolicamente acima deles. Em Brasília, na diplomacia e no poder, jantares têm significado em si.
Movimento 2 – a segurança nas Olimpíadas
Nas Olimpíadas, Temer nomeou o GSI responsável pela segurança, atropelando os responsáveis naturais, Ministro da Defesa ou da Justiça. O Chefe do Estado Maior conjunto sequer foi convidado para a abertura das Olimpíadas.
A segurança foi organizada pela burocracia das Forças Armadas – acantonada em Brasília – não pelas tropas de combate.
Movimento 3 – a desagregação da defesa
Na Estratégia Nacional de Defesa, a primeira preocupação foi criar o conceito de comando conjunto. Por exemplo, não adianta submarino sem satélite ou comando aéreo na Amazônica sem o Exército. Por isso foram criados comandos em cada região crítica, permitindo a integração das três forças e a definição de estratégias em cada região.
A criação de Unidades Militares de Combate, seja na Amazônia, Haiti ou África, deixa claro o verdadeiro papel das Forças Armadas er os malefícios advindos de sua transformação em polícia. Há levantamentos internacionais mostrando que, nos países em que se tornaram polícia, foram sucateadas, com os equipamentos tecnológicos de ponta – para a defesa nacional – substituídos por investimentos em tanques, brucutus, algemas, granadas e revólveres.
A diluição desse modelo começou com as UPPs (Unidades de Policias Pacificadoras). No início, pareceu dar certo no Rio, devido ao fato do Secretário de Segurança José Mariano Beltrame ser da PF e respeitado por ela. Ainda no governo Dilma, houve financiamento do governo federal e a parceria com o Exército.
O Exército burocrático gostou, porque dá visibilidade, nome e prestígio à força. O Exército de combatentes – inteligência, ciência e tecnologia – sabia que seria o início do sucateamento, com a burocracia voltando a tomar conta.
Com o abandono do modelo de integração, voltou-se à visão compartimentalizada, com cada tropa lutando por seu quinhão e perdendo a visão de conjunto e os objetivos nacionais.
Peça 5 – os caminhos da repressão
A repressão irá se tornar mais aguda devido a um conjunto de fatores adicionais.
Na sua gestão no Ministério da Justiça, o Ministro Tarso Genro cometeu um dos grandes erros estratégicos, ao descentralizar a inteligência na Polícia Federal. Em nenhum país do mundo comete-se essa imprudência, devido ao risco concreto de criar ilhas de poder em cada canto.
O mesmo ocorreu no Ministério Público Federal. A Constituição já garantia a autonomia de decisão de cada procurador. A AP 470 e a Lava Jato, no entanto, internalizou o conceito do direito penal do inimigo.
Aparentemente, o poder conferido pela parceria com a mídia e com a ralé (no sentido sociológico do termo) conquistou corações e mentes, ainda mais depois que erros sucessivos de governos do PT consagraram o corporativismo na eleição do Procurador Geral da República (PGR). A corporação passou a se comportar como classe média convencional, estimulando as ações de repressão contra o inimigo comum e criticando internamente as manifestações de crítica.
O MPF e o PGR são responsáveis diretos por esse estado de exceção, ao permitir a entronização no poder de Michel Temer, Geddel Vieira, Eliseu Padilha, Moreira Franco. Mas não se espere deles nenhuma ação visando coibir essa escalada antidemocrática. É mais fácil ver o MPF como linha auxiliar da repressão do que como baluarte da legalidade.
O STF (Supremo Tribunal Federal) dispunha de um quarteto legalista: Ricardo Lewandowski, Teori Zavascki, Luís Roberto Barroso, o corajoso Marco Aurélio de Mello e, eventualmente, Luiz Edson Fachin e Rosa Weber. Barroso e Fachin foram desencorajados por uma campanha infame produzida por blog de Curitiba e repercutida pelos blogueiros da Veja. Zavascki alvo de escrachos e de ameaças a ele e seus filho Bastou a Dias Toffoli aderir a Gilmar Mendes para, de alvo, se transformar em querido da mídia.
Bastam pequenas decisões contrárias à ralé para serem alvos de campanhas desmoralizadoras sem que os órgãos de controle atuem. Se alguém considerar esse estado de coisas incompatível com a normalidade democrática, que se cale para não sofrer as mesmas represálias.
Se o STF deixou na gaveta todas as denúncias contra políticos, não será agora que se poderá esperar uma atuação mais ativa.
Por outro lado, a cada dia que passar se verá um governo cada vez mais sem rumo e sem limite, explicitando progressivamente suas tendências autoritárias; na outra ponta, uma juventude a mil por hora, pegando o bastão da resistência democrática das mãos dos mais velhos. Eles não têm a força, mas tem a convicção. A rapaziada sabe que não está lutando por Dilma, mas pelas liberdades democráticas. Sabe que na outra ponta – dos grupos de poder – está o preconceito, a insensibilidade social, a arrogância de quem conquistou o poder sem passar pelo teste dos votos.
E daqui a pouco, as manifestações contra o impeachment chacoalharão todo o país.
Quem souber o resultado desse Xadrez, está blefando.
Atualização
Foi uma manifestação cívica, civilizada, disciplinada, alegre, com a presença de jovens, crianças, moças grávidas.
No final da manifestação, segundo relato de todos os veículos que acompanhavam - G1, UOL, Band, Globo - a Polícia Militar começou a jogar bombas sobre manifestantes, sem que nada tivesse ocorrido antes.
Completa-se o ciclo. A Folha pediu a violência, Gerlado Alckmin autorizou, a PM cumpriu à risca e dificilmente o MInistério Público atuará para investigar os fatos e punir os culpados.
Como se dizia nas equações, CQD (Como Queríamos Demonstrar)

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