segunda-feira, 22 de agosto de 2016

OS FARAÓS DO BRASIL: O JUDUCIÁRIO


É maior do que o custo dos paÍses desenvolvidos, da OCDE!

O custo da Justiça no Brasil: uma análise comparativa exploratória Luciano Da Ros 

O autor é Luciano Ros, pós graduado em Ciências Jurídicas pela Universidade Federal do Rio 
Grande do Sul e doutorado em Ciência Política pela University of Illlinois, Chicago. A pesquisa é 
desenvolvida em parceria com Matthew Taylor, da American University. Luciano e Matthew estão 
traduzindo para o português uma versão mais completa do trabalho, que apresentaram em um 
congresso nos Estados Unidos no início do ano. Em paralelo, aguardam a divulgação do "Justiça 
em Números" deste ano (prevista para setembro) para atualizar os dados a respeito do Brasil.


Resumo: O texto realiza uma análise exploratória a respeito das despesas das instituições do sistema de justiça brasileiro – i.e., Poder Judiciário, Ministério Público, Defensorias Públicas e Advocacia Pública – comparando-as às de outros países, europeus e americanos, com base em fontes secundárias (relatórios oficiais e estudos). Os resultados demonstram que a despesa brasileira com estas instituições é, comparativamente, bastante elevada, em valores proporcionais ou absolutos, sugerindo a necessidade de se discutir sua eficiência e impacto econômico.

Introdução
O objetivo desta newsletter é discutir brevemente algumas características das despesas do sistema de justiça brasileiro em perspectiva comparada, sintentizando achados de uma pesquisa em andamento.1
Priorizamos, portanto, a análise da prestação jurisdicional como uma política pública em si mesma, que pode e deve ser examinada de acordo com sua eficiência e efetividade.2 Neste sentido, retornamos a uma literatura que esteve na base das discussões sobre a reforma do Poder Judiciário brasileiro há cerca de uma década (e.g., Dakolias 1999, Pinheiro 2000, 2003, Sadek 2004, Hammergren 2007, Cunha 2008) e que se afasta da tendência atual da academia brasileira em relação a este objeto, que enfatiza a análise dos efeitos de decisões judiciais e de ações de integrantes do sistema de justiça sobre a elaboração de outras políticas públicas, como a provisão de medicamentos, as privatizações ou a macroeconomia (e.g., Oliveira 2005, Taylor 2008, Taylor e Da Ros 2008, Kapiszewski 2012, Wang et al. 2014).
O Poder Judiciário
Quanto custa, portanto, o conjunto das instituições do sistema de justiça para a sociedade brasileira? A resposta curta é: muito caro. Começando pelo Poder Judiciário propriamente dito, ao considerarmos todos os diferentes “ramos” da justiça – i.e., estadual, federal, trabalhista, militar e eleitoral – e todos seus níveis hierárquicos – i.e., da primeira instância ao Supremo Tribunal Federal (STF), incluindo o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) – o orçamento global deste Poder do Estado brasileiro totalizou R$ 62,3 bilhões em 2013, último ano para o qual há dados disponíveis (CNJ 2014, 38).3
Comparável ao orçamento anual do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, esta quantia é também maior do que o Produto Interno Bruto (PIB) de doze estados brasileiros considerados individualmente.4
Como explica o Justiça em Números, relatório anual do CNJ que não inclui os dados orçamentários do STF e do próprio CNJ, esta “despesa é equivalente a 1,3% do Produto Interno Bruto (PIB) nacional, 2,7% do total gasto pela União, pelos estados e pelos municípios no ano de 2013 e a R$ 306,35 por habitante” (ibid, 32).
Antes de serem singulares do ano em que foram coletados, estes dados representam a tendência geral em relação ao orçamento do Poder Judiciário no Brasil. Entre 2009 e 2012, esta despesa oscilou entre o equivalente a 1,35% e 1,48% do total de riquezas produzidas no pais (ibid).
Quão alto ou quão baixo é este percentual em comparação ao de outros países?
O Gráfico 1, a seguir, apresenta dados neste sentido e demonstra que o Poder Judiciário brasileiro é claramente um caso desviante em relação aos demais, sendo sua despesa proporcionalmente muito mais elevada que a de outras nações5 .

O orçamento destinado ao Poder Judiciário brasileiro é muito provavelmente o mais alto por habitante dentre todos países federais do hemisfério ocidental.6
Tal despesa é, com efeito, diversas vezes superior à de outros países em diferentes níveis de desenvolvimento, seja em valores proporcionais à renda média, seja em valores absolutos per capita.
Considerando as taxas de câmbio correntes à época da coleta de dados, o orçamento anual per capita do Poder Judiciário brasileiro é equivalente a cerca de US$ 130,32 ou € 94,23.7 Estes valores são superiores aos de todos os países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) com exceção apenas dos gastos de tribunais suíços (€ 122,1) e alemães (€ 103,5).
Por habitante, a despesa do Poder Judiciário brasileiro é muito superior em valores absolutos à de países cuja renda média é claramente superior, como Suécia (€ 66,7), Holanda (€ 58,6), Itália (€ 50), Portugal (€ 43,2), Inglaterra (€ 42,2) e Espanha (€ 27) (CEPEJ 2014, 43). Isto coloca a despesa com o Poder Judiciário no Brasil em nível equiparável ao de países desenvolvidos, sendo inclusive bastante elevado em relação à grande maioria deles.
Não à toa, a comparação com países do mesmo continente torna claro o quão desproporcional ao nível médio de renda do Brasil é o orçamento destinado ao seu Poder Judiciário. Os gastos em valores absolutos per capita com o Poder Judiciário chileno (US$ 34,6), argentino (US$ 19,1) e colombiano (US$ 16,4) são várias vezes inferiores àqueles praticados do Brasil (CEJA 2007). Isto é, o valor absoluto destinado ao Poder Judiciário no Brasil o coloca no estrato superior de despesas mesmo entre os países ricos, de tal forma que esta despesa se torna proporcionalmente muito alta comparativamente ante a renda média inferior do país.
A exemplo do que ocorre na maioria dos países, a maior fatia das despesas com o Poder Judiciário no Brasil se destina ao pagamento de pessoal.
Por aqui, este percentual chega a aproximadamente 89% dos gastos, atendo-se a cerca de 70% em média nos países europeus (cf. CNJ 2014, 32; CEPEJ 2014, 35).8
Isto não significa, todavia, que estes gastos se devam necessariamente à remuneração de juízes. O Poder Judiciário brasileiro totaliza cerca de 16.500 magistrados, o equivalente a cerca de 8,2 juízes por 100.000 habitantes (CNJ 2014, 33). Trata-se de proporção que não destoa da maioria das nações e que, portanto, dificilmente explica a disparidade observada nas despesas.
Com efeito, esta proporção do número de magistardos em relação à população é superior àquela verficada em alguns países (e.g., Inglaterra, Chile e Venezuela), ligeiramente inferior àquela de vários outros (e.g., Colômbia, Itália, Estados Unidos, Espanha e Argentina) e significativamente inferior àquela de poucos outros (e.g., Portugal e Alemanha), os quais aparentemente despontam como casos desviantes neste particular.
O Gráfico 2, abaixo, ilustra estas informações.


O que o gráfico acima torna claro, portanto, é que a quantidade de magistrados existente no Brasil não se presta a explicar por que a despesa com o seu Poder Judiciário é tão destoante em relação à dos demais países.
Mesmo considerando que os salários dos nossos juízes são altos e escalonados de maneira comprimida (i.e., com pouca diferença entre topo e base), o fato é que a maior parcela do gasto com pessoal no Judiciário brasileiro se destina ao corpo de servidores, assessores, terceirizados, cedidos e afins, com exceção dos magistrados propriamente ditos, que também trabalham neste Poder do Estado, muitos dos quais com remuneração elevada em relação à renda média do país.
Esta enorme força de trabalho soma cerca de 412.500 funcionários no Brasil e equivale a 205 deles para cada 100.000 habitantes (CNJ 2014, 33), dando vazão, esta sim, a uma proporção muito elevada comparativamente, como se pode observar no Gráfico 3, abaixo.



1 Intitulada Opening the Black Box: Three Decades of Reforms to Brazil’s Judicial System, a pesquisa está sendo realizada em coautoria com Matthew M. Taylor, da American University, motivo pelo qual o texto está escrito na primeira pessoa do plural. Resultados parciais desta pesquisa foram apresentados na City University of New York (CUNY) e no Woodrow Wilson Center for International Scholars, em Washington. Agradecemos os comentários recebidos nestes eventos e aos editores deste newsletter pelas sugestões.

2 Não afirmamos que eficiência e efetividade devem ser os únicos critérios a partir do qual a prestação jurisidicional deve ser avaliada, mas apenas que eles também devem fazer parte desta avaliação mais ampla, a qual é o objeto da pesquisa citada na nota de rodapé acima. A estes critérios se somam outros para tal avaliação, relativos à facilidade de acesso, à igualdade de tratamento e aos graus de transparência, confiabilidade e estabilidade da prestação jurisdicional, entre outros.

3 Os dados do relatório anual do CNJ sobre o Poder Judiciário brasileiro, o Justiça em Números, totalizam despesas de R$ 61,6 bilhões para o ano de 2013 (cf. CNJ 2014, 38), mas excluem os orçamentos tanto do STF como do CNJ, os quais somam R$ 519 milhões e R$ 232 milhões, respectivamente, confome dados da Lei Orçamentária Anual de 2013 (Lei n. 12.798/2013), disponível em: http://antigo.planejamento.gov.br/secretarias/upload/Arquivos/sof/LOA_2013/130410_Lei_12798_040413_anexo_II.pd f, acessado em 24 de julho de 2015. Ao incluir estes dois órgãos, o orçamento total do Poder Judiciário brasileiro para o ano de 2013 atinge, portanto, o valor de R$ 62,3 bilhões informado acima.

4 Maranhão, Mato Grosso do Sul, Rio Grande do Norte, Paraíba, Alagoas, Rondônia, Sergipe, Piauí, Tocantins, Amapá, Acre e Roraima são os estados cujo PIB individual é inferior à despesa com o Poder Judiciário no Brasil, conforme dados disponíveis no link: http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/economia/contasregionais/2012/default_xls_2002_2012.shtm, acessado em 24 de julho de 2015. Os dados são de 2012, quando o orçamento total do Poder Judiciário foi cerca de R$ 61 bilhões (CNJ 2014, 32).

5 Os dados sobre o Brasil são de 2013, ao passo que os dados sobre países europeus são de 2012 e os dados sobre países da América do Sul são de 2007. Finalmente, os dados para os Estados Unidos foram calculados a partir dos dados do relatório anual da Suprema Corte sobre o Poder Judiciário federal estadunidense de 2012, aos quais foram adicionados os dados sobre os judiciários estaduais do relatório da National Center for State Courts do mesmo ano. Em tempo, mesmo que os dados sejam de anos distintos, como o orçamento do Poder Judiciario é fortemente inercial (como se pode concluir da análise do orçamento do próprio Poder Judiciário brasileiro, citado acima), tais diferenças dificilmente afetam a conclusão de que a despesa do Poder Judiciário brasileiro é desviante em perspectiva comparada.

6 De acordo com o nosso levantamento, os únicos países que se aproximam do percentual de 1,3% do PIB na despesa com o Poder Judiciário são pequenos e com população reduzida, como El Salvador (1,35%) e Bósnia e Herzegovina (0,6%) (cf. Banco Mundial 2011, 28; CEPEJ 2014, 32).

7 Os dados informados são de 31 de dezembro de 2013, quando as taxas de câmbio eram de aproximadamente US$ 1,00 = R$ 2,35 e € 1,00 = R$ 3,25. Mesmo em valores atualizados (i.e., US$ 1,00 = R$ 3,36 e € 1,00 = R$ 3,73), as conclusões não se alteram significativamente, sendo o valor absoluto anual por habitante destinado ao Poder Judciiário brasileiro equivalente a US$ 91,15 e € 82,10, respectivamente, ainda assim muito acima da média e apenas inferior aos gastos absolutos per capita com os Poderes Judiciários de Alemanha e Suiça.

8 Vale observar que, embora as justiças estaduais sejam responsáveis por cerca de 78% da carga de trabalho, possuam 69,2%% dos magistrados e 65,1% dos funcionários do Poder Judiciário no país, elas recebem somente cerca de 55,2% dos recursos orçamentários (CNJ 2014, 32-35)

9 Diferentemente dos gráficos anteriores, não encontramos informações para Espanha, Estados Unidos e Venezuela

Em tempo: sobre o salário dos juízes brasileiros, ler no Estadão (supera o dos Estados Unidos e da Inglaterra!).
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