É o seguinte o estado de espírito do governo Dilma.
Há convicção plena de que não houve crime de responsabilidade, sequer as pequenas infrações apontadas pela denúncia do impeachment.
Para ter validade, o julgamento tem que ser sobre atos cometidos no segundo governo Dilma. Segundo fontes do Palácio, cinco dos seis decretos apontados como motivo para o impeachment não configuram crimes e se referem a atos de 2014 - gestão anterior. O único de 2015 seria o Plano Safras que independe de decreto autorizativo.
Mesmo assim, são pequenas as chances de reverter o processo.
O STF não manifesta a menor vontade de julgar o mérito da questão.
No Senado os ventos são desfavoráveis.
No Planalto entendem, contudo, que há uma dinâmica nova nascendo na reação de juristas internacionais, organismos e mídia internacionais e das manifestações internas. Dependendo da maneira como Michel Temer atuar poderá abrir alguma brecha para revisão do impeachment em uma das duas casas.
Mas a probabilidade é baixa.
O cenário político
O jogo político e jurídico subordina-se às análises eleitorais.
Há quatro atores em cena, três conhecidos - PMDB, o PSDB e as esquerdas, lideradas por Lula – e um aleatório, fora do establishment político, que surgirá do desgaste dos partidos tradicionais. No momento, esse estado de espírito beneficia Marina Silva.
As últimas pesquisas apontam Lula no segundo turno, sejam quais forem os outros candidatos. E mostram o PSDB sem chance, sejam quais forem seus candidatos.
É esse o fator que embaralha o jogo.
Se Aécio tivesse chances eleitorais, provavelmente o vice Michel Temer seria impichado juntamente com Dilma, ou com o PGR (Procurador Geral da República) acelerando as denúncias, ou o TSE (Tribunal Superior Eleitoral), presidido por Gilmar Mendes, aplicando a lei que diz claramente que, havendo impeachment, será contra a presidente e seu vice. Será salvo pela queda de popularidade de Aécio e do PSDB.
Os olhos voltam-se, então, para 2018.
Aí há um leque de possibilidades:
- Temer realizando um governo de salvação nacional e habilitando-se às eleições. Baixa probabilidade. Se for bem-sucedido, não terá tempo de colher os frutos. Se malsucedido, menos ainda.
- Algum candidato do PSDB, com apoio da mídia, conseguindo se destacar no Ministério e apresentar-se como candidato competitivo do partido. Baixa probabilidade.
- As esquerdas crescendo na oposição e Lula se apresentando como candidato competitivo em 2018. Boa probabilidade.
- O aparecimento de um candidato outsider. Boa probabilidade.
Neste cenário fluido armam-se as apostas.
Os jogadores
Tendo como referência 2018, o jogo político pós-impeachment se iniciará com os seguintes jogadores.
- O PSDB, tendo como trunfos suas alianças com a mídia e com novos atores políticos. Nos últimos tempos, a judicialização da política e a regressão institucional jogaram no ringue dois novos atores políticos, com cartas poderosas na manga: o PGR Rodrigo Janot e o Ministro Gilmar Mendes. Ambos têm poder de vida e de morte sobre mandatos de dezenas de parlamentares, o PGR através do comando das investigações e das denúncias criminais com julgamento midiático; Gilmar, através de condenações eleitorais. Janot é alinhado com seu conterrâneo Aécio Neves; Gilmar é militante do PSDB.
- O PMDB dividido entre os vários caciques regionais.
- Michel Temer, investido no cargo de presidente sub judice.
- A frente de esquerdas que começa a nascer dos escombros do PT.
- As teses de direita, com apelo eleitoral, mas sem lideranças nacionais.
Esse desenho inicial sofrerá transformações na medida em que o quadro político avançar, ao sabor das circunstâncias políticas e econômicas.
Os desafios de Temer
Temer assumirá com baixa credibilidade e imerso em um conflito de prioridades.
- O pacto com o grande capital exigirá medidas duras de ajuste fiscal, com enorme risco de aprofundamento da recessão.
- Por outro lado, há uma enorme conta a ser paga aos aliados, pela adesão ao golpe.
- A falta de uma base de apoio sólida estimulará as pautas-pombas impostas pelas corporações públicas, que saem substancialmente fortalecidas cm a desordem institucional.
- Não haverá como sair da crise sem aumento de impostos, provavelmente a volta da CPMF. É questão matemática, mas que exigirá uma mudança radical do discurso de um presidente que, assumindo com escassa legitimidade, não terá sequer os seis meses da trégua que normalmente se concedem aos novos governantes.
- A base de apoio é extremamente fluida. O que juntava os aliados era o objetivo comum de derrubada de Dilma, ou por interesse direto ou para atender às bases, que supunha, com a queda de Dilma o fim do mal-estar da economia. O mal-estar continuará.
Essas circunstâncias provavelmente induzirão a dois movimentos.
Movimento 1 – a montagem de um novo partido de centro-direita
O PSDB deixou de ser um partido competitivo. Sem projeto, sem bandeiras, sem intelectuais, não conseguirá sobreviver na atual conformação. Sua única bandeira é o antipetismo e o antiesquerdismo. Por outro lado, o PMDB é um balaio de gatos dominado por coronéis regionais.
Nesse balaio, Temer não chegou a ser liderança expressiva. Mas tem papel relevante de moderador.
Para manterem-se unidos até 2018, a aliança que se desenha, no médio prazo, é a remontagem gradativa do eixo paulista, com a parte do PMDB liderada por Michel Temer se fundindo com o PSDB de José Serra e Aécio Neves, isolando o governador paulista Geraldo Alckmin, e, tentando cavar um lugar no espectro ideológico.
O único espaço político disponível é o da direita. De certa forma, o PSDB será um Partido Republicano pós-Tea Party, mas sem hegemonia sequer no seu campo.
O PGR e a mídia terão papel central nesse desenho, ajudando no desmonte final do PMDB refratário à fusão e promovendo a criminalização das esquerdas.
Haverá arrufos iniciais entre o futuro governo Temer e o MPF. Mas provavelmente serão contornados em uma pactuação política entre o PGR e Temer.
Sem legitimidade e projetos, o caminho óbvio será o do fortalecimento da ideia do inimigo externo, materializado nas esquerdas e nos movimentos sociais em geral, que certamente sairão às ruas protestando..
Movimento 2: O desmonte das esquerdas
Como decorrência natural do Movimento 1, haverá um trabalho sistemático visando não apenas impugnar a candidatura Lula 2018, como desmontar a capacidade de articulação das esquerdas.
Essa ofensiva agirá nas seguintes frentes:
Peça 1 – ofensiva no Congresso, visando retirar direitos consolidados nos últimos anos.
A conta dos anti-direitos humanos já foi apresentada a Temer pela turma BBB (Boi, Bala e Bíblia). O próprio Temer anunciou como consultor especial o sociólogo gaúcho Denis Rosenfeld, conhecido por suas posições eminentemente conservadoras. Dentro de um quadro de restrições orçamentárias, não se tenha dúvida sobre as áreas a serem primeiro penalizadas.
Haverá também ofensiva no campo digital, com projetos que reduzam o potencial de aglutinação política permitido pela Internet e pelas redes sociais, a exemplo das tentativas em curso de mudar a Lei Geral das Telecomunicações e as leis de crimes cibernéticos.
Peça 2 – ofensiva sobre as Universidades federais.
A ida de José Serra para o MEC (Ministério da Educação) será sinal claro dessa estratégia. Serra tem implicância mórbida com a universidade, como ficou claro em sua gestão como governador de São Paulo, inclusive na indicação de João Grandino Rodas para reitor da USP (Universidade de São Paulo).
Aliás, o PSDB paulista, que se formou em torno de parte da intelectualidade da USP, tem dado provas eloquentes de seu espírito anti-universidade, com o desmonte dos institutos de pesquisa e, esta semana, com a declaração do governador Geraldo Alckmin de que “a Fapesp só financia pesquisa inútil”.
No período Lula foram criadas 14 novas universidades e 126 novos campi no país. O desafio de Serra será enquadrá-los na nova ordem e possivelmente alegar restrições fiscais para promover alguma espécie de desmonte.
Peça 3 – o desmonte das políticas sociais.
Haverá algum reforço nas políticas sociais genéricas, como o Bolsa Família, e aquelas que mesclem interesses empresariais, como o Minha Casa Minha Vida. Mas haverá o desmonte completo das políticas voltadas para minorias e movimentos sociais.
Peça 4 – a criminalização do PT e de Lula.
Quem esperava um refresco com a eventual queda de Dilma, desista. Quebrada a ordem democrática, o saci escapará definitivamente da garrafa.
A consumação do golpe acentuará duas tendências em curso.
A primeira, o STF abrindo mão definitivamente de seu papel modernizador e de mediação. A segunda, a radicalização das ações do Ministério Público Federal e dos juízes de primeira instância contra alvos de esquerda.
No fim de semana, em seminário em Harvard, o PGR Rodrigo Janot explicitou mais um pouco seu objetivo final: extirpar o PT (que ele denomina de “organização criminosa”) do mapa político. Desde os tempos de Armando Falcão não se via uma autoridade judicial tão radicalmente anti-esquerda.
Com o liberou geral, ontem mesmo o notório procurador Carlos Fernando dos Santos Lima voltou à imprensa para pré-julgar Lula (http://migre.me/tCvuC), imputando-lhe o comando da tal organização criminosa. Totalmente à vontade, como se fizesse parte da nova ordem jurídica procuradores anteciparem a condenação de investigados.
Cenários indefinidos
Os próximos meses serão de absoluta indefinição. São tantas variáveis em jogo, que se torna praticamente impossível traçar cenários minimamente precisos.
Temer terá dificuldade em exercitar sua maior virtude: o papel de moderador dos conflitos.
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