quarta-feira, 10 de fevereiro de 2016

O MOMENTO MAIS CRÍTICO NA HISTÓRIA DA HUMANIDADE


Intelectual americano Noam Chomsky analisa as principais tendências do cenário 
internacional, critica a escalada militarista, atribuindo à Guerra do Iraque como o "pior crime 
do século" pelos Estados Unidos; Chomsky alerta para uma catástrofe oriunda das mudanças 
climáticas; "O aquecimento global é o pior problema que a espécie humana jamais enfrentou, 
estamos a dirigir-nos para um desastre completo"; "Os republicanos querem aumentar o uso 
de combustíveis fósseis. Não estamos perante um problema de centenas de anos, mas de uma 
ou duas gerações"

"Os Estados Unidos foram sempre uma sociedade colonizadora. Ainda antes de se constituir como 
Estado estava eliminando. a população indígena, o que significou a destruição de muitas nações 
originais", sintetiza o linguista e ativista norte-americano Noam Chomsky quando se lhe pede que 
descreva a situação política mundial. Crítico acérrimo da política externa do seu país, argumenta que 
desde 1898 se virou para o cenário internacional com o controle de Cuba, "que converteu 
essencialmente em colônia", para depois invadir as Filipinas, "assassinando um par de centenas de 
milhares de pessoas".
Continua a alinhavar uma espécie de contra-história do império: "Depois roubou o Hawaí à sua 
população original, 50 anos antes de incorporá-la como mais um estado". Imediatamente depois da 
segunda Guerra Mundial, os Estados Unidos converteram-se em potência internacional, "com um 
poder sem precedente na história, um incomparável sistema de segurança, controlava o hemisfério 
ocidental e os dois oceanos, e naturalmente traçou planos para tentar organizar o mundo de acordo 
com os seus desejos".
Concorda que o poder da superpotência diminuiu em relação ao que tinha em 1950, o pico do seu 
poder, quando acumulava 50% do produto interno bruto mundial, que agora caiu para 25%. Ainda 
assim, parece-lhe necessário recordar que os Estados Unidos continuam a ser "o país mais rico e 
poderoso do mundo, e a nível militar é incomparável".
Um sistema de partido único
Há algum tempo Chomsky comparou as votações no seu país com a escolha de uma marca de pasta 
de dentes num supermercado. "O nosso é um país de um só partido político, o partido da empresa e 
dos negócios, com duas fações, democratas e republicanos", proclama. Mas acha que já não é 
possível continuar a falar de duas velhas comunidades políticas, já que as suas tradições sofreram 
uma mutação completa durante o período neoliberal.
"São os republicanos modernos que se fazem chamar democratas, enquanto a antiga organização 
republicana ficou fora do espectro, porque ambas as partes se deslocaram para a direita durante o 
período neoliberal, tal como aconteceu na Europa." O resultado é que os novos democratas de 
Hillary Clinton adotaram o programa dos velhos republicanos, enquanto estes foram completamente 
tomados pelos neoconservadores. "Se você vir os espetáculos televisivos onde dizem debater, só 
gritam uns com os outros e as poucas políticas que apresentam são aterradoras".
Por exemplo, ele aponta que todos os candidatos republicanos negam o aquecimento global ou são 
céticos, que apesar de não o negarem dizem que os governos não devem fazer algo sobre isso. "No 
entanto, o aquecimento global é o pior problema que a espécie humana jamais enfrentou, e estamos a 
dirigir-nos para um desastre completo". Na sua opinião, as alterações climáticas têm efeitos só 
comparáveis com a guerra nuclear. Pior ainda, "os republicanos querem aumentar o uso de 
combustíveis fósseis. Não estamos perante um problema de centenas de anos, mas de uma ou duas 
gerações".
A negação da realidade, que caracteriza os neoconservadores, corresponde a uma lógica semelhante 
à que impulsiona a construção de um muro na fronteira com o México. "Essas pessoas que tentamos 
afastar são as que fogem da destruição causada pelas políticas norte-americanas".
"Em Boston, onde vivo, há um par de dias o governo de Obama deportou um guatemalteco que 
viveu aqui durante 25 anos; tinha uma família, uma empresa, era parte da comunidade. Tinha 
escapado da Guatemala destruída durante a administração Reagan. Em resposta, a ideia é construir 
um muro para proteger-nos. Na Europa é o mesmo. Quando vemos que milhões de pessoas a fugir da 
Líbia e da Síria para a Europa, temos que nos interrogar sobre o que aconteceu nos últimos 300 anos 
para chegarmos a isto".
Invasões e alterações climáticas retroalimentam-se
Há apenas 15 anos não existia o tipo de conflito que observamos hoje no Oriente Médio. "É 
consequência da invasão norte-americana do Iraque, que é o pior crime do século. A invasão 
britânica-norte-americana teve consequências horríveis, destruíram o Iraque, que agora é classificado 
como o país mais infeliz do mundo, porque a invasão tirou a vida a centenas de milhares de pessoas 
e criou milhões de refugiados, que não foram acolhidos pelos Estados Unidos e tiveram que ser 
recebidos pelos países vizinhos pobres, os quais foram encarregados de recolher as ruínas do que nós 
destruímos. E o pior de tudo é que instigaram um conflito entre sunitas e xiitas que não existia antes".
As palavras de Chomsky recordam a destruição da Iugoslávia durante a década de 1990, instigada 
pelo Ocidente. Destaca que, tal como Sarajevo, Bagdá era uma cidade integrada, onde os diversos 
grupos culturais compartilhavam os mesmos bairros, se casavam com membros de diferentes grupos 
étnicos e religiões. "A invasão e as atrocidades que se seguiram instigaram a criação de uma 
monstruosidade chamada Estado Islâmico, que nasce com financiamento saudita, um dos nossos 
principais aliados no mundo".
Um dos maiores crimes foi, em sua opinião, a destruição de grande parte do sistema agrícola sírio, 
que assegurava a alimentação, o que levou milhares de pessoas para as cidades, "criando tensões e 
conflitos que explodem mal começa a repressão".
Uma das suas hipóteses mais interessantes consiste em cruzar os efeitos das intervenções armadas do 
Pentágono com as consequências do aquecimento global.
Na guerra no Darfur (Sudão), por exemplo, os interesses das potências convergem com a 
desertificação que expulsa populações inteiras das zonas agrícolas, o que agrava e agudiza os 
conflitos. "Estas situações desembocam em crises horríveis, como acontece na Síria, onde se regista 
a maior seca da sua história que destruiu grande parte do sistema agrícola, gerando deslocações, 
exacerbando tensões e conflitos", reflete.
Ainda não temos pensado profundamente, destaca, sobre o que implica esta negação do aquecimento 
global e os planos a longo prazo que os republicanos pretendem acelerar: "Se o nível do mar 
continua a subir e sobe mais rapidamente, vai engolir países como o Bangladesh, afetando centenas 
de milhões de pessoas. Os glaciares do Himalaia derretem-se rapidamente pondo em risco o 
abastecimento de água ao sul da Ásia. Que vai acontecer a esses milhares de milhões de pessoas? As 
consequências iminentes são horrendas, este é o momento mais importante na história da 
humanidade".
Chomsky acredita que estamos perante uma curva da história em que os seres humanos têm que 
decidir se querem viver ou morrer: "Digo-o literalmente. Não vamos morrer todos, mas destruir-se-
iam as possibilidades de vida digna, e temos uma organização chamada Partido Republicano que 
quer acelerar o aquecimento global. Não exagero – remata– é exatamente o que querem fazer".
A seguir, cita o Boletim de Cientistas Atómicos e o seu Relógio do Apocalipse, para recordar que os 
especialistas sustentam que na Conferência de Paris sobre o aquecimento global era impossível 
conseguir um tratado vinculante, apenas acordos voluntários. "Porquê? Porque os republicanos não o 
aceitariam. Bloquearam a possibilidade de um tratado vinculante que poderia ter feito algo para 
impedir esta tragédia em massa e iminente, uma tragédia como nunca existiu na história da 
humanidade. É disso que estamos a falar, não são coisas de importância menor".
Guerra nuclear, possibilidade certa
Chomsky não é das pessoas que se deixam impressionar por modas acadêmicas ou intelectuais; o seu 
raciocínio radical e sereno procura evitar furores e, talvez por isso, mostra-se avesso a aceitar a 
anunciada decadência do império. "Tem 800 bases em todo o mundo e investe no seu exército tanto 
como todo o resto do mundo. Ninguém tem algo assim, com soldados a combater em todas as partes 
do mundo. A China tem uma política principalmente defensiva, não possui um grande programa 
nuclear, ainda que possa crescer".
O caso de Rússia é diferente. É a principal pedra no sapato da dominação do Pentágono, "porque tem
um sistema militar enorme". O problema é que tanto a Rússia como os Estados Unidos estão
ampliando os seus sistemas militares, "ambos estão a atuar como se a guerra fosse possível, o que é
uma loucura coletiva". Pensa que a guerra nuclear é irracional e que só poderia acontecer em caso de
acidente ou erro humano. No entanto, coincide com William Perry, ex-secretário da Defesa, que
disse recentemente que a ameaça de uma guerra nuclear é hoje maior do que era durante a guerra
fria.
Chomsky considera que o risco se concentra na proliferação de incidentes que envolvem forças
armadas de potências nucleares.
"A guerra esteve muito próxima inúmeras vezes", admite. Um dos seus exemplos favoritos é o que 
aconteceu durante o governo de Ronald Reagan, quando o Pentágono decidiu pôr a prova a defesa 
russa mediante a simulação de ataques contra a União Soviética.
"Resultou que os russos levaram isso muito a sério. Em 1983, depois de os soviéticos automatizarem 
os seus sistemas de defesa detetaram um ataque de míssil norte-americano. Nestes casos o protocolo 
é ir diretamente ao alto comando e lançar um contra-ataque. Havia uma pessoa que tinha que 
transmitir essa informação, Stanislav Petrov, mas decidiu que era um falso alarme. Graças a isso 
estamos aqui a falar".
Aponta que os sistemas de defesa dos Estados Unidos têm erros sérios e há umas semanas foi 
divulgado um caso de 1979, quando se detectou um ataque em massa com mísseis a partir da Rússia. 
Quando o conselheiro de Segurança Nacional, Zbigniew Brzezinski, estava a levantar o telefone para 
chamar o presidente James Carter e lançar um ataque de represália, chegou a informação de que se 
tratava de um falso alarme. "Há dezenas de falsos alarmes em cada ano", assegura.
Neste momento as provocações dos Estados Unidos são constantes. "A Otan está realizando 
manobras militares a 200 metros da fronteira russa com a Estônia. Nós não toleraríamos algo assim 
que acontecesse no México".
O caso mais recente foi o abate de um caça russo que estava bombardeando forças jihadistas na Síria 
em fins de novembro. "Há uma parte da Turquia quase rodeada por território sírio e o bombardeiro 
russo voou através dessa zona durante 17 segundos, e derrubaram-no. Uma grande provocação que 
felizmente não foi respondida pela força, mas levaram o seu mais avançado sistema antiaéreo para a 
região, o que lhes permite derrubar aviões da Otan". Argumenta que fatos semelhantes estão a 
acontecer diariamente no mar da China.
A impressão que emerge dos seus gestos e reflexões é que se as potências que são agredidas pelos 
Estados Unidos atuassem com a mesma irresponsabilidade que Washington, o destino estaria traçado.
Entrevista com Noam Chomsky, por Agustín Fernández Gabard e Raúl Zibechi, publicada no jornal 
La Jornada em 7 de fevereiro de 2016. Tradução de Carlos Santos para esquerda.net
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