sexta-feira, 12 de fevereiro de 2016

Blog descobre apê de luxo da República do Paraná


Em um prédio público, onde policiais federais investigam tráfico de drogas, a cozinha está 
equipada como nas melhores residências, inclusive com uma lha gourmet.

Provavelmente, o sítio de Atibaia frequentado pelo ex-presidente Lula e seus familiares, que tanto trabalho está dando aos agentes federais da Força Tarefa da Lava Jato a ponto de pedirem um inquérito só para investigá-lo, não chegue aos pés destas instalações em um órgão público.

Polícia Federal, sem verba para a luz, mas com mordomias
Por Marcelo Auler

Apesar de ter recorrido ao juiz Sérgio Moro, em dezembro de 2015, pedindo ajuda financeira para pagar a conta de luz e do combustível, a Superintendência Regional do Departamento de Polícia Federal do Paraná (SR/DPF/PR) torrou dinheiro, entre maio e julho do mesmo ano, criando uma “área social” no prédio que abriga o Grupo de Investigação Sensível (GISE) e a Delegacia de Repressão a Entorpecentes, ambos chefiados pelo delegado Maurício Moscardi Grillo. Uma verdadeira mordomia para poucos desfrutarem A suntuosidade da reforma promovida na sala de refeições e na cozinha de dois órgãos de investigação, em um prédio localizado no centro de Curitiba*, contrasta totalmente com o discurso que delegados federais vêm fazendo de que faltará verba para as operações policiais. A origem do dinheiro, embora indagada não foi explicada pelo DPF, menos ainda pela superintendência.
É praticamente certo que não foi verba orçamentária. Através do site Transparência Brasil foi possível verificar que entre maio de 2015 (início da reforma) e dezembro do mesmo ano, os pagamentos efetuados pela superintendência a titulo de obras e reformas não incluíram nenhuma delas na capital do estado. Foram pagas reformas nas delegacias de Maringá, Guarapuava e Cascavel.
Restam, portanto, duas alternativas. A primeira, e mais provável, uma nova doação feita por algum juiz federal de Curitiba, com verba apreendida em operações policiais e confiscada em sentença. Para isso, porém, é preciso um pedido oficial que tramita em forma de processo e passe pelo crivo do Ministério Público Federal.
Os gastos sigilosos - A segunda hipótese, menos provável, seria o uso das chamadas Verbas Secretas (VS) que as superintendências do DPF recebem de Brasília, mas destinam-se especificamente a operações policiais. É um dinheiro usado, com o respaldo da legislação vigente, para pagar informantes em operações de porte, principalmente no combate ao tráfico de drogas. Ele só pode servir esporadicamente para comprar bens de consumo em situação emergencial. Jamais uma máquina de café Nesspresso ou uma ilha gourmet, para ficar em apenas dois exemplos de modernidades instaladas no prédio do GISE. A informação colhida pelo blog dá conta que, após a reforma do GISE, o DPF em Brasília reduziu à metade as remessas de da verba secreta para o Paraná. Normalmente eram enviados R$ 32 mil que caíram para R$ 16 mil. È mais uma informação que se espera a confirmação pelo DPF junto com a explicação da origem do dinheiro usado na reforma.
O que é fato e está no portal da Transparência, é que, em 2015, a Superintendência Regional do DPF no Paraná efetuou “gastos sigilosos, com pagamentos efetuados com Cartões de Pagamentos do Governo Federal” da ordem de R$ 352.458,74. Outros R$ 4.683.400,75, da mesma verba sigilosa, destinaram-se a diárias. As especificações destas despesas como constam do portal, são “bloqueadas”, por serem “informações protegidas por sigilo, nos termos da legislação, para garantia da segurança da sociedade e do Estado”.


Uma moderna churrasqueira, ao fundo, tem à sua frente a ilha gourmet com fogão e bancada 
acoplados, além de modernas cadeiras em acrílico. Na parede à direita, o forno de microondas.

A bancada gourmet, grudada a um fogão, localiza-se estrategicamente de frente para uma não menos moderna churrasqueira (acima). Assim, é possível a convivência harmoniosa entre o churrasqueiro e seus convivas.Um ambiente, bastante refinado. Apesar de se tratar de um órgão público, possui ainda um bar com um tampo em mármore preto e os banquinhos forrados, para aumentar o conforto de seus frequentadores (abaixo).Um bar, com confortáveis banquinhos forrados, apesar de se tratar de um órgão público.
As informações levantadas pelo blog com diversas fontes dão conta de que o ambiente “é coisa de cinema”. Tanto assim que entre os policiais federais paranaenses o prédio do GISE agora é tratado como Taj Mahal
A possibilidade de o projeto ter contado com a participação de arquiteta e design de interiores não foi possível confirmar – uma vez que a Polícia Federal calou-se sobre a questão. Se realmente os dois foram acionados, surge nova dúvida: foi um trabalho remunerado ou à base do favor? Nessa última hipótese, será preciso analisar esse “favor” à luz do código de ética dos servidores públicos, que limita os valores de presentes/favores aos funcionários do governo.
Alojamentos precários – Curiosamente, os cerca de quinze agentes federais que ali trabalham todos os dias, apesar de disporem na sala de lazer de um sofá vistoso, forrado de manta para proteger o estofado branco e com confortáveis almofadas, repousados sobre tapete felpudo, não contam com alojamentos à altura do ambiente social criado.


O grupo de sofás na sala da televisão, fica sobre tapetes felpudos. Não faltou a manta para enfeitar e proteger o estofado branco.

Em outra área, o quarto que lhes é destinado, mantém beliches velhos, instalações antigas, inclusive sem um ar condicionado, segundo relatos feitos por seus colegas.
A inauguração da obra, com um churrasco no moderno equipamento, foi em agosto, após três meses de reforma (entre maio e julho). Ou seja, exatamente um ano depois de o juiz Sergio Moro ter liberado, da verba apreendida em operações policiais e confiscada pelo judiciário, R$ 1 milhão, pedidos pelo superintendente Rosalvo Ferreira Franco, em março de 2014, para a implantação de um sistema de câmeras de vigilância, monitoramento e alarme (Sistema CFTV), na sede da superintendência, em Curitiba, e em delegacias do interior.
Contas erradas - Mas, como narramos na reportagem Trapalhadas da PF-PR com a verba doada pelo juiz Moro, antes mesmo de usar a verba repassada pela justiça, Rosalvo voltou ao juiz, em março de 2015, com nova solicitação. Por causa de contas erradas, era preciso mais R$ 2,237 milhões, o que foi negado pelo magistrado e a implantação do circuito limitou-se à sede da SR.
Em novembro passado, o superintendente voltou a passar o chapéu junto ao juiz Moro, pedindo autorização para utilizar R$ 172.138,37 que sobraram do sistema de TV para o pagamento da conta de luz e de combustível. Mais uma vez ele errou na conta, o valor gasto foi maior: R$ 181.914,85. Na época, Moro, ao liberar os recursos, despachou:
Sérgio Moro liberou a verba alegando que a Operação Lava Jato não poderia parar. Foto Ajufe
Sérgio Moro liberou a verba alegando que a Operação Lava Jato não poderia parar. Foto Ajufe
“Embora não seja muito apropriada a destinação dessas verbas para custeio, as investigações da Operação Lava jato, por sua relevância, não podem ser interrompidas por falta de dinheiro para despesas básicas de custeio”.
Foi o suficiente para que a mídia, empenhada na campanha do impeachment da presidente, acusasse o governo Dilma de querer parar as investigações cortando recursos. Não apuraram que a mesma superintendência que dizia não ter recursos para a luz e o combustível, no final do exercício fiscal de 2015, devolveu R$ 1,4 milhão ao Tesouro Nacional como reafirmou nota de esclarecimento do Ministério da Justiça. Sem falar na despesa para instalar a churrasqueira do GISE, que continuava funcionando. E muito.
Criado para realizar investigações voltadas ao combate ao tráfico de drogas, mas não apenas elas, o GISE contou com maior autonomia até a gestão do delegado Paulo Lacerda, na direção do DPF. No Paraná, em 2007, sua equipe, em uma Força Tarefa com alguns dos mesmos procuradores que atuam agora na Lava Jato – Deltan Dallagnol, por exemplo – e com o apoio do juiz Moro, desenvolveu a Operação Fênix. Com ela, desbaratou a quadrilha do traficante Fernandinho Beira-Mar, e suas ramificações, que atuava em quatro países da America Latina.
Justamente por mexer com investigações sigilosas – não raro envolvendo policiais com traficantes – é que os GISEs em todos os estados – e há locais, como o Paraná, que são mais de um – se instalam em prédios distantes das Superintendências. Houve época em que eles eram subordinados diretamente à Brasília, reportando-se ao delegado Getúlio Bezerra, com muito mais autonomia. Alguns deles, nem tinham a presença de delgados. Eram só agentes que davam conta do recado. Tudo isso foi esvaziado na gestão de Luis Fernando Corrêa à frente do DPF, após o fim da Operação Satiagraha. Foi uma forma de tolher investigações que pudessem vir a criar problemas políticos.


O delegado Moscardi na premiação aos delegados da Lava Jaro pela Associação de Delegados 
da Polícia Federal – foto: reprodução.

Em Curitiba, desde janeiro de 2015, o delegado Moscardi está à frente do GISE, por desfrutar da confiança do chefe da Delegacia Regional de Combate ao Crime Organizado (DRCOR), Igor Romário de Paula. em meados do mesmo ano, ele passou a acumular a chefia da DRE.
Moscardi, como subordinado da delegada Érika Mialik Marena (chefe Delegacia de Repressão a Crimes Financeiros – Delefin), presidiu em 2014 sindicâncias importantes em torno da Lava Jato, como a dos vazamentos de informações mantidas em segredo de justiça para a imprensa e a do grampo encontrado na cela de Alberto Youssef.
As dos vazamentos não se teve notícias. Na do grampo, ele concluiu que estava lá desde 2008, desativado. Meses depois foi desmentido pelo agente Dalmey Fernando Werlang, que assumiu perante o delegado Mario Henrique Fanton, ter instalado o equipamento a mando de Igor Romário, mas com a complacência do superintendente Rosalvo e do delegado Marcio Anselmo Adriano, que cuida de toda a Operação. Também a agente Maria Inês, que trabalhava com Werlang, confirmou a instalação que ela ajudara a fazer. Por fim, a perícia do DPF em Brasília, conseguiu recuperar conversas de Youssef na cela, captadas pelo aparelho que Moscardi concluiu estar desativado.
Oficialmente, Moscardi não fez parte da Força Tarefa, embora tenha atuado em algumas operações. Mas, mesmo após se saber que presidiu uma sindicância feita,aparentemente, para encobrir um possível crime, ele acabou premiado pela Associação dos Delegados da Polícia Federal (ADPF) junto com outros colegas da Lava Jato.
Questões sem respostas - A Polícia Federal, que se empenha em cobrar do ex-presidente Lula informações sobre a reforma do sítio de Atibaia e que montou a Operação Triplo X, para investigar um triplex do Guarujá, quando é questionada sobre seus atos e a forma como utiliza o dinheiro público, fecha-se em copas. Como se fosse um ente governamental à parte, sem necessidade de prestar contas ao público.
Na quarta-feira à noite, um e-mail foi enviado para o corregedor geral do DPF, Roberto Mario da Cunha Monteiro, para o superintendente do Paraná, Rosalvo Ferreira Franco, o chefe da assessoria de comunicação social, Leonardo Lima, o próprio delegado Moscardi e a assessoria do ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, com algumas perguntas. Na quinta-feira pela manhã, ao mesmo e-mail anexamos uma das fotos postadas acima e insistimos nas questões enviadas na véspera, a saber:
1) houve a reforma do prédio? 2) Ela estava prevista no orçamento da Superintendência ou foi feita com nova doação da Justiça Federal? 3) Neste caso, qual o número do processo em que foi feita a solicitação de recursos e em que ele foi deferido? 4) Qual o valor deferido e o valor efetivamente gasto? 5) Gostaria ainda de saber qual o numero do edital da licitação e os detalhes da mesma: quantas empresas retiraram o edital? Quantas apresentaram propostas? Qual a vencedora? E com qual valor? 6) Na medida do possível, tenho interesse em saber se o projeto da reforma foi desenvolvido dentro da Superintendência, ou foi feito por alguma equipe de Brasília ou de algum outro órgão público? 7) Houve necessidade da mudança dos equipamentos, isto é, mesas, cadeiras, armários, arquivos, material de escritório ou de qualquer outro móvel necessário ao funcionamento de uma delegacia? Se sim, a compra foi por licitação?
No e-mail eu ainda questionava sobre o pagamento a estagiários que atenderam a Moscardi no GISE, em 2015, depois de encerrado o contrato com a empresa que forneceu jovens estudantes a toda a Superintendência.
Apesar de estar em férias, o que só soube no final da tarde de quinta-feira, o chefe da assessoria de comunicação social, Leonardo Lima, me respondeu na mesma noite querendo detalhes da pauta uma vez que, segundo ele, “aparentemente, há dados que não se relacionam”. Na resposta, abri mão das informações sobre o estágio e insisti nas perguntas sobre a reforma. Como nada recebi até quinta-feira à tarde, voltei a procurar a Comunicação Social, sendo atendido pelo Guilherme, que me comunicou das férias de Lima. Novo e-mail foi enviado, mas o silêncio prossegue até agora. Resta saber a quem a Polícia Federal irá explicar toda esta reforma no prédio? Pelo jeito, irão anunciar mais uma sindicância, cujo resultado nunca chegará ao público.
* Embora seja um prédio público, conhecido de muitas pessoas em Curitiba, o blog se reserva o direito de não divulgar o endereço por tratar-se de local  destinado a investigações especiais.
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