Leandro Fortes
“Qual a diferença entre esquerda e direita?”
Eu já ouvi essa pergunta de muitas formas, em muitas ocasiões, muito embora essa indagação seja
feita, quase sempre, pelo mesmo perfil de gente: pessoas de direita com convicções bastante
arraigadas nas zonas mais sombrias dessa parte do espectro ideológico.
A pergunta em si, não o questionamento acadêmico, costuma ser usada para induzir agressividade ao
A pergunta em si, não o questionamento acadêmico, costuma ser usada para induzir agressividade ao
debate político. Não é feita para ser respondida, é mais um insulto do que uma questão. É como se o
interlocutor lhe perguntasse:
“Quem é tão estúpido para ainda se preocupar com isso?”
A esquerda, claro.
Um dos clichês preferidos da direita é o de apelar para o Muro de Berlim, supostamente uma prova
“Quem é tão estúpido para ainda se preocupar com isso?”
A esquerda, claro.
Um dos clichês preferidos da direita é o de apelar para o Muro de Berlim, supostamente uma prova
física, material e documentada de que esquerda e direita teriam deixado de existir.
Trata-se de um silogismo simplório: se a linha de ferro e concreto que dividia o socialismo real do
Trata-se de um silogismo simplório: se a linha de ferro e concreto que dividia o socialismo real do
capitalismo ocidental ruiu, ruíram também os conceitos de esquerda e direita.
Acontece que uma das pistas para se descobrir se uma pessoa é de esquerda diz respeito, justamente,
à capacidade de ela conseguir enxergar além do óbvio e de aceitar a complexidade da vida. O que é
exatamente o oposto da lógica racional das pessoas ideologicamente conservadoras.
Imaginar que um conceito civilizatório como o socialismo possa ser pulverizado por um momento
histórico é, no fim das contas, desconhecer – ou desprezar – a História em si.
Os regimes socialistas autoritários que se organizaram como Estados opressores abandonaram o
pensamento de esquerda, que é, como toda ideologia, uma ideia à procura de um espaço físico. É,
por isso mesmo, também uma busca pelo poder.
Em um país conflagrado politicamente, como o Brasil desses dias, a atual argumentação
anticomunista é, na verdade, antiesquerdista. Ela foi quase que totalmente moldada a partir de velhas
cartilhas da Guerra Fria com conceitos forçosamente adaptados ao antipetismo e, em grau avançado,
ao bolivarianismo – uma ideia que não só ocupou um espaço físico (a Venezuela) como se
transformou numa curiosa ideologia local adorada e combatida, a depender do que se enxerga nela.
Ao neoanticomunismo criado para combater a recente guinada da América Latina à esquerda uniu-se
Ao neoanticomunismo criado para combater a recente guinada da América Latina à esquerda uniu-se
o fenômeno da internet, no todo, e das redes sociais, no particular. Foi dessa circunstância que
nasceu essa militância feroz de Facebook, onde analfabetos políticos conseguiram se reunir em
bando para produzir clichês fascistas em série.
Há, contudo, um grupo distinto da direita, formada por intelectuais, artistas e cidadãos de boa
escolaridade, que naturalmente sabe dos efeitos maléficos desse movimento anticomunista
anacrônico e absurdo. E, ainda assim, nada fazem para neutralizá-lo, quando não o adequam ao
próprio discurso para dele se utilizar como arma política.
Guardadas as proporções, é como a piada pronta do deputado Paulinho da Força, do Solidariedade,
Guardadas as proporções, é como a piada pronta do deputado Paulinho da Força, do Solidariedade,
ao se solidarizar com Eduardo Cunha, mesmo sabendo de tudo, por acreditar nesta adesão como
iminente catalisadora do impeachment da presidentaDilma Rousseff.
Como na política, há também desfaçatez na ideologia.
O pensamento de esquerda é transversal e, ainda que muitas estultices sejam vendidas como verdade
O pensamento de esquerda é transversal e, ainda que muitas estultices sejam vendidas como verdade
pela mídia, não é sequer homogêneo no antagonismo ao capitalismo. Até porque o conceito de
socialdemocracia, resumido no Estado de bem-estar social, é uma experiência de esquerda, bolada
para, justamente, estabelecer parâmetros de comportamento mais solidário e justo dentro do
capitalismo.
Ser de esquerda, portanto, é uma opção política ligada ao humanismo, à condição humana que nos
Ser de esquerda, portanto, é uma opção política ligada ao humanismo, à condição humana que nos
obriga a conviver socialmente e, portanto, a decidir em grupo.
Mas não deixa de ter um problema da aplicação prática, e não apenas por conta da oposição de
Mas não deixa de ter um problema da aplicação prática, e não apenas por conta da oposição de
direita, mas por ser uma opção, ainda, revolucionária, sobretudo do ponto de vista dos costumes.
Não por acaso, tem sido a religião a histérica voz da direita contra a esquerda nos parlamentos,
Não por acaso, tem sido a religião a histérica voz da direita contra a esquerda nos parlamentos,
terceirizada para defender exatamente aquilo que deveria condenar: adesigualdade e a exploração
humana.
A consequência visível dessa terceirização é o fenômeno tão brasileiro dos pobres de direita. Pessoas
A consequência visível dessa terceirização é o fenômeno tão brasileiro dos pobres de direita. Pessoas
que, em nome da fé, desprezam o único modelo político com chances de trazer algum alento social
para si e ao País.
E elegem seus algozes.
No Brasil, a nova esquerda produziu, entre outras maquinações, o movimento dos blogs, a partir de
E elegem seus algozes.
No Brasil, a nova esquerda produziu, entre outras maquinações, o movimento dos blogs, a partir de
2008, quando o pensamento de esquerda pôde se disseminar além da mídia, onde era confinado a
currais específicos, quando não escondido no porão.
Movimento que evidenciou a existência inalterada, sim, da luta entre esquerda e direita, esta
Movimento que evidenciou a existência inalterada, sim, da luta entre esquerda e direita, esta
transposta diariamente às redes sociais e às ruas.
Não há porque temê-la, e menos razões ainda para ignorá-la.
Minha satisfação é saber que, enquanto a direita se mantém atrelada ao discurso do ódio, na idolatria
Não há porque temê-la, e menos razões ainda para ignorá-la.
Minha satisfação é saber que, enquanto a direita se mantém atrelada ao discurso do ódio, na idolatria
ao individual e à competição, a esquerda mantém-se presa a seus sonhos de sempre.
Estou do lado certo.
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Estou do lado certo.
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