quarta-feira, 4 de novembro de 2015

O fenômeno dos grupos fascistas fechados no Facebook



por : Mauro Donato

Uma página criada em uma rede social anuncia-se como um alerta para os moradores de Copacabana. Na verdade, ela alerta para o risco de convulsão social a que o Rio de Janeiro está sujeito. Na última sexta-feira, um membro (K.P.) publicou:
“Inhangá com nossa senhora, ladrãozinho roubou, correu, mas na esquina deu de cara com a polícia. O povo queria meter a porradaaaa, pena que os canas não deixaram!!”
Os comentários que se seguiram dão uma amostra de um cenário social tenebroso:
“Tinha que ter dado uma massagem nele!”, diz o primeiro. A autora do post repete:
“Também acho, mas os canas não deixaram.”
Daí por diante é ladeira abaixo:
“Tem que bater sem os cana deixar mesmo. Eles não vão prender ninguém pq bateu em ladrão”
“Uma martelada com força na cabeça, pra rachar de vez !!”
“Que pena que não deixaram!”
“Tem que meter porrada em quem não deixou… Depois reclamam.”
“Sou a favor que mate logo, pois se baterem ele marca a cara do agressor. Ele amanhã está solto, cruza com você na rua e te mata. Esses filhos das putas não tem nada a perder pois sabem que são protegidos pelos Direitos Humanos e nós cidadãos de bem somos a escória da sociedade na visão do PT, do MP…”
E por aí vai a caravana digna daquilo que um dia Stanislaw Ponte Preta chamou de Febeapá (Festival de Besteira que Assola o País).
O “Copacabana Alerta” é um grupo fechado. A página tem 7.451 seguidores.
Em sua descrição, “O grupo visa a troca de informações sobre delitos, fatos e problemas em Copacabana e adjacências.”
A ideia não seria de todo ruim. Algo como um waze para “problemas do bairro”, com troca de informações entre os usuários em tempo real.
Mas na verdade, nove de cada dez posts são sobre delitos e os comentários subsequentes revelam ser aquele local um grande fórum higienista.
Há os que vibram com batidas na cracolândia (“Esse povo tem que ir pra marte!”); Há milicianos bombadões que pregam fazer justiça pela força de seus bíceps; E, tcharam!!, tem muitos policiais. Não raro, eles usam a página para se vangloriar de algum feito heróico.
“Hoje às 16h peguei um menor de 17 anos, com uma carcaça de 30, roubando o cordão de uma senhora (…) Foi na N.S. Copacababa quase esquina com República do Peru, logo depois da curva bem em frente ao Bradesco só que do outro lado da via! Voltei de moto na contramão e rendi o vagabundo de frente, não teve jeito senão deitar e botar a cara no chão! Esperei quase 10 min por uma viatura…o policiamento está muito ruim! Mas…os colegas Mikes chegaram e conduziram a vítima, o cordão que fiz ele cuspir, com jeitinho sabem? E o vagabundo? Bem… missão cumprida… sempre servindo e protegendo!”, escreveu M.B., inspetor da polícia civil (ele portanto é um ‘Charlie’. Os ‘Mikes’ a que se refere são policiais da PM). Imediatamente o policial recebe efusivos parabéns.
O “Copacabana Alerta” pode ter nascido de uma proposta bem intencionada de avisar moradores do bairro sobre perigos de assaltos. Ninguém aqui está dizendo que eles não existam ou que não sejam preocupantes. Porém o grupo hoje é um ambiente pútrido. Para cada informação sobre alguma ocorrência, uma enxurrada de comentários raivosos e incentivadores de mais violência vem no rastro.
Em razão disso, existir policiais ali é algo que chama atenção. Um tenente do 19º BPM é um dos mais assíduos frequentadores do grupo. Diariamente posta fotos de blitz que realiza e tece comentários desmerecendo todo e qualquer um que condene os excessos das polícias. A esses, o tenente se refere maliciosamente como “policiólogos”.
Se um policial age fora de seu horário de trabalho, captura o bandido como um deles alegou ter feito, sem “esculachar” e nem disparar tiros, está mesmo de parabéns. Mas por que precisa daquele palanque? E se está ali fazendo parte, não vê nada de errado nas opiniões de seus colegas virtuais que desejam não justiça e sim vingança?
Por se tratar de um grupo fechado (somente seus membros podem ver o que é publicado ali) torna discutível se faz ou não uma apologia aos linchamentos. O conceito do grupo talvez não, mas os participantes individualmente praticam sim, não resta dúvida.
“O fato de o grupo ser fechado não descaracteriza o ato de apologia ao crime (art. 287). E estimular o cometimento de um crime, como incentivar pessoas a lincharem outras é incitação ao crime (Art. 286). É irrelevante se está em um grupo de facebook fechado. A incitação em si, o fato de eu estimular pessoas com potencial para cometer o crime que eu desejo, torna minha ação ainda mais eficaz”, afirma Brenno Tardelli advogado criminalista.
Em 2012, a Polícia Civil de Santa Catarina descobriu uma quadrilha que comercializava drogas e ‘fazia apologia’ ao ensinar como plantar maconha. Também era um grupo fechado no Facebook. Um policial da Diretoria Estadual de Investigações Criminal (Deic) se infiltrou no grupo e passou por usuário e comprador para conseguir provas. As conversas entre os membros do grupo foram monitoradas e gravadas e poucos dias depois a polícia cumpriu sete mandados de busca e apreensão. Por que um grupo repleto de incentivadores de linchamentos não recebe tratamento igual?
Os comentários ali publicados dão uma amostra de como os pronunciamentos irresponsáveis de gente do quilate de Rachel Sheherazade podem distorcer e agravar um quadro já bastante complexo quando recebidos por um setor da sociedade que tem um conceito de moral e de justiça um tanto perturbadores. Gente que bate panela contra corrupção mas aprova a eliminação de bandidos sem julgamento.
Com um discurso de ódio contra aqueles que classificam como ‘inimigos’, invariavelmente condenam o pessoal dos Direitos Humanos com as gracinhas rasteiras de sempre, criticam a existência de leis (para que, não é mesmo?), e são manifestamente favoráveis à redução da maioridade penal ou de atrocidades repugnantes como barrar ônibus com moradores das favelas e impedi-los de chegar à praia.
Até onde as convicções cavernosas dessas pessoas não representam perigo? Criar um grupo fechado não as isenta de responsabilidade. Podem, isso sim, terminar em grupos fechados atrás das grades. Civilizadamente, sem serem linchados.
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