quinta-feira, 5 de novembro de 2015

O belo documentário sobre Amy Winehouse cria vilões para uma história sem mocinha



por : Kiko Nogueira

“Amy” tem todas as virtudes de um documentário musical: histórias bem contadas, a conexão entre a 
vida e a obra de um gênio, o ritmo fluido, os depoimentos de virtualmente todos os que importam — 
e o efeito de fazer com que o espectador queira ouvir novamente tudo o que ela gravou, agora com 
outros ouvidos.
Alguém escreveu que Amy Winehouse tinha talento demais para um corpo tão pequeno. Encontrada 
morta aos 27, no auge, depois de um disco impecável, Amy continua sem substituta à altura. Basta 
ver o que Adele cometeu contra si mesma em seu mais recente hit histérico para notar o abismo entre 
as duas.
Em meio a imagens de Amy adolescente, menina judia de classe média, sorridente, no início da 
carreira — o pacote completo de uma jovem promessa — surge a sensação incômoda: como ela se 
transformou num farrapo?
Mais: quem foi o culpado por sua destruição e por que ninguém fez nada para impedir que o destino 
trágico que se desenhava se confirmasse?
Eis o pecado do longa. Duas pessoas são escolhidas como vilãs: o pai, o taxista Mitch, retratado 
como um oportunista que vivia da inspiração da filha e a forçava a fazer turnês em seus momentos 
de desintegração mental.
Ela conta que passou a tomar antidepressivo depois que o pai sai de casa, na esteira de um caso 
amoroso. “Adorava o chão que ele pisava”, afirma um amigo.
O outro é o namorado Blake Fielder-Civil, um junkie inútil que lhe apresenta o crack, não sai de sua 
cola, gasta seu dinheiro e chega a alugar o quarto vizinho na clínica de reabilitação em que ela se 
interna para que a farra continue (“Back to Black” é baseado na relação doentia dos dois).
É uma simplificação. O cineasta Asif Kapadia usou da mesma estratégia em “Senna”, pondo Alain 
Prost no lugar do bandido.
Amy era autodestrutiva. A mulher bomba. Alcoólatra e bulímica. Era maior de idade, também, bem 
sucedida, rica e inteligente (não tanto quanto as filhas do Nelsinho, mas ninguém é perfeito). Quem 
convence um compulsivo a parar de usar qualquer coisa se o compulsivo não quer parar?
“Amy era uma das maiores cantoras de jazz da história”, afirma Tony Bennet, que gravou com ela 
um lindo dueto de “Body and Soul”. As cenas de ambos são tocantes. Uma moça com seu ídolo, 
pedindo desculpas por errar. “E Jazzistas não gostam de cantar para 50 mil pessoas”.
A fama avassaladora foi uma surpresa para o tipo de música que ela fazia. Depois de um álbum de 
estreia de sucesso relativo (“Frank”), “Back to Black” bateu todos os recordes e ganhou todos os 
prêmios da indústria.
Um conjunto de canções com influência de jazz e soul, com letras em que a autora falava de seus 
dois amantes e se comparava a gim Tanqueray desbancou lixos comerciais como Justin Timberlake.
Não estava combinado ter 150 paparazzi na porta de sua casa em Londres e seguindo-a pelos bares, a 
pressão, a loucura. Após ganhar o Grammy e se consagrar, ela confessa para a melhor amiga: “Nada 
disso tem graça sem as drogas”.
O pai, a mãe, Tony Bennet, o marido, os vagabundos, as colegas de infância, o psiquiatra, o 
segurança — ninguém teria salvo Amy. Não há bandidos numa história sem mocinha.
O lento suicídio de Amy Winehouse foi uma escolha. E ela está viva.
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