sexta-feira, 30 de outubro de 2015

O sucesso do primeiro filme da Netflix e o beco sem saída da TV aberta


por : Kiko Nogueira

Não é apenas o modelo de negócio baseado na internet que faz o sucesso da Netflix, mas uma aposta 
na excelência do conteúdo. É isso, eventualmente, que está fazendo a diferença na corrida contra os 
dinossauros da televisão e do cinema.
Veja o caso de “Beasts of No Nation”, o primeiro filme produzido pelo canal de streaming. É o 
maior êxito da companhia, tendo sido lançado no dia 16 de outubro.
De acordo com o CEO Ted Sarandos, são 3 milhões de visualizações apenas na América do Norte. 
“Na semana de lançamento, foi o filme mais visto em cada país em que nós operamos”, disse ao site 
Deadline. Sarandos citou Japão, México e Brasil como surpresas, lugares onde “essas produções 
geralmente nem estreiam”.
A preocupação da Globo com a Netflix é compreensível. No início de novembro, a Globo Play 
começa a funcionar, com programas da emissora transmitidos pela web.
Mas é como um sessentão de jaqueta de couro tomando uísque com energético. A Globo é refém de 
seu gigantismo, da tentativa de agradar ricos, pobres e goianos e do baixo nível de sua dramaturgia. 
Quando só havia ela, era o suficiente. Não vamos esquecer do dinheiro público que ainda banca tudo 
isso. A GloboFilmes, por sua vez, leva a estética capenga da novela para as telas.
Quando surge a oportunidade de algo ousado e diferente (e lucrativo), um sujeito como José Padilha, 
produto de “Narcos”, faz negócio com quem?
A Netflix investiu em séries como “House of Cards” (com Eduardo Cunha no papel do facínora 
Frank Underwood), “Orange is the New Black”, “Lilyhammer”, “Better Caul Saul”, entre outras. O 
protagonista de “House of Cards” é um político bissexual assassino. A brilhante “Orange” tem a 
maior coleção de lésbicas da TV. Não são temas, digamos, para a família. É preciso alguma coragem.
“Beasts” não é fácil. Num país fictício da África, o pré-adolescente Agu, o narrador, vê seu vilarejo 
ser tomado pelo exército. A mãe é despachada com o bebê para a capital. Agu é capturado 
juntamente com o pai, o irmão e o avô.
Os três são fuzilados e ele foge para a floresta, onde é cooptado por uma milícia rebelde. Torna-se o 
favorito do Comandante (o grande Idris Elba, de “Mandela” e do seriado “Luther”) e o melhor amigo 
de um menino mudo chamado Strika.
O Comandante, a quem os jovens soldados têm devoção cega, o ensina a matar. Seu rito de 
passagem é esquartejar um engenheiro. Agu é uma máquina de guerra de 9 anos com saudade de 
uma infância que não viveu. Até que ele e seus companheiros resolvem tomar uma atitude. A direção 
é Cary Fukunaga, responsável por alguns episódios de “True Detective”.
É franco, brutal, honesto, violento. Chegou a ficar um tempo em cartaz em cinemas dos EUA e 
Inglaterra. Um fracasso — mas tempo suficiente para que a Netflix possa fazer a inscrição no Oscar.
“Beasts of No Nation” fala de um lugar remoto que, paradoxalmente, é muito mais familiar do que 
você jamais esperaria. Mais próximo, real e instigante do que os Jardins, Ipanema ou a periferia 
enlatada com atores de botox pós-praia que tentam te vender.
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