Para o jurista Celso Antonio Bandeira de Mello, órgãos superiores da magistratura podem
condenar o uso de prisões preventivas para obter delações premiadas na Lava Jato.
Jornal GGN - "Um homem de pouca serenidade, sempre à procura de algo para aparecer". É assim que o jurista Celso Antonio Bandeira de Mello descreve o juiz federal Sergio Moro em entrevista ao GGN, nesta sexta-feira (26). Moro conduz a Operação Lava Jato sob críticas de constitucionalistas e da defesa dos empresários acusados de formação de cartel na Petrobras, que repudiam o uso da prisão preventiva como forma de obter confissões ou acordos de delação premiada.
Para Bandeira de Mello, Moro pode ser responsabilizado por órgãos superiores da magistratura por ter lançado mão desse instrumento para coagir os réus. "Já houve magistrado [Teori Zavascki, do Supremo Tribunal Federal] que chamou de medievalescas essas atitudes de Moro. Ele não está causando boa impressão", apontou.
Em despacho contra a privação de liberdade de nove empreiteiros, Zavascki chamou as prisões preventivas de "subterfúgios" que "além de atentatório aos mais fundamentais direitos consagrados na Constituição", são de natureza "medievalesca" e "cobririam de vergonha qualquer sociedade civilizada."
Abaixo, os principais pontos da entrevista com Bandeira de Mello.
Jornal GGN - Como avalia essa nova fase da Operação Lava Jato, com foco nos grupos Odebrecht e Andrade Gutierrez?
Bandeira de Mello - Me parece mais um desses atos 'inconsiderados' do juiz Sergio Moro. Ele me parece um homem de pouca serenidade, sempre à procura de algo para aparecer, por pura vaidade. Essa é a impressão que me dá. Posso estar errado, não conheço os autos, estou falando como leitor de jornais. Mas até agora, não vi nada que justificasse as novas investidas do juiz. São interpretações [para decretar prisões preventivas] que não parecem apoiadas em fatos relevantes. Acredito que este homem não tem a serenidade de um magistrado.
GGN - A defesa da maioria dos empresários critica a prisão preventiva alegando que os argumentos para tal medida são frágeis. Em alguns veículos de comunicação, houve espaço para uma visão mais extrema, dando a entender que a ideia é chegar ao ex-presidente Lula por meio da delação desses empresários.
Bandeira de Mello - Eu não sei se é para chegar em Lula ou não. Se for, é pior ainda. É sinal de uma irresponsabilidade total [na condução da investigação]. Mas não sei se é isso. Não tenho elementos para dizer isso. O que posso dizer é que não tenho visto nada de relevante que justifique a prisão desses empresários. Desde o começo, as prisões têm sido usadas para obter delações. Mas elas têm de ser espontâneas, não fruto de coação. E a mim parece que estão coagindo as pessoas, prendendo sem base, usando a prisão além da razão de existir dela.
Minha impressão é muito desfavorável a esse juiz, para ser sincero. Já tinha ouvido da academia do Paraná que ele é um homem difícil e presunçoso. Acho que ele vai acabar sendo responsabilizado [pelo uso de prisões preventivas para arrancar confissões ou delações].
GGN - De que maneira ele poderia ser responsabilizado?
Bandeira de Mello - Responsabilizado por órgãos superiores da magistratura, e pelo próprio Conselho [Superior] da Magistratura. Já houve magistrado [Teori Zavascki] que chamou de medievalescas as atitudes de Moro. Ele não está causando boa impressão.
Há também um pouco daquele negócio de pão e circo. Pegar pessoas importantes parece que dá certo prazer em algumas pessoas. Mas é claro que se a imprensa não fosse leniente, ele não faria tudo isso. Ele se sente apoiado pela imprensa. Infelizmente, estamos assistindo a um direitismo desenfreado, uma caminhada em prol do fascismo.
GGN - A Odebrecht comprou espaço nos jornais impressos para se defender da Operação Lava Jato, e o juiz Sergio Moro não gostou do modo como a publicidade foi feita. O que chamou a atenção foi que ele - juiz da investigação, mas que também vai julgar o caso - dizer que a Odebrecht dá sinais de que não quer assumir a responsabilidade, como se já tivesse uma opinião formada sobre o papel das empresas na Lava Jato.
Bandeira de Mello - Infelizmente, parece que ele já começou com a opinião formada. É como digo: a mim não causa a mesma impressão que um magistrado. Um magistrado tem de ser um homem equidistante, sereno. A impressão que ele passa é de um vingador desses que a gente vê em filme.
GGN - Seria possível à defesa das empresas encampar alguma ação para que a figura do juiz instrutor se fizesse mais evidente, ou pelo menos não houvesse uma mistura perigosa do juiz instrutor com o juiz que vai definir as condenações?
Bandeira de Mello - Infelizmente, não existe essa figura no Brasil. O que poderia ser feito é eventualmente alguém solicitar o afastamento de Sergio Moro por falta de isenção, mas isso também é difícil de provar. Nós vamos ter que esperar que os processos que andam pelas mãos dele subam para os tribunais superiores. Pela declaração de Teori, já se vê que no órgão máximo do Judiciário, que é o Supremo, pelo menos um magistrado se manifestou de maneira bastante reticente, para não dizer contrária, ao modo Moro de agir. Acredito que, com o tempo, esse homem vai se ver mal. Por hora, com esse apoio da imprensa, vai continuar causando estragos. Só quando a imprensa tiver outro assunto para se ocupar - as Olimpíadas, por exemplo - é que ela vai deixar de dar tanto apoio à Lava Jato. Porque tudo passa, notícia vem e vai.
GGN - Essa semana o Valor Econômico noticiou que há alas do PMDB - preocupadas com a condução da Lava Jato - apoiando teses de impeachment. Eles acham que se o presidente da Odebrecht foi preso, qualquer um pode ser. E, assim, discutem a saída de Dilma esperando que Michel Temer, na Presidência da República, tenha pulso mais firme para impedir os excessos da Operação. Ele poderia trocar, por exemplo, o ministro da Justiça, que tem demonstrado pouco controle sobre a Polícia Federal. O que é possível dizer sobre isso?
Bandeira de Mello - Acho o Michel um homem muito leal. Não acho que ele entraria em jogo político para coadunar com impeachment de Dilma. Mas é claro que no PMDB há de tudo. Não estranho que existam, dentro do partido, movimentos nesse sentido. Não creio que o vice-presidente tenha embarcado nessa.
Em relação ao ministro José Eduardo Cardozo, a minha impressão é ótima, a melhor possível. Acho ele um homem extremamente preparado, grande conhecedor do Direito, e corretíssimo. Mas é possível que ele não esteja tendo o controle total da Polícia Federal. É uma corporação difícil de manejar, não imagino que seja fácil para Cardozo.
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