Ronaldo e Hawilla
Por Bruno Bonsanti, no Trivela.
Quando os agentes do FBI invadiram o hotel Baur au Lac, em Zurique, os executivos da Fifa que estavam prestes a serem presos devem ter se perguntado: “Quem nos dedurou?”. Um deles era muitíssimo conhecido porque, entre outros, cuidou da comercialização de direitos internacionais da Copa do Mundo de 2014, por meio da empresa que comprou nos anos 1980. José Hawilla, dono da Traffic, chegou a ser um dos homens mais poderosos do futebol brasileiro, e hoje, tornou-se um dos delatores premiados do mega esquema da Justiça americana contra a corrupção na Fifa.
J. Hawilla, como ficou conhecido pelo grande público, 71 anos, confessou extorsão, fraude eletrônica, lavagem de dinheiro, obstrução da justiça e concordou em devolver U$ 151 milhões (cerca de R$ 475 milhões). Segundo a Folha de S. Paulo, vive em liberdade nos EUA por causa do acordo que firmou com o governo. Aparece envolvido na negociação dos direitos comerciais dos torneios, como a Copa do Brasil, um dos primeiros que adquiriu em 1990 e manteve até agora.
Hawilla nasceu em São José do Rio Preto e ganhou a chance de mudar de vida na cidade grande por meio do futebol. Era radialista e gerenciava a Rádio de Votuporanga quando foi convidado a trabalhar na Rádio Bandeirantes. Virou repórter de campo da Rede Globo, chegou a apresentar o Globo Esporte e liderar uma greve que causou seu afastamento da emissora por cem dias. Durante o desemprego, perdeu a vontade de trabalhar para os outros. Comprou a Traffic, em 1980, à época uma empresa de anúncios de ponto de ônibus (daí o nome “tráfego”). O embrião da maior empresa de marketing esportivo do Brasil.
Mas como um jornalista do interior de São Paulo, muitas vezes chamado pela imprensa de dono do futebol brasileiro, conseguiu ganhar tanta influência a ponto de negociar os direitos de transmissão dos torneios da CBF, dos amistosos da seleção brasileira, da Libertadores, da Copa do Mundo, intermediar o milionário contrato do time então tetracampeão do mundo com a Nike, participar da criação do primeiro Mundial de Clubes da Fifa e ser considerado pela World Soccer o 56º homem mais influente do futebol? Fórmula bem simples: levando um sopro de profissionalismo a um esporte constrangedoramente amador.
É nesse vácuo que forasteiros costumam entrar no futebol. Ninguém comercializava direito as placas de publicidade em volta dos gramados dos estádios até J. Hawilla usar a sua empresa para fazer isso, e nada agrada mais os dirigentes brasileiros do que terceirizar o trabalho e apenas recolher os lucros. Sugeriu, em 1982, a Giulitte Coutinho que a CBF vendesse todos esses espaços nos torneios organizados por ela. Foi a sua porta de entrada à entidade.
A Copa do Brasil mal havia nascido, e Hawilla já havia garantido os direitos comerciais da competição. Ricardo Teixeira um dia afirmou que José Hawilla foi o primeiro a conseguir levar patrocínios a CBF que não fossem governamentais, e o contrato de dez anos em 1996 com a Nike foi o ápice disso. Os US$ 160 milhões que a empresa americana desembolsou naquela época foram o impulso financeiro que levou a entidade a se tornar milionária de uma vez por todas. Segundo a investigação americana, a brincadeira rendeu US$ 15 milhões a Teixeira e US$ 40 milhões à Traffic. Esse negócio foi alvo de uma CPI do Congresso brasileiro, mas a investigação terminou em pizza.
Ainda mais dinheiro entrou na conta corrente da empresa em 1999, quando a Hicks, Muse, Tate & Furst, parceira do Corinthians, comprou 49% da empresa brasileira. O grande negócio de Hawilla naquela época foi ajudar na criação e na divulgação do primeiro Mundial de Clubes da Fifa, realizado no Rio de Janeiro. Era detentora dos direitos de exibição da competição ao lado da TV Bandeirantes, que havia se tornado a sua parceira em 1998. Os tentáculos da Traffic estendiam-se do marketing esportivo para direitos de transmissão, organização de torneios e intermediação de contratos.
Quando o panorama do mercado de direitos comerciais começou a mudar e a concorrência cresceu, isso tudo aliado a uma profissionalização maior dos clubes, a empresa enfrentou alguns problemas e teve que se reinventar. Entrou no ramo de agenciar jogadores. O Desportivo Brasil foi fundado em 2005 para registrar os jogadores que a empresa contratava e emprestava às vitrines dos grandes clubes. Firmou uma parceria mais ativa, em 2007, com o Palmeiras, que culminou com o título do Campeonato Paulista do ano seguinte. Chegou a agenciar aproximadamente 90 jogadores, entre eles Darío Conca e Hernanes. Em 2010, colocou o pé na Europa ao comprar o Estoril Praia, de Portugal.
Novamente, pegava o vácuo do profissionalismo, mas o cenário novamente mudou. O polpudo contrato de televisão que os clubes assinaram em 2011 encheu os seus cofres, e o investimento da Traffic não era mais tão necessário. Mais uma reinvenção foi necessária, mas Hawilla já estava perdendo fôlego. Deixou o Brasil para morar nos Estados Unidos, em 2013, e deixou os seus negócios nas mãos dos filhos. Entre eles, além dos clubes e dos jogadores, as vendas dos camarotes do Allianz Parque e a comercialização dos direitos de torneios como a Libertadores e a Copa do Brasil.
Alguns anos antes, em 17 de maio de 2010, quando organizou uma festa gigante para comemorar os 30 anos da Traffic, foi tietado por Pelé, Ronaldo e Ricardo Teixeira. Recebeu a presença de Geraldo Alckmin, Gilberto Kassab e Aloysio Nunes, à época a cúpula do PSDB paulista. Faturava nas centenas de milhões de dólares e estava com mais influência do que nunca. Mal sabia que os dias de glória estavam chegando ao fim. Com Hawilla exposto, assim como suas práticas, e a multa de quase R$ 500 milhões, é perfeitamente possível questionar qual será o futuro da Traffic, ou mesmo se ela ainda tem um. Querendo ou não, é um dos personagens mais presentes do futebol brasileiro nas últimas décadas
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