sexta-feira, 28 de novembro de 2014

Leonardo Boff: Carta à Presidenta Dilma Rousseff



Estimada Presidenta Dilma Rousseff,

do site de Leonardo Boff

Nós, participantes do Grupo Emaús abaixo relacionados, queremos parabenizá-la por seu esforço e 
desempenho durante a árdua campanha eleitoral, bem como pelas conquistas de seu primeiro mandato. 
Somos um grupo de teólogos/as de várias Igrejas cristãs, sociólogos/as, educadores/as e militantes que 
nos encontramos regularmente há quatro décadas. Estamos todos comprometidos na construção de um 
Brasil, social e economicamente mais justo, solidário e sustentável.
A maioria batalhou, desde o início, em favor do PT e de seu projeto de sociedade. Nessas eleições de 
2014, muitos de nós expressamos publicamente nosso apoio à sua candidatura. Discutimos e 
polemizamos, pois, percebíamos o risco de que o projeto popular do PT, representado pela Senhora, 
não pudesse se reafirmar e consolidar. Para nós cristãos, especialmente nas milhares de comunidades 
de base, tínhamos e temos a convicção de que a participação política, de cunho democrático, popular e 
libertador, se apresenta como um instrumento para realizar os bens do Reino de Deus.
Esses valores são a centralidade dos pobres, a conquista da justiça social, a mútua ajuda, a busca 
incansável da dignidade e dos direitos dos oprimidos, a valorização do trabalhador e da trabalhadora, a 
justa partilha e o respeito pela Mãe Terra. Por isso, na linha do diálogo que a Senhora propôs à 
sociedade, queremos apresentar algumas sugestões para que seu governo continue implementando o 
projeto que tanto beneficia a sociedade brasileira, especialmente os mais vulneráveis.

O BRASIL QUE QUEREMOS
Estas são as grandes opções que, acreditamos, devem estar presentes na construção do Brasil que
queremos:

PROMOVER UMA REFORMA DO SISTEMA POLÍTICO. 
Uma reforma que acabe com o financiamento de campanhas eleitorais e partidos políticos por empresas 
privadas, e estabeleça o financiamento público. Uma reforma que possibilite a participação dos 
cidadãos e cidadãs no processo de tomada de decisões:
– sobre a política econômica;
– sobre todo e qualquer projeto que tenha forte impacto social e ambiental;
– sobre a privatização de empresas estatais e de serviços públicos.
Uma reforma que contemple também a democratização do Poder Judiciário, pois ele é, hoje, o menos 
controlado dos três poderes.
Só assim poderemos dizer que caminhamos para uma democracia política, econômica, social e cultural, 
num diálogo efetivo entre membros da sociedade política e da sociedade civil, que signifique governo 
do povo, pelo povo, para o povo.

REFORÇAR UM MODELO ECONÔMICO MAIS SOCIAL E POPULAR. 
Repensar criteriosamente a privatização de serviços públicos e de nossas riquezas naturais (entre as 
quais o petróleo). Orientar um modelo econômico centrado nas pessoas, na realização de seus direitos e 
numa relação harmoniosa com a natureza, no “bem viver” – como condição para enfrentar a grave 
crise ecológica na qual estamos imersos. Deve ficar claro para todos, assim o desejamos, que o 
governo Dilma governa todo o País, mas privilegiando os pobres e aqueles que não são capazes se 
manter por sua própria conta.

REALIZAR UMA AUDITORIA DA DÍVIDA PÚBLICA, externa e interna, conforme 
exigência de nossa Constituição (Constituição Federal, Ato das Disposições Constitucionais 
Transitórias, art. 26, 1988).
Precisamos saber a quem deve e quanto deve realmente o Brasil, e de que forma foi feita esta dívida. A 
única auditoria que o Brasil fez, em 1931, constatou que 60% da dívida eram irregular, legalmente 
inexistentes. Em 2000, tivemos um Plebiscito Popular sobre a Dívida Externa, do qual participaram 6 
milhões de pessoas, e 95% votaram pela realização da auditoria da dívida. O Equador realizou uma 
auditoria da dívida pública em 2009, e descobriu que 70% da dívida eram irregulares. 
A partir de então, passou a pagar apenas 30%, o restante foi investido em saúde e educação.

REAVALIAR OS MEGAPROJETOS À LUZ DE CRITÉRIOS ECOLÓGICOS, 
AMBIENTAIS E SOCIAIS para que não ameacem o meio ambiente e o habitat de povos indígenas,
quilombolas e populações ribeirinhas. Investir nas energias renováveis, especialmente na energia solar
visto que somos um dos países mais ensolarados do mundo. Estabelecer uma estratégia para o gradual 
fim da utilização de fontes de energia prejudiciais ao meio ambiente e perigosas à vida, como a energia 
nuclear e as termelétricas.

PROTEGER O MEIO AMBIENTE
Há anos, cientistas, movimentos sociais, entidades ambientalistas e muitas ONGs vêm advertindo para 
os sérios problemas climáticos que o Brasil teria se mantiver o tipo de desenvolvimento predatório 
implementado até agora. O que era uma previsão está ocorrendo diante de nós: a crise mais séria de 
falta de água de que já ouvimos falar, com riscos evidentes para a população, e a ocorrência de chuvas 
torrenciais, verdadeiras tempestades, em diferentes lugares do País, que causam destruição e mortes.
A desconsideração para com a Amazônia e o Cerrado, com a continuidade do desmatamento – mesmo 
que o ritmo do desmatamento tenha diminuído -, é o principal fator para as chuvas desmedidas no 
Norte e a seca no Sudeste. O Brasil precisa assumir a meta do “desmatamento zero”.
A falta d’água é fruto de vários fatores, entre os quais a desatenção para com as condições de 
vitalidade dos nossos rios, a realização de megaprojetos, a destruição das matas ciliares, a poluição das 
águas e a ausência de infraestrutura sanitária e tratamento de esgotos. O Brasil tem uma situação 
privilegiada no mundo: 13,8% da água doce estão aqui. O maior aquífero, o Alter do Chão, se 
encontra em nosso País. E, no entanto, vários de nossos rios estão secando, e começa a faltar água em 
muitos lugares. A segunda maior reserva subterrânea de água doce do mundo, o aquífero Guarani, vem 
sendo contaminado pela infiltração de agrotóxicos. Vemos como urgente uma política que privilegie 
uma mudança da nossa matriz energética em direção a energias mais limpas (solar e eólica), com 
menor impacto ambiental (grandes hidrelétricas) ou agravamento da contaminação ambiental e do 
aquecimento global (térmicas a carvão, petróleo e gás).

DEFENDER OS DIREITOS DE POVOS INDÍGENAS E QUILOMBOLAS: 
Os primeiros habitantes desta terra foram os povos indígenas. Quando os portugueses aqui chegaram, 
calcula-se que havia cerca de cinco milhões, repartidos em mais de 600 povos, com suas diferentes 
culturas e línguas. A colonização provocou um verdadeiro genocídio: povos inteiros desapareceram, 
restando, hoje, menos de um milhão e pessoas. Muitos deles não têm mais terra onde morar – eles que 
eram os donos milenares destas terras – e estão sendo dizimados, como é o caso dos Guarani-Kaiowá. 
Outros estão perdendo suas terras e, sobretudo, seus rios, para megaprojetos, para o agronegócio, para 
mineradoras. O mesmo acontece com comunidades quilombolas.
É urgente garantir os direitos constitucionais desses povos, restabelecer suas condições de vida, 
fazendo florescer toda a riqueza de sermos um País pluriétnico, pluricultural e plurilinguístico, se é que 
queremos chamar a nossa sociedade de civilização: uma civilização que não faz respeitar os direitos 
humanos não tem direito a este nome.

REALIZAR A REFORMA AGRÁRIA. Esta é uma reivindicação dos trabalhadores rurais que data 
da primeira metade do século XX, e que foi um dos motivos para o golpe militar de 1964. A ditadura 
impediu a reforma agrária, mas os governos posteriores também não a realizaram.
É uma reforma estrutural necessária para acabar com a concentração da propriedade da terra – onde 
1% dos proprietários detém quase metade da terra -, para democratizar o seu acesso, fazendo com que 
a terra se destine a quem nela queira trabalhar e produzir alimentos para a população. E garantir 
condições favoráveis para as pessoas poderem se manter no campo.

PROMOVER A REFORMA URBANA, para democratizar o direito à cidade. Que as cidades 
sejam feitas para as pessoas e não para os automóveis; investir no transporte público de qualidade, 
priorizar o uso dos trilhos (metrô, trens), reduzir o tempo de deslocamento entre casa e trabalho. 
No que diz respeito à habitação, conter a especulação imobiliária e garantir que todos tenham 
condições de morar dignamente, com pleno acesso aos serviços públicos.

RESTRINGIR TRANSGÊNICOS E AGROTÓXICOS
Até há alguns anos, havia dúvidas sobre se os transgênicos faziam mal à saúde. Este ano, um manifesto 
de 815 cientistas de todo o mundo alertou os governos de que os transgênicos representam um perigo e 
que se deveriam estabelecer uma moratória de cinco anos sem transgênicos, até que pesquisas 
independentes comprovem que fazem bem ao ser humano. É urgente uma política para reduzir, 
controlar e acabar com este tipo de plantio que está prejudicando a geração atual, mas prejudicará, 
ainda mais, as gerações futuras. E pior que isso, permite o controle de nossa agricultura por grandes 
multinacionais desta área, cujo único interesse são os lucros cada vez maiores, pondo em risco nossa 
soberania alimentar.
O mesmo se pode dizer sobre o uso de agrotóxicos: nós somos o maior consumidor de agrotóxicos em 
nível mundial. Nos países desenvolvidos, vários dos agrotóxicos que aqui ainda são usados foram 
proibidos há mais de 20 anos. Como chamou nossa atenção o cineasta Sílvio Tendler, “o veneno está 
na mesa”. É absolutamente fundamental estabelecer uma política de estrito controle sobre as 
substâncias que entram nos nossos alimentos, e reduzir sistematicamente o seu uso.

REFORMA TRIBUTÁRIA. 
Reformar o nosso sistema tributário para que ele seja progressivo, isto é, para que pague mais quem 
ganha mais, e pague menos (ou nada) quem ganha menos, o que implica que o imposto sobre a renda 
tenha mais peso que o imposto sobre o consumo.
Introduzir o imposto sobre as grandes fortunas, de modo a reduzir a enorme desigualdade social que 
caracteriza nosso País. Aumentar o imposto sobre a propriedade territorial rural, para acabar com o 
privilégio dos latifundiários. Introduzir a taxação sobre o capital financeiro (bancos e investimentos): 
“taxa sobre transações financeiras” (a famosa Taxa Tobin). Esta reforma é fundamental para reverter o 
atual sistema tributário, gerador de desigualdade.

POLÍTICA DE SEGURANÇA PÚBLICA. 
Precisamos, urgentemente, de uma nova política de segurança pública e de reforma de nosso sistema 
prisional, para que se torne regenerativo e não apenas punitivo. Estão encarcerados/as, hoje, no Brasil, 
cerca de 550 mil presos/as. A maior parte destes/as se encontram ali por crimes contra o patrimônio ou 
por tráfico de drogas, não por crimes letais. No Brasil, ocorrem cerca de 50 mil homicídios dolosos por 
ano. A maioria das vítimas é jovem, pobre, negra, e do sexo masculino. Este genocídio precisa acabar, 
e temos meios para isso. Que a segurança pública seja exercida para proteger a vida e os direitos dos 
cidadãos, e não apenas a propriedade.

DEMOCRATIZAR OS MEIOS DE COMUNICAÇÃO. 
É necessária uma legislação que torne a liberdade de informação e de expressão uma realidade para 
todos os brasileiros (e não apenas para a elite que controla a grande mídia), e que abra o espectro da 
comunicação, quebrando o atual oligopólio – que favorece unicamente a um pequeno grupo de 
grandes proprietários, em detrimento dos direitos da maioria.

UNIVERSALIZAR OS DIREITOS HUMANOS, políticos, civis, econômicos, sociais, culturais e 
ambientais, com respeito à diversidade. Garantir um sistema de saúde pública de qualidade, assim 
como de educação, transporte, saneamento básico. Que se combata, com todo o rigor, a violência 
policial, o emprego da tortura contra presos comuns e a situação degradante dos presídios superlotados.

VALORIZAR O TRABALHADOR E A TRABALHADORA: 
Garantir trabalho para todos/as. Trabalho digno e não precarizado. Redução da jornada de trabalho 
para 40 horas semanais, sem redução dos salários, como repartição dos abusivos ganhos de 
produtividade do capital. Reaparelhamento do aparato fiscalizador do Ministério do Trabalho. 
Combate à terceirização.

O CONTROLE SOCIAL DA GESTÃO PÚBLICA
, para garantir um serviço público voltado para 
os interesses dos cidadãos. É fundamental que estes possam exercer o controle da atividade 
parlamentar, assim como o controle dos governos (municipais, estaduais, federal). Reapresentar o 
projeto de Participação Social. Criar Observatórios de Controle Social (OCS) em todos os municípios 
brasileiros, formados por representantes da sociedade civil.

A ÉTICA NA POLÍTICA E DA POLÍTICA. 
O comportamento ético é essencial para a vida do cidadão e, especialmente, para aquele/a que pretende 
se dedicar ao serviço da sociedade, do bem comum, ao serviço público. Nenhuma política baseada na 
corrupção levará a uma sociedade justa, democrática, solidária e equitativa. Uma outra política é 
possível, com punições exemplares e reforma de nossas instituições, de modo a coibir a impunidade.
Aproveitamos para afirmar que nos empenharemos em colaborar, através dos meios de que dispomos, 
para que essas sugestões se tornem possíveis e façam avançar o projeto de sociedade que todos 
almejamos.
Desejamos sucesso em sua nova gestão, invocamos sobre a Senhora a lucidez e coragem do Espírito 
Criador e, sobre seu governo, todas as bênçãos divinas de luz, paz e amor solidário.
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