quinta-feira, 9 de outubro de 2014

ONDA CONSERVADORA


A Ação do Mercado

Onda conservadora

Por Guilherme Boulos

Professor de psicanálise e membro da coordenação nacional do MTST (Movimento dos 
Trabalhadores Sem-Teto). Também atua na Frente de Resistência Urbana e é autor do livro 
"Por que Ocupamos: uma Introdução à Luta dos Sem-Teto".

O último domingo revelou eleitoralmente um fenômeno que já se observava ao menos desde 2013 na 
política brasileira: a ascensão de uma onda conservadora. Conservadora não no sentido de manter o 
que está aí, mas no pior viés do conservadorismo político, econômico e moral. Uma virada à direita. 
Talvez, o recente período democrático brasileiro não tenha presenciado ainda um Congresso tão 
atrasado como o que foi agora eleito. O que já era ruim ficará ainda pior. O pântano de partidos 
intermediários, cujo único programa é o fisiologismo, cresceu consideravelmente. A bancada da bala e 
os evangélicos fundamentalistas tiveram votações expressivas em vários Estados do país.
O deputado mais votado no Rio Grande do Sul foi Luis Carlos Heinze, que recentemente defendeu a 
formação de milícias rurais para exterminar indígenas. No Pará, foi o delegado Eder Mauro. Em Goiás, 
o delegado Waldir, com um pitoresco mote de campanha que associava seu número (4500) com "45 
do calibre e 00 da algema". No Ceará foi Moroni Torgan, ex-delegado e direitista contumaz. No Rio 
de Janeiro, ninguém menos que Jair Bolsonaro, que há muito deveria estar preso e cassado por 
apologia ao crime de tortura.
Isso sem falar da cereja do bolo, São Paulo, que desde 1932 orgulha-se em ser a vanguarda do atraso. 
Alckmin foi reeleito com quase 60% de votos. Serra suplantou facilmente Suplicy e, tal como em 
2010, não teve pudores em recorrer ao conservadorismo mais apelativo. Desta vez, com a redução da 
maioridade penal como bandeira. O deputado federal mais votado foi Celso Russomano e o terceiro, o 
pastor homofóbico Marco Feliciano. Dois coronéis, Telhada e Camilo, conseguiram vagas na 
Assembleia Legislativa.
Como não falar numa onda? Onda que teve como crista a surpreendente votação de Aécio Neves para 
a presidência, que ficou apenas 8% atrás de Dilma quando todos os institutos de pesquisa apontavam o 
dobro de diferença. De São Paulo levou –direto para o aeroporto de Cláudio– 4 milhões de votos de 
vantagem em relação a Dilma.
São Paulo, que foi o berço das mobilizações de junho de 2013. Contradição? Nem tanto.
Por um lado, as jornadas de junho expressaram uma descrença de que as transformações populares se 
darão por dentro destas instituições. Foram sintoma de uma aguda crise urbana, traduzida no tema da 
mobilidade. E deixaram um legado positivo com o crescimento das mobilizações populares, ocupações 
e greves no último período. Esta vertente esquerdista de junho talvez tenha se manifestado 
eleitoralmente –além da votação no PSOL– pelo aumento das abstenções e votos inválidos. Neste ano 
somaram 29,03%, mais do que os 26,93% do primeiro turno de 2010 e do que os 26,79% que definem 
a média das eleições brasileiras desde 1994.
Mas junho teve outra vertente, que deixou rescaldos mais marcantes. A direita saiu do armário. Passou 
a adotar abertamente um discurso mais ousado e raivoso. Os velhinhos do Clube Militar tiraram a 
poeira das fardas para defender uma reedição de 64. Homofóbicos, racistas e elitistas passaram a falar 
sem pudores de suas convicções. Isso tudo se sintetizou num antipetismo feroz que correu o país. As 
ofensas a Dilma em estádios da Copa apenas repetiram o cântico que foi ecoado nas ruas meses antes.
E não foi só a elite. Alguns petistas ainda não compreenderam. Pensaram estar lidando com uma 
segunda versão do movimento "Cansei". E por isso são incapazes de entender o que ocorreu no último 
domingo. Aécio ganhou no Campo Limpo, Itaquera, Jardim São Luis, Ermelino Matarazzo e 
Sapopemba. Elite?
O que o PT teimou em não compreender é que o modelo de governo que adotou nos últimos doze 
anos chegou ao esgotamento. Junho de 2013 foi um sintoma disso. O pacto social construído por Lula 
em 2002 não funciona mais. A ideia de que todos os interesses são conciliáveis, de que todos podem 
ganhar, depende do crescimento econômico e da desmobilização das forças sociais.
O que temos hoje é o contrário. Uma sociedade muito mais polarizada e uma economia beirando a 
recessão. A mágica de agradar a todos acabou e o povo sente necessidade de mudanças. Quem teve 
força política para capitanear o discurso da mudança não foi a esquerda, mas a direita. O sentimento é 
difuso e despolitizado, por isso pôde ser encarnado farsescamente pelo PSDB após o declínio de 
Marina Silva.
Este segundo turno será um divisor de águas. A burguesia brasileira provavelmente se alinhará em 
bloco com Aécio Neves, seu candidato puro sangue. Se o PT quiser disputar o discurso direitista com 
Aécio corre grave risco de ser derrotado e ainda sair desmoralizado para uma eventual oposição a partir 
de 2015.
Outra alternativa que tem é apontar o rumo de transformações populares para o próximo mandato, o 
que não fez nos últimos doze anos. Fazer o combate pela esquerda. Se o fizer, terá um preço a pagar 
em relação à base aliada e aos financiadores. Dificilmente o fará.
O mais provável é que recorra a uma retórica semelhante à de 2006 contra Alckmin, dos de baixo 
contra os de cima, sem maior consequência prática. Mas o momento é outro e o discurso da mudança 
está com muito mais capilaridade inclusive entre os de baixo. A eficácia pode não ser a mesma. 
A onda conservadora está vindo com força e, agora ou em 2015, obrigará o PT a reposicionar-se na 
conjuntura, para lá ou para cá.
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