terça-feira, 26 de agosto de 2014

A morte do grande capitão Antonio Ermirio



Luis Nassif

Meu primeiro contato com Antonio Ermíriod e Morais foi ainda em plena ditadura, início dos anos 80.
Jovem repórter de Economia, fui convidado pela produção do programa A Voz do Povo - da TV Cultura - para participar da entrevista com ele. O âncora era o radialista Salomão Esper.
Preparei um repertório de perguntas apimentado. O que ele achava dos erros da Ferrovia do Aço? E da Transamazônica? E da política econômica de Delfim Netto?
Para minha surpresa, cada pergunta era uma levantada de bola para cortadas certeiras contra o regime militar, contra os erros da política econômica. Creio ter sido a primeira manifestação explícita de um grande empresário contra o regime militar, rompendo um pacto que vinha desde os tempos do "milagre".
Durante muitos e muitos anos, cada vez que cruzava com ele - na maior parte das vezes nos almoços no Hotel Cá D'Oro, Antonio Ermirio lembrava-me daquela entrevista.
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Ao longo dos anos, não se limitou apenas a ser o maior empresário brasileiro. Tornou-se a liderança mais legítima do empresariado paulista.
Nem se pense que tinha olhos para o futuro. Demorou muito tempo para que seu grupo adotasse os computadores pessoais. As condições de trabalho de suas empresas não eram modelares, especialmente ao chão das fábricas. E atuava no cartel do cimento.
Herdando o conjunto das empresas do seu pai, Antonio Ermírio e o irmão José Ermínio passaram a investir pesadamente na indústria de base.
Trazia vivo o discurso do trabalho sobre a especulação, do projeto de país sobre a visão estreita da maioria de seus pares. Era um industrial em estado puro, embora, em algum momento da vida, tivesse feito algumas incursões pelo sistema bancário.
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Era obcecado pelo trabalho, a ponto de atribuir o baixo desenvolvimento brasileiro ao acomodamento e ao excesso de feriados.
Mas abominava qualquer forma de exibicionismo. Saía da sede da empresa, na praça Ramos, e caminhava por uma cidade até então tranquila até a rua Augusta, com seus ternos mal ajambrados, para o almoço semanal com seu amigo e futuro biógrafo José Pastore.
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Ainda no período da ditadura, apoiou partidos clandestinos e a imprensa alternativa da época. No início dos anos 80, participou da ajuda para a recuperação do jornal O Estado de S. Paulo
Mas enveredou pela política mesmo no final dos anos 80, candidatando-se a senador por São Paulo e a governador. E não sendo bem sucedido.
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Na área social, bancou por muito tempo a Beneficência Portuguesa. Aliás, beneficência e remédios eram algumas de suas ideias fixas.
Tinha apenas um rim e uma obsessão pela Vitamina C. Não perdia oportunidade de aconselhar as pessoas sobre as qualidades da vitamina.
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Não havia nada de mais cativante do que sua simplicidade. Não era o jogo de cena, o populismo, mas a expressão sincera de que sabia que havia mais coisas na vida do que a mera acumulação de riqueza.
O resultado foi uma família discreta, unida que, ao contrário de tantos exemplos de empresas familiares, conseguiu preservar o grupo. O único momento de risco foi a incursão na área que o velho Antonio Ermirio abominava: o Banco Votorantim.
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