por : Paulo Nogueira
Vamos ouvir falar muito dos 20 anos do Plano Real, mas por motivos muito mais políticos e eleitoreiros do que por razões cívicas e históricas.
Isso ficou claro na capa desta semana da Veja. Uma bomba relógio sugeria que a estabilidade econômica – o principal feito do Plano Real – está prestes a explodir por culpa sabemos bem de quem, na visão da Veja.
A mensagem central dos que lembrarem efusivamente o Real é exatamente esta: a inflação está aí e temos que tirar os petistas do poder.
É, naturalmente, uma falácia eleitoreira.
As duas décadas do Real merecem algumas considerações que só o tempo permite.
A mais importante é que quem criou a hiperinflação – num determinado momento a taxa voava a 80% ao mês, sob o ministro Mailson da Nóbrega, hoje dando aulas de economia por aí – foi o mesmo grupo que hoje quer voltar ao poder.
Numa definição mais ampla, os conservadores. Ou, numa linguagem que me é mais cara, o 1%.
Repito: o 1% fez a hiperinflação e hoje, cinicamente, tenta se apresentar como detentor da fórmula de debelá-la.
A inflação, no início dos anos 60, era uma coisa. Com a ditadura militar, o problema virou crônico e crescente graças a uma das mais desastrosas invenções econômicas da história brasileira: a correção monetária.
O criador foi uma das figuras mais reverenciadas da direita brasileira: o economista Roberto Campos, Bob Fields para a esquerda, homem forte da economia do primeiro governo militar, o do general Castello Branco.
Campos criou um monstro. A correção monetária, que deveria proteger o dinheiro, acabou por se tornar um combustível impiedoso para a inflação.
Planos e mais planos econômicos fracassaram na tentativa de liquidar a inflação por conta, antes e acima de tudo, do mecanismo de correção criado por Roberto Campos.
Sempre houve, também, uma má vontade potente do 1% em enfrentar para valer a inflação. Por motivos óbvios: o 1% sempre ganhou muito com a inflação.
Quem perdia com a inflação eram os pobres, que não tinham sofisticadas aplicações financeiras à disposição para proteger seu patrimônio esquálido.
A inflação era um fator a mais de desigualdade no Brasil. Os ricos – sobretudo os bancos, mas não só eles – ganharam muito dinheiro com ela.
Alguém tinha que ceder para que a estabilidade viesse – mas a elite só aceitou fazer alguma forma de sacrifício quando a situação se tornara simplesmente insustentável.
Foi aí que entrou em cena o Plano Real.
Outra vez: a doença econômica fora criada exatamente pelos conservadores que hoje fingem ter a exclusividade da cura. Mais que isso: pretendem não ter nada a ver com a origem do mal.
O PT, por mais erros que tenha cometido nestes doze anos de poder, já mostrou que é absolutamente capaz de controlar os preços. As estatísticas mostram que a inflação média sob FHC foi maior do que sob Lula e sob Dilma.
Mais que tudo, duas décadas depois, o maior drama econômico nacional está longe de ser a inflação.
O real pesadelo se chama desigualdade social.
Esta deveria ser a prioridade nacional nestes dias: reduzir a abjeta iniquidade que marca o Brasil.
Os níveis de desigualdade brasileiro equivalem aos da Europa de 100 anos atrás.
Números recém-publicados mostram que no processo de redução da desigualdade dos últimos anos o 1% não perdeu nada.
O que o Brasil exige, hoje, é um plano – já que falamos do Real – que retire a sociedade dos extremos de opulência e miséria.
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