quinta-feira, 31 de julho de 2014

Parem o avião, que Tombini sumiu



Luis Nassif

Recentemente escrevi aqui sobre "A ciência demência das metas inflacionárias" (http://jornalggn.com.br/noticia/brasil-2015-a-ciencia-demencia-das-metas-inflacionarias). Nele menciono um certo procedimento intelectual brilhantemente descrito por Olavo de Carvalho nos anos 90:
"O intelectual descobre determinada teoria. Graças a ela, torna-se conhecido, faz carreira, deve tudo a ela. Aí começa a olhar a realidade e percebe sinais incômodos, que desmentem a sua teoria. Mas, como ele é um intelectual, trata logo de desenvolver uma nova teoria para explicar que aquilo que ele está vendo não existe. Essa parece ser a relação do presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, e de toda a cadeia de economistas de planilha, com a teoria das metas inflacionárias".
Vamos conferir na prática.
Critica-se muito Guido Mantega, Ministro da Fazenda, e Arno Agustini, Secretário do Tesouro, por insucessos da política econômica de Dilma Rousseff. No entanto, as duas batalhas centrais do governo Dilma foram perdidas pelo general Alexandre Tombini, presidente do Banco Central.
A primeira, no início do governo Dilma, quando adotou uma série de medidas ditas "prudenciais" para desaquecer a economia. Exagerou. Na época, indaguei se Dilma estava preparada para conviver com um crescimento abaixo de 4%.
A segunda quando deu início à brilhante tentativa de trazer a Selic para níveis civilizados, mas piscou e entregou os pontos ao primeiro sinal de refluxo da inflação - ainda que provocado por fatores externos. Aí esqueceu as medidas "prudenciais" e rendeu-se ao que o mercado queria: Selic alta.
Depois disso, Tombini passou a desenvolver as teses mais complexas - e, muitas vezes, falsas - para justificar a não-ação, para não sair mais do manual, não se expor mais às críticas na hipótese de reduzir a taxa Selic.
-Na última rodada do Copom (Comitê de Política Monetária) o próprio mercado aguardava uma queda da Selic devido aos riscos de recessão no ar.
No entanto, o BC manteve a Selic inalterada, enfatizou a manutenção dela em patamares elevados. E, paradoxalmente, flexibilizou o crédito.
Como assim?
O "forward guidance" de Tombini
Confira a lógica do BC no artigo de Alex Ribeiro, no jornal O Valor - "O Banco Central e o 'forward guidance'"http://www.valor.com.br/brasil/3633168/o-banco-central-e-o-forward-guidance). Hoje em dia Alex é provavelmente o melhor intérprete dos estudos do BC. Tem escrito alguns artigos preciosos sobre novas metodologias de montagem de cenários.
Todo o empenho do BC é demonstrar que não houve incongruência entre a decisão de manter elevada a Selic e de flexibilizar o crédito. Ora, o supostamente o canal de crédito é o principal veículo de influência da Selic. Se a intenção é segurar o crédito, porque a flexibilização?
O primeiro passo é dar uma aparência rebuscada a princípios básicos de política monetária.
Esse termo - "forward guidance" - significa o BC abrir o jogo sobre os cenários com que trabalha e o que pretende fazer com as taxas de juros, mostrando os pontos que, no futuro, poderá fazê-lo manter ou mudar a política.
O ponto central do sistema de metas inflacionárias é a previsibilidade: os agentes econômicos saberem o que o BC pensa e faz para convergir suas atitudes e expectativas na mesma direção. Tombini veste o velho princípio com roupas da moda - "forward guidance" - e apresenta-o como um avanço teórico do sistema de metas inflacionárias.
A recessão de 1995
Para montar seus cenários, o BC trabalha fundamentalmente com indicadores.
Indicadores econômicos têm defasagem no tempo, especialmente em momentos de inflexão da economia - quando a economia explode ou afunda. Como há uma infinidade de indicadores, é relativamente fácil montar análises enviesadas. Basta juntar os negativos, para um cenário pessimista; ou os positivos, para um cenário otimista.
A montagem dos cenários corretos depende da capacidade do analista em identificar a resultante final. E esse é um campo que depende, em muito, de arte e experiência. Caso contrário, haverá a trombada fatal com a realidade.
Foi o que aconteceu em 1995 - conforme narro no meu livro "O jornalismo dos anos 90".
No segundo semestre de 1994, por conta do Real, houve uma explosão de consumo na economia, agravada pela apreciação do real. Essa explosão provocou, por sua vez, uma expansão inédita no crédito das empresas para adequar seu capital de giro à nova realidade.
Em fins de 1994 havia sinais claros de reversão nas vendas. Em todo canto do país que eu visitava, a conversa era a mesma sobre o início das dificuldades.
De fato, o câmbio destruiu a economia agrícola, afetando primeiro o interior. E essa crise, mais cedo ou mais tarde bateria na atividade industrial e nas grandes cidades.
Percebendo que as vendas despencariam, as empresas começaram o caminho de volta para o nível anterior de estoques. Acontece que o crédito tem prazos. Assim, a redução do crédito se dava à medida em que os contratos iam vencendo e elas iam renovando.
Em abril, no entanto, o BC jogou os juros para inacreditáveis 45% ao ano. Todas as empresas ficaram prisioneiras das novas taxas. A queda de vendas impedia a liquidação do contrato e as novas taxas tornavam inviável a quitação do novo financiamento.
Ao aumentar os juros para inacreditáveis 45% ao ano, o BC aprisionou-os nas dívidas existentes. Não lhes permitiu continuar a redução de forma organizada. E criou o maior endividamento circular da história.
Os radares do BC e da Secretaria de Política Econômica da Fazenda não captaram esse movimento, porque estavam ligadas exclusivamente nos indicadores de mercado e nas estatísticas fiscais e de alguns grandes setores. E fixaram-se nas estatísticas erradas.
Esse erro foi admitido publicamente por José Roberto Mendonça de Barros, Secretário de Política Econômica, em fins de maio - quando já era tarde para corrigir. E pelo próprio FHC em fins de junho, quando Inês era morta.
A recessão de 2014
Tudo indica que a economia está caminhando para a recessão - muito longe da guinada violenta de 1995, mas ainda assim, recessão.
Os sinais já podem ser encontrados nas viagens a várias cidades do interior, nas conversas com associações de pequeno empresários, nas conversas com pequenas empresas têxteis, de calçados, justamente aquelas mais beneficiadas pelo boom de consumo.
A recessão está desenhada nos próprios indicadores econômicos, no desempenho do PIB, na queda de vendas de setores importantes. Aliás, até o maior dos agregados - o PIB - indica a ameaça de uma recessão.
Mas o BC baseia-se em grandes agregados, que têm efeito defasagem, e seleciona as esttísticas que ajudam a manter seu cenário de imobilidade.
Tem medo de respirar e levar chumbo e, aí, o pensamento burocrático de Tombini o faz desenhar o cenário que mais se adeque à estratégia de não fazer nada para ver como é que fica.
Segundo o relatório de junho, "a demanda agregada tende a se apresentar relativamente robusta", porque seguem presentes fatores que vão ajudar a sustentá-la.
Quais são os fatores?
"Um deles é o crédito, cuja expansão neste ano está prevista em 12%, que está longe de ser baixa. O chefe do Departamento Econômico do Banco Central, Túlio Maciel, disse que as medidas de estímulo ao crédito anunciadas na semana passada reduzem as chances de que a projeção do BC para o crédito sejam revistas para baixo".
Ou seja, ele injetou a tal flexibilização apenas para reforçar seu cenário e ter álibi para nada fazer com a Selic.
E vai além. Todos os indicadores do BC, para desenhar seu cenário de economia robusta, apontam para cima: desemprego historicamente baixo, com salários crescendo em termos reais, consumo do governo segue alto, o "quantum" exportado se expande.
Aliás, a alta da Selic em dezembro de 2008 deu-se em um cenário de "economia robusta", segundo o BC. O mundo despencando, a economia brasileira indo atrás e o BC falando em "economia robusta". E, por trás dessa fantasia, o próprio diretor Tombini.
Agora, depois de tanta formosura no ar, o BC não consegue entender a queda nos índices de confiança. Diz que a queda do índice "é uma interrogação".
A interrogação não é característica do fato, mas do intérprete do fato. O BC - cuja atuação central é em cima das expectativas - não consegue entender como, estando tudo bom, o doente (as expectativas) vai mal. Como ele não entende, joga a queda das expectativas no lixo das "interrogações" e a esquece.
Mais ainda. Segundo Ribeiro, em dezembro de 2013, o BC publicou um estudo no seu Relatório de Inflação mostrando vínculo importante de alguns desses indicadores com a atividade econômica. Mas no ponto central - o Índice de Confiança do Consumidor -, "essa relação ainda não ficou bem estabelecida".
Fantástico! Tirou da planilha a informação que não bate com seu desejo.
Há uma recessão a caminho. E esse diagnóstico tortuoso do BC não será rebatido pelo reconhecido brilho analítico da Fazenda. Não há contrapontos dentro da equipe econômica.
Seria bom Dilma precaver-se e ouvir vozes mais sensatas. Para salvar sua cara junto ao mercado, Tombini pressiona a dívida pública, em um momento em que um dos fatores centrais de expectativa são as contas fiscais.
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