Castelo Branco (dir) não ouviu o dono do Estadão
por : Paulo Nogueira
Que as relações entre os donos das empresas de jornalismo e os generais da ditadura eram próximas e promíscuas, é um fato de conhecimento geral.
O que é menos conhecido são as circunstâncias em que se deram algumas rupturas.
O afastamento entre os Mesquitas e a ditadura é, sob certos aspectos, cômico. Ele está narrado no livro de memórias de um civil que ocupou cargos importantes na ditadura, Armando Falcão.
O livro ganha nova atualidade agora que se completa meio século do golpe militar que tanto contribuiu para transformar o Brasil num campeão mundial de iniquidade social.
O nome do livro é Tudo a Declarar, uma alusão a uma frase clássica de Falcão em seus dias de poder. Sempre que jornalistas lhe faziam alguma pergunta menos banal, ele dizia: “Nada a declarar”.
No caso do Estadão, a origem da ruptura estava numa coisa que os barões da mídia adoram fazer em governos amigos: indicar nomes de amigos para os ministérios.
(Sabe-se que Roberto Marinho participava diretamente da nomeação dos ministros das Comunicações, o que garantia vida mansa e próspera para a Globo em sucessivos governos.)
O dono do Estadão, Júlio de Mesquita Filho, conta Falcão, tinha sido convidado por Castelo Branco – o primeiro presidente da ditadura – para uma conversa no Rio sobre a montagem do seu ministério.
Antes do encontro com Castelo, Mesquita se avistou com Carlos Lacerda, governador da Guanabara.
Lacerda, o Corvo, foi um homem que conspirou contra vários presidentes na esperança de se tornar ele próprio presidente, o que – num caso de sublime justiça poética – jamais ocorreria.
Mesquita disse a Lacerda a natureza de seu encontro com Castelo Branco. Não quis dizer os nomes que ia indicar, mas Lacerda tanto o espremeu que ele revelou.
Lacerda matou os dois na conversa.
Uma das indicações era o deputado Raul Pila para o ministério da Educação.
Lacerda atalhou: “Doutor Júlio, pelo amor de Deus! O deputado Raul Pila é um grande homem, um apóstolo na luta pelo parlamentarismo. É admirado pelo espírito público, pela coerência, pelo idealismo. Mas, agora, é um homem inadequado para a função. É surdo, quase totalmente surdo. Só escuta com o aparelho. E está caminhando, suponho, para os 80 anos. Como é que o senhor quer colocar um homem assim na Educação?”
Mesquita, como se vê, não era exatamente um bom montador de times. Isso custaria caro para seu jornal.
Mesquita não se deteve com as palavras ferinas de Lacerda: levou seus dois nomes para Castelo Branco. Classificava-os como “irrecusáveis”.
Mas Castelo Branco recusou ambos, e ali começou o afastamento que levaria o Estadão, anos depois, a publicar receitas em textos censurados.
Não demoraria muito e Lacerda também romperia com Castelo Branco. A real motivação é que Lacerda queria apoio de Castelo para ser presidente.
Estavam marcadas eleições presidenciais para 1965 e, como Serra depois de FHC, Lacerda tinha certeza de que chegara sua vez.
Mas o mandato de Castelo foi prorrogado, e eleições presidenciais só haveria dali a 24 anos, em 1989.
A ruptura definitiva entre Lacerda e Castelo veio quando Lacerda definiu Castelo como um homem “mais feio por dentro do que por fora”.
Dada a avassaladora feiúra física de Castelo Branco, um homem atarracado e sem pescoço, era de imaginar o que Lacerda pensava das virtudes morais de Castelo.
Quanto ao Doutor Júlio, voltou a São Paulo humilhado e ofendido, em sua arrogância aristocrática – e logo continuaria a se dedicar à obra magna de sua vida: tornar o Estadão um jornal completamente desconectado do chamado Zeitgeist, o espírito do tempo.
Ficaria fácil para a Folha ultrapassá-lo, na década de 1980. O Brasil se transformara. O regime militar se esfacelava. Mas o Estadão achava que seu papel na redecratização era publicar receitas ridículas.
Como jornal relevante, o Estadão morreria ali. Desde então, é um morto vivo, agora bem mais morto que vivo por conta da internet.
Que as relações entre os donos das empresas de jornalismo e os generais da ditadura eram próximas e promíscuas, é um fato de conhecimento geral.
O que é menos conhecido são as circunstâncias em que se deram algumas rupturas.
O afastamento entre os Mesquitas e a ditadura é, sob certos aspectos, cômico. Ele está narrado no livro de memórias de um civil que ocupou cargos importantes na ditadura, Armando Falcão.
O livro ganha nova atualidade agora que se completa meio século do golpe militar que tanto contribuiu para transformar o Brasil num campeão mundial de iniquidade social.
O nome do livro é Tudo a Declarar, uma alusão a uma frase clássica de Falcão em seus dias de poder. Sempre que jornalistas lhe faziam alguma pergunta menos banal, ele dizia: “Nada a declarar”.
No caso do Estadão, a origem da ruptura estava numa coisa que os barões da mídia adoram fazer em governos amigos: indicar nomes de amigos para os ministérios.
(Sabe-se que Roberto Marinho participava diretamente da nomeação dos ministros das Comunicações, o que garantia vida mansa e próspera para a Globo em sucessivos governos.)
O dono do Estadão, Júlio de Mesquita Filho, conta Falcão, tinha sido convidado por Castelo Branco – o primeiro presidente da ditadura – para uma conversa no Rio sobre a montagem do seu ministério.
Antes do encontro com Castelo, Mesquita se avistou com Carlos Lacerda, governador da Guanabara.
Lacerda, o Corvo, foi um homem que conspirou contra vários presidentes na esperança de se tornar ele próprio presidente, o que – num caso de sublime justiça poética – jamais ocorreria.
Mesquita disse a Lacerda a natureza de seu encontro com Castelo Branco. Não quis dizer os nomes que ia indicar, mas Lacerda tanto o espremeu que ele revelou.
Lacerda matou os dois na conversa.
Uma das indicações era o deputado Raul Pila para o ministério da Educação.
Lacerda atalhou: “Doutor Júlio, pelo amor de Deus! O deputado Raul Pila é um grande homem, um apóstolo na luta pelo parlamentarismo. É admirado pelo espírito público, pela coerência, pelo idealismo. Mas, agora, é um homem inadequado para a função. É surdo, quase totalmente surdo. Só escuta com o aparelho. E está caminhando, suponho, para os 80 anos. Como é que o senhor quer colocar um homem assim na Educação?”
Mesquita, como se vê, não era exatamente um bom montador de times. Isso custaria caro para seu jornal.
Mesquita não se deteve com as palavras ferinas de Lacerda: levou seus dois nomes para Castelo Branco. Classificava-os como “irrecusáveis”.
Mas Castelo Branco recusou ambos, e ali começou o afastamento que levaria o Estadão, anos depois, a publicar receitas em textos censurados.
Não demoraria muito e Lacerda também romperia com Castelo Branco. A real motivação é que Lacerda queria apoio de Castelo para ser presidente.
Estavam marcadas eleições presidenciais para 1965 e, como Serra depois de FHC, Lacerda tinha certeza de que chegara sua vez.
Mas o mandato de Castelo foi prorrogado, e eleições presidenciais só haveria dali a 24 anos, em 1989.
A ruptura definitiva entre Lacerda e Castelo veio quando Lacerda definiu Castelo como um homem “mais feio por dentro do que por fora”.
Dada a avassaladora feiúra física de Castelo Branco, um homem atarracado e sem pescoço, era de imaginar o que Lacerda pensava das virtudes morais de Castelo.
Quanto ao Doutor Júlio, voltou a São Paulo humilhado e ofendido, em sua arrogância aristocrática – e logo continuaria a se dedicar à obra magna de sua vida: tornar o Estadão um jornal completamente desconectado do chamado Zeitgeist, o espírito do tempo.
Ficaria fácil para a Folha ultrapassá-lo, na década de 1980. O Brasil se transformara. O regime militar se esfacelava. Mas o Estadão achava que seu papel na redecratização era publicar receitas ridículas.
Como jornal relevante, o Estadão morreria ali. Desde então, é um morto vivo, agora bem mais morto que vivo por conta da internet.
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