Lincoln, Vargas e Chávez, as biografias que revelam o que vai pela cabeça e o que inspira atos e falas do ex-presidente.
Por André Barrocal na Carta Capital
O ex-presidente Lula nunca escondeu ter dedicado pouco tempo aos livros. Com raiz sertaneja e formação em escola técnica e no chão de fábrica, seu aprendizado humano e político calcou-se no empirismo e na intuição. Mas a vida depois do poder tornou-o um leitor mais curioso. E o que tem passado pelos olhos de Lula em viagens ou depois do almoço diz muito sobre o que vai pela cabeça do petista, ainda uma liderança atuante.
Por André Barrocal na Carta Capital
O ex-presidente Lula nunca escondeu ter dedicado pouco tempo aos livros. Com raiz sertaneja e formação em escola técnica e no chão de fábrica, seu aprendizado humano e político calcou-se no empirismo e na intuição. Mas a vida depois do poder tornou-o um leitor mais curioso. E o que tem passado pelos olhos de Lula em viagens ou depois do almoço diz muito sobre o que vai pela cabeça do petista, ainda uma liderança atuante.
Na biblioteca do Instituto Lula no bairro do Ipiranga, em São Paulo, encontram-se as biografias de três líderes que fizeram História. São personagens de épocas, perfis e lugares diferentes, mas com pontos de contato com o brasileiro e seu governo: o norte-americano Abraham Lincoln, o venezuelano Hugo Chávez e o conterrâneo Getúlio Vargas.
Lincoln parte do que teria sido a principal marca dele para a autora, a compatriota historiadora Doris Kearns Goodwin: a habilidade para contornar adversários e adversidades. O título original do livro é bem mais revelador, Time de Rivais – O Gênio Político de Abraham Lincoln. O batismo explica-se por Lincoln ter abrigado no próprio gabinete durante seu governo (1861-1865) três candidatos que havia derrotado nas primárias do Partido Republicano.
A biografia é de 2005, mas só ganhou versão no Brasil em janeiro, no embalo do filme de Steven Spielberg. Nas telas, a narrativa concentra-se na luta do presidente para arrancar do Congresso o fim da escravidão e, assim, acabar com a guerra civil. Unido e sem escravos, os EUA inauguraram uma era de desenvolvimento baseado no mercado interno que levou os republicanos a reinarem nas urnas (elegeram 12 dos 16 presidentes em 72 anos). O domínio só foi encerrado pelo democrata Franklin Roosevelt, depois da quebra da Bolsa de Nova York em 1929.
A geração de renda e emprego na gestão Lula também serviu de base para o Brasil constituir um grande mercado interno pela primeira vez na história. Mas a intersecção entre os dois-presidentes parece ir além, na visão do brasileiro. “Fiquei impressionado como a imprensa batia no Lincoln, igualzinho batem em mim”, disse Lula na comemoração dos 30 anos da Central Única dos Trabalhadores (CUT), em fevereiro.
A relação com a mídia é um dos aspectos a unir Lula e Chávez, biografado em Comandante por um jornalista irlandês. Rory Carroll trabalhou em Caracas de 2006 a 2012, a serviço do jornal britânico The Guardian. Lançou o livro em março, mês da morte do presidente.
A obra relata a transformação econômica e social da Venezuela promovida por alguém que, como Lula, tinha o rosto da maioria e o ódio da minoria. Mas é repudiada pelos chavistas, por narrar casos de corrupção e intrigas no governo do coronel (1999-2012). Nestes trechos, mostra-se desafiadora para alguém como Lula, um simpatizante da Revolução Bolivariana.
Foi com o apoio de brasileiros indicados por Lula, por exemplo, que Chávez disputou sua última eleição, em 2012. O intercâmbio entre os dois deixou no petista a sensação de que Chávez acertou na estratégia adotada para enfrentar a imprensa: apoiar novos espaços midiáticos para ele e seus apoiadores terem como se contrapor à visão expressa pelos veículos de comunicação tradicionais.
O caminho tem sido seguido pelo presidente Nicolás Maduro, mas Lula acha que talvez não baste para que o Socialismo do Século XXI siga no ritmo ditado por Chávez, dono de um carisma e uma força individual incomparáveis. Eis a razão pela qual aconselhou Maduro a maneirar, ao se encontrar com ele em Brasília em maio: “Você não é o Chávez”.
A percepção sobre a importância do carisma no rumo de um governo ajuda a entender por que Lula defende Dilma Rousseff de críticas da imprensa de modo mais firme do que a própria presidenta, responsável por uma relação amena com a mídia. “Eles estão com preconceito contra a Dilma maior do que tinham contra mim”, disse ele em um evento do movimento negro no fim de julho.
O confronto de Getúlio Vargas com a imprensa e a elite nos moldes em que Lula travou e ainda trava será conhecido em detalhes pelo ex-presidente em 2014, com a conclusão da trilogia sobre o gaúcho escrita pelo jornalista cearense Lira Neto. O último livro enfocará o governo eleito em 1950 e encerrado em 1954 com o suicídio de Vargas, clímax da crise deflagrada pelo atentado ao jornalista Carlos Lacerda, um ícone do cerco da imprensa ao presidente.
Por ora, Lula lê um exemplar do segundo volume, Getúlio (1930-1945): Do governo provisório à ditadura do Estado Novo, a ser lançado oficialmente em agosto. Abrange a fase autoritária de Vargas, época de censura, fechamento do Congresso e dos partidos. O discurso contra os partidos e a política usado na implantação do Estado Novo em 1937 fez Lula preocupar-se com o tom dos recentes protestos pelo Brasil. E despertou-lhe vontade de ler O Analfabeto Político, do dramaturgo alemão Bertold Brech, uma condenação veemente da alienação.
Curiosamente, foi como ditador que em 1943 Vargas baixou a CLT, símbolo do emprego e dos direitos trabalhistas, outro ponto de aproximação com Lula. Em dez anos de governo petista, foram criadas 19 milhões de vagas formais. Quando o livro chegar às lojas, em agosto, terá na contracapa textos do próprio ex-presidente e seu antecessor, Fernando Henrique Cardoso, que governou decidido a enterrar a herança de Vargas. Vai ser interessante comparar o que os dois têm a dizer.
Lincoln parte do que teria sido a principal marca dele para a autora, a compatriota historiadora Doris Kearns Goodwin: a habilidade para contornar adversários e adversidades. O título original do livro é bem mais revelador, Time de Rivais – O Gênio Político de Abraham Lincoln. O batismo explica-se por Lincoln ter abrigado no próprio gabinete durante seu governo (1861-1865) três candidatos que havia derrotado nas primárias do Partido Republicano.
A biografia é de 2005, mas só ganhou versão no Brasil em janeiro, no embalo do filme de Steven Spielberg. Nas telas, a narrativa concentra-se na luta do presidente para arrancar do Congresso o fim da escravidão e, assim, acabar com a guerra civil. Unido e sem escravos, os EUA inauguraram uma era de desenvolvimento baseado no mercado interno que levou os republicanos a reinarem nas urnas (elegeram 12 dos 16 presidentes em 72 anos). O domínio só foi encerrado pelo democrata Franklin Roosevelt, depois da quebra da Bolsa de Nova York em 1929.
A geração de renda e emprego na gestão Lula também serviu de base para o Brasil constituir um grande mercado interno pela primeira vez na história. Mas a intersecção entre os dois-presidentes parece ir além, na visão do brasileiro. “Fiquei impressionado como a imprensa batia no Lincoln, igualzinho batem em mim”, disse Lula na comemoração dos 30 anos da Central Única dos Trabalhadores (CUT), em fevereiro.
A relação com a mídia é um dos aspectos a unir Lula e Chávez, biografado em Comandante por um jornalista irlandês. Rory Carroll trabalhou em Caracas de 2006 a 2012, a serviço do jornal britânico The Guardian. Lançou o livro em março, mês da morte do presidente.
A obra relata a transformação econômica e social da Venezuela promovida por alguém que, como Lula, tinha o rosto da maioria e o ódio da minoria. Mas é repudiada pelos chavistas, por narrar casos de corrupção e intrigas no governo do coronel (1999-2012). Nestes trechos, mostra-se desafiadora para alguém como Lula, um simpatizante da Revolução Bolivariana.
Foi com o apoio de brasileiros indicados por Lula, por exemplo, que Chávez disputou sua última eleição, em 2012. O intercâmbio entre os dois deixou no petista a sensação de que Chávez acertou na estratégia adotada para enfrentar a imprensa: apoiar novos espaços midiáticos para ele e seus apoiadores terem como se contrapor à visão expressa pelos veículos de comunicação tradicionais.
O caminho tem sido seguido pelo presidente Nicolás Maduro, mas Lula acha que talvez não baste para que o Socialismo do Século XXI siga no ritmo ditado por Chávez, dono de um carisma e uma força individual incomparáveis. Eis a razão pela qual aconselhou Maduro a maneirar, ao se encontrar com ele em Brasília em maio: “Você não é o Chávez”.
A percepção sobre a importância do carisma no rumo de um governo ajuda a entender por que Lula defende Dilma Rousseff de críticas da imprensa de modo mais firme do que a própria presidenta, responsável por uma relação amena com a mídia. “Eles estão com preconceito contra a Dilma maior do que tinham contra mim”, disse ele em um evento do movimento negro no fim de julho.
O confronto de Getúlio Vargas com a imprensa e a elite nos moldes em que Lula travou e ainda trava será conhecido em detalhes pelo ex-presidente em 2014, com a conclusão da trilogia sobre o gaúcho escrita pelo jornalista cearense Lira Neto. O último livro enfocará o governo eleito em 1950 e encerrado em 1954 com o suicídio de Vargas, clímax da crise deflagrada pelo atentado ao jornalista Carlos Lacerda, um ícone do cerco da imprensa ao presidente.
Por ora, Lula lê um exemplar do segundo volume, Getúlio (1930-1945): Do governo provisório à ditadura do Estado Novo, a ser lançado oficialmente em agosto. Abrange a fase autoritária de Vargas, época de censura, fechamento do Congresso e dos partidos. O discurso contra os partidos e a política usado na implantação do Estado Novo em 1937 fez Lula preocupar-se com o tom dos recentes protestos pelo Brasil. E despertou-lhe vontade de ler O Analfabeto Político, do dramaturgo alemão Bertold Brech, uma condenação veemente da alienação.
Curiosamente, foi como ditador que em 1943 Vargas baixou a CLT, símbolo do emprego e dos direitos trabalhistas, outro ponto de aproximação com Lula. Em dez anos de governo petista, foram criadas 19 milhões de vagas formais. Quando o livro chegar às lojas, em agosto, terá na contracapa textos do próprio ex-presidente e seu antecessor, Fernando Henrique Cardoso, que governou decidido a enterrar a herança de Vargas. Vai ser interessante comparar o que os dois têm a dizer.
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