segunda-feira, 3 de junho de 2013

O que o turista alemão baleado na Rocinha estava fazendo lá?


Linda vista, my dear !!  Pobres não são bichos exóticos e favelas não são cenários do Projac.

Por: Kiko Nogueira

Um turista alemão, Frank Daniel Baijaim, de 25 anos, foi baleado na Rocinha, na Zona Sul do Rio. Está em estado grave. Um amigo dele contou à polícia que, na sexta, os dois foram conhecer o Cristo Redentor e, em seguida, resolveram dar um pulo na favela. Um homem armado os teria visto num beco. Os dois se assustaram, saíram correndo e, na fuga, Baijaim tomou o tiro que entrou pelo braço e provocou lesões no tórax e no fígado.
O que aconteceu com Baijaim é um horror. Mas cabe a pergunta: o que diabos a dupla foi fazer na Rocinha?
Ali está instalada a maior UPP do Rio: são, oficialmente, 700 policiais e cem câmeras de monitoramento. Os casebres espetados no morro são uma visão impressionante. Volta e meia, alguém diz que ela é urbanizada, seja lá o que isso quer dizer. Ainda há traficantes, bandidos (e – obviamente – milhares de cidadãos honestos).
O que turistas acham que vão encontrar na Rocinha? Ainda que eles tivessem saído ilesos: qual a possível atração que pode existir na pobreza?
Existem dezenas de agências de turismo especializadas em fazer tours por “comunidades carentes” do Rio. As pessoas se aboletam num jipe e fazem seu safari. Ao invés de elefantes e girafas, fotografam gente subindo e descendo as vielas, os bares, ouvem uma batucada, tomam uma cachaça etc. Descem do jipe com um guia que, em tese, garante sua segurança. Para que o esquema dê certo, é preciso fazer um acerto com quem manda na região.
É tudo para inglês ver. Ao voltar para casa, o sujeito tem uma história para contar sobre como sobreviveu num dos lugares mais perigosos do mundo. Ou acha que, sei lá, fez antropologia e conheceu o “Brasil real”. Mas outra coisa é ir por conta própria, como os alemães.
Essa exploração não é exclusividade do Brasil. Nosso colunista Jota Pinto Fernandes contou sobre sua viagem a Cartagena, a espetacular cidade colonial que serviu de cenário para O amor nos tempos do cólera, de Garcia Márquez. No passeio para as vizinhas Islas del Rosario, no Caribe, os barqueiros param próximos a um píer, de onde meninos magros dos barracos saltam. 
Eles nadam até perto da embarcação e gritam: “Amigo, amigo! Dinheiro, amigo! Money!” Os turistas, rindo, arremessam moedas e notas na água. Quando os garotos não conseguem apanhá-las, eles, bons mergulhadores, um tanto desesperados, vão em busca delas no fundo. 
A África do Sul tem tours para as favelas do Soweto, em Johannesburgo, que tiveram um papel fundamental na luta contra o apartheid.
A miséria não tem glamour. As pessoas não estão ali porque gostam e acham bonito. A imensa maioria preferiria estar no conforto de uma casa como a sua. A Globo tenta transformar favelas e pobres num cenário do Projac, mas você precisa ser muito ingênuo ou burro para achar que aquilo é verdade. 
Gente como Regina Casé presta um imenso desserviço ao mistificar o morro em seu programa Esquenta.
É bom saber que os dois alemães estão vivos. Mas favelados não são bichos exóticos e favelas não são pontos turísticos. Os turistas estarão mais felizes quando elas não existirem mais – além, obviamente, das milhares de pessoas que vivem lá.
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