terça-feira, 6 de novembro de 2012

Sobre a Justiça


Existe, numa parcela expressiva da sociedade, uma fé quase comovente na justiça.

É como se ela tivesse o dom da infabilidade. E não, como é a realidade, não fosse composta por homens como você e eu, expostos a manipulações e a outras tentações que podem, sim, influenciar um veredito.
Estou numa capital do Brasil, num prédio de classe média alta de uma tia amada. No elevador, ela me conta que um desembargador e uma juíza infringem sistematicamente as regras ao acomodar carros em vagas de visitantes.
Ela me diz que ligou um dia ao desembargador para perguntar se desembargadores tinham vantagens que permitissem o que ele fazia, e ele desligou o telefone em sua cara depois de dizer que ia retomar a leitura de um jornal.
Um filho meu voltou de uma viagem a outra capital do Brasil, e me contou, com alguma surpresa, que conheceu a família de um juiz que, acumulando alguns cargos, tinha vencimentos de 90 mil reais mensais.
É evidente que o Brasil tem um problema no sistema judiciário, e é decepcionante que tão pouco tenha sido feito por sucessivas administrações federais nos últimos vinte anos para enfrentar o atraso da justiça brasileira.
Transparência seria, já, um ganho: quanto ganham os juízes, que benefícios têm etc etc.
A justiça, infelizmente, é falível. Por isso tem que ser fiscalizada. Na União Soviética de Stálin, nos anos 1930 os tribunais condenaram à morte dezenas de líderes bolcheviques que Stálin entendia serem potenciais rivais. Todos eles confessaram crimes inomináveis.
Bukharin, o jovem prodígio que era o favorito de Lênin, foi um dos executados pela justiça stalinista por crimes “anticomunismo”. Anos depois, descobriu-se uma carta que ele endereçara a Stálin na qual ele perguntava ao antigo companheiro, chamando-o pelo apelido dos velhos tempos: “Tinha que ser assim, Koba?”
No livro A História do Povo Americano, o historiador Howard Zinn reproduz uma passagem que conta muito sobre a justiça americana.
Um ativista chamado Jack White foi preso depois de fazer um discurso considerado subversivo, em 1912. Eram os dias dos “robbers barons”, os barões ladrões, e a iniquidade era extrema entre os americanos. (Depois, com o presidente Ted Roosevelt, seria inaugurada a era que os historiadores chamariam de “Progressista”. Roosevelt acabou, por exemplo, com os monopólios, e trouxe reformas que melhoraram a vida dos trabalhadores.)
Jack White foi condenado a seis meses de cadeia, em regime de água e pão. O juiz lhe perguntou se tinha alguma coisa a dizer. Um funcionário do tribunal registrou, palavra a palavra, o que White disse, e isso está no livro de Zinn.
“O promotor, em sua fala ao júri, me acusou de ter dito num palanque, num encontro público: ‘Para o inferno com os tribunais, sabemos o que é a justiça’. Ele disse uma grande verdade ao mentir, pois se ele tivesse pesquisado os recessos mais íntimos de meu cérebro ele poderia ter encontrado aquela expressão, nunca usada por mim, mas que eu utilizo agora: ‘Para o inferno com os tribunais, sei o que é a justiça’. Pois estou sentado nesta corte dia após dia e vejo pessoas de minha classe enfrentando isso, a assim chamada justiça. Vejo você, juiz Sloane, e outros do seu tipo, mandar aquelas pessoas para a prisão. Vocês se tornaram cegos a mudos ao direito do homem do povo de buscar a felicidade. E aí vocês me pedem para respeitar a lei. Não respeito. (…) O promotor mentiu, mas vou aceitar aquela mentira, juiz Sloane, e dizer de novo, de tal forma que o senhor não se equivoque sobre o que penso: ‘Para o inferno com seus tribunais, eu sei o que é a justiça’.”
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