O SR. FERNANDO COLLOR (Bloco/PTB – AL. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador) – Sr. Presidente, Senador Paulo Paim, Srªs e Srs Senadores, em pronunciamentos desta tribuna, tenho abordado a constatação de que o País passa por um pernicioso e autêntico processo de esfacelamento de seus poderes e de suas instituições.
Os motivos são diversos, sejam eles de natureza de natureza constitucional, política ou administrativa. Porém, independentemente dos aspectos teóricos e conceituais que envolvam o tema e justifiquem este cenário, o fato é que, na prática funcional, os exemplos se multiplicam.
O mais recente episódio que comprova o que tenho dito atinge diretamente o poder Legislativo, por meio de uma inoportuna, infeliz e controversa declaração do Procurador-Geral da República, Sr. Roberto Gurgel Santos, já conhecido, aceito e tido como o prevaricador geral da República!
Trata-se, Sr. Presidente, da cínica e ousada manifestação do Sr. Roberto Gurgel Santos em qualificar não só a aprovação da PEC nº 37, de 2011, por uma comissão da Câmara dos Deputados, como uma ação orquestrada do Congresso, mas, principalmente, as conclusões do Relator da CPMI, que pede o seu indiciamento, dizendo ele, o Sr. Procurador, que isso se trata de uma retaliação ao papel desempenhado pelo Ministério Público Federal, no curso da ação penal ainda sob julgamento no Supremo Tribunal Federal.
Esquece o Procurador-Geral da República, Sr. Presidente, que o Congresso Nacional representa um poder da União e, como tal, age, política e institucionalmente, por meio de seus integrantes, suas comissões e seus Partidos em defesa das prerrogativas constitucionais que lhes são garantidas, inclusive, para evitar abusos de outros poderes e de órgãos diversos, ainda que estes não constituam um poder, nos termos da Constituição Federal.
Confunde o Sr. Roberto Gurgel Santos duas situações distintas. Ele confunde duas situações absolutamente distintas das quais ele é incapaz de fazer uma correta separação: uma é a sua prevaricação – comprovada prevaricação –, seus crimes e improbidades cometidos que se restringem à esfera individual, pessoal e funcional pelo cargo que exerce e pelas atitudes por ele tomadas; a outra, ao contrário, são as ações do Congresso Nacional, às quais ele se refere como “retaliação”, que se situam na ordem institucional, coletiva e que são deliberadas por suas instâncias e pelo corpo de seus integrantes, de forma legal e de maneira absoutamente legítima.
Sr.Presidente Paulo Paim, Srª e Srs. Senadores, depois de cometer toda espécie de crimes e transformar o órgão que dirige numa autêntica “cafua”, o Procurador-Geral da República, não satisfeito, quer agora afrontar acintosamente um poder republicano, seus colegiados e, mais ainda, seus membros legitimamente eleitos pela população.
Ao generalizar, política e partidariamente, um suposto cenário que ele quer fazer acreditar ser verdadeiro, o Sr. Roberto Gurgel Santos menospreza a totalidade do Parlamento brasileiro e desvia a atenção, como método de defesa contra as inúmeras e graves acusações que recaem sobre sua pretensa toga.
As provas contra ele são sobejas. Sua atual posição não lhe dá o direito de sequer falar em condutas – ele não tem o direito sequer de falar em condutas –, muito menos em retaliação ou ação orquestrada, já que é ele quem tem exercido o papel de malfeitor funcional, diga-se de passagem, com extrema maestria, digna dos melhores mestres do crime.
Declarações como essa, Sr. Presidente Paulo Paim, não se coadunam com o Estado democrático de direito, com os valores republicanos, muito menos com o avanço institucional que o Brasil requer. Pelo contrário, servem apenas para acirrar ânimos entre as instituições democráticas e, mais grave, fomentar mais ainda o esfacelamento em curso de nossos poderes e seus órgãos públicos.
O pior, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, é que esse tipo de postura nada republicana conta com o apoio aveugle de parte da mídia, sempre excitada irresponsavelmente por escândalos políticos e crises institucionais, mas que, covardemente, se omite perante o que de fato ocorre nos porões de alguns gabinetes da Procuradoria-Geral da República. Ou seja, para esse pessoal, relatores no Parlamento, comissões deliberativas e órgãos de controle devem existir apenas para dar um ar de normalidade ao Brasil – e ai deles se extrapolarem esse papel subserviente aos interesses dos meios.
Infelizmente, essa visão caolha da democracia leva radicais da mídia a extremos. Quando contrariados, eles acusam os políticos de fazer política, os relatores de relatar e as instâncias de deliberar, de apurar e revelar fatos. Esses militantes, transviados de jornalistas, têm também uma visão bem particular do papel de uma comissão parlamentar de inquérito. Para eles, as CPIs, como qualquer outra instituição do Estado, devem servir aos interesses dos meios e não ao povo brasileiro. CPI boa para eles é aquela que eles podem manipular.
Nesse caso, Sr. Presidente, refiro-me em especial às denúncias que tenho feito em relação à conduta do Procurador-Geral e seus asseclas em vários episódios e às seis representações por mim apresentadas isoladamente, em diversificadas esferas de controle e julgamento, no tocante à inação do chefe maior do Ministério Público Federal frente ao inquérito da Operação Vegas, em que, à farta prova, prevaricou. Ou será que o Sr. Roberto Gurgel Santos imagina que, se não houvesse a ação penal em curso, seus crimes, sua conduta, suas ações, inações e omissões não seriam desvendadas, denunciadas e que passariam despercebidas? Com quem ele, o Procurador-Geral da República, pensa que está lidando? Com um poder acéfalo e com centenas de parlamentares apedeutas, descomprometidos e irresponsáveis? Não, senhores, ledo engano seu!
O fato, Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, é que os crimes do Sr. Roberto Gurgel Santos começaram a aparecer exatamente quando se revelou as relações de um ex-Senador com o Sr. Carlos Cachoeira. Os desdobramentos dos fatos, por meio das investigações da CPMI, é que mostraram, para todo o país, o modus operandi e os métodos rasteiros do Procurador-Geral da República na condução de processos envolvendo autoridades com prerrogativa de foro.
Ou seja, ele, o Procurador-Geral da República, opta pelo sobrestamento, pelo engavetamento e pela inação propositada como instrumento de poder, de pressão e de chantagem. Esta é a sua conduta.
Soma-se a isso o fato de que, dessas revelações iniciais, derivaram outros métodos por ele adotados, como a concentração de processos daquela natureza, ou seja, com prerrogativa de foro, nas mãos de sua esposa, a Subprocuradora-Geral da República e sua manus longa Cláudia Sampaio Marques. Do mesmo modo, revelou-se seu costume de vazar ou mandar vazar a revista Veja – sempre ela – documentos, informações e depoimentos sob segredo de Justiça.
Também ficou demonstrada a aptidão do Procurador-Geral para perseguir e barrar nomes de supostos desafetos seus ao Conselho Nacional do Ministério Público utilizando-se de meios subterrâneos como dossiês falsos e documentos apócrifos, visando tão-somente desabonar seus adversários. Ou seja, ele, sim, o Sr. Roberto Gurgel Santos, é que é dado às ações orquestradas contra autoridades com prerrogativa de foro e à retaliação. Ele, sim, a pratica contra supostos desafetos no âmbito da política interna do Ministério Público Federal.
Infelizmente, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, é essa espécie de autoridade, esse pesado tuiuiú que representa e comanda a instituição republicana encarregada de defender os interesses da sociedade.
Nesses casos envolvendo o Procurador-Geral da República, a aplicação direta da teoria do domínio do fato mostra-se aquém, insuficiente e subliminar às suas práticas. Quando muito, a teoria pode ser utilizada como peça subsidiária.
Seu papel em todos os crimes por ele cometidos vai além da simples condição de conhecedor e dominador dos fatos em função do posto de hierarquia mais alta. A verdade é que o Sr. Roberto Gurgel Santos é o agente principal, autor direto dos fatos na maioria dos crimes que tenho denunciado. Ele não só tinha o domínio dos fatos como detinha o domínio dos atos.
O mesmo, Sr. Presidente, pode-se dizer em relação à direção da Veja frente à coabitação criminosa de seus jornalistas com o grupo contraventor.
Aliás, sobre esse núcleo Civita-Policarpo, trata-se de um outro capitulo, em que se agrava a condição de dominar os fatos, para a índole de fabricar os fatos.
No que se refere ao indiciamento do Sr. Policarpo Jr. – também conhecido pela alcunha, no mundo do crime, como “Caneta”, “Poli”, “Júnior” e outros –, proposto pelo relator da CPMI, faço questão de trazer ao conhecimento da Casa trecho de um artigo recente do experiente jornalista Paulo Nogueira, ex-editor dessa revista Veja São Paulo, ex-diretor de redação da revista Exame, ex-diretor da editora Globo. Ao comentar o relatório da CPMI, apresentado na última semana por S. Exª o Deputado Odair Cunha, o jornalista assevera:
“Os telefonemas trocados entre Cachoeira e Policarpo (…) revelam uma intimidade inaceitável no bom jornalismo, uma camaradagem que vai além dos limites do que é razoável.
“Por ter se tornado tão próximo de Cachoeira” – continua o jornalista – “por ter se tornado tão próximo de Cachoeira, ele ([o Caneta, o Sr.] Policarpo Jr.) acabou se deixando usar por um grupo no qual o interesse público era provavelmente a última coisa que importava. Logo, havia um envenenamento, já na origem, nas informações que ele recebia e [que ele] publicava. (…) é necessário que Policarpo enfrente o mesmo percurso de outros envolvidos neste caso. Ele deve à sociedade e ao jornalismo explicações.
“Teria sido infame não arrolá-lo. Isso teria reforçado a ideia de que jornalista é uma categoria à parte, acima do bem e do mal, acima da lei. [E não o é. Não o é!]
“Não existe nenhuma ameaça à ‘imprensa livre’, à ‘imprensa independente’ ou ‘imprensa crítica’, quando jornalistas são instados a se explicar à justiça. Essa é uma espécie de chantagem emocional e cínica que a grande mídia vem fazendo na defesa de sua própria impunidade e intocabilidade. Todos sabemos quantos horrores e desatinos editoriais são cometidos sob o escudo oportuno da ‘imprensa crítica’. Nos países desenvolvidos, no entanto, o quadro é outro.
Nesta mesma semana, a jornalista inglesa Rebekah Brooks, até pouco atrás, a rainha dos tablóides e favorita do seu ex-patrão Rupert Murdoch, foi indiciada pela Justiça britânica sob acusação de ter pagado propinas para policiais em troca de furos para um dos jornais que dirigiu, o Sun [aqui, fecho aspas].
Enfim, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, resta mais que claro, por tudo que aqui tenho explicitado e denunciado, ser absolutamente normal e esperado o indiciamento e a inclusão no relatório final da CPI de nomes como Roberto Gurgel Santos e Policarpo Júnior, como bem concluiu o Deputado Odair Cunha em seu contundente, detalhado e preciso documento final.
Entretanto, por tudo que já provei e trouxe ao conhecimento desta Casa e da própria Comissão, vou apresentar ainda hoje uma série de sugestões por escrito a S. Exª o Relator, no sentido de incluir outros nomes desses dois núcleos do esquema criminoso apurado: o núcleo Civita/Policarpo e o núcleo Gurgel/Cláudia/Camanho. Aliás, Sr. Presidente, o Procurador da República Alexandre Camanho, vale aqui lembrar, além de ser o operador, o factótum do Sr. Roberto Gurgel Santos, é autoridade que se recusa a responder requerimentos com base na Lei de Acesso à Informação. Vejam que coisa! Ou seja, trata-se de um guardião da lei em defesa da sociedade, mas que, escancaradamente, descumpre a lei, talvez por se considerar acima dela.
Afinal, de que o senhor tem medo, Sr. Camanho? O senhor tem medo do quê?
Assim, vou propor o indiciamento dele, Alexandre Camanho de Assis, dos Procuradores Lea Batista Oliveira e Daniel de Resende Salgado, bem como da Subprocuradora-Geral Cláudia Sampaio Marques, a manus longa do Gurgel. Da mesma forma, vou propor o indiciamento de Roberto Civita, Eurípedes Alcântara, Lauro Jardim, Hugo Marques, Rodrigo Rangel e Gustavo Ribeiro, todos de Veja, que lhes serve de coito.
Por fim, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, apresentarei também emendas aditivas à PEC sugerida pelo Relator, de modo a acrescentar na composição dos Conselhos Nacionais de Justiça (CNJ) e do Ministério Público (CNMP) dois representantes da Defensoria Pública.
A medida permitirá um maior equilíbrio representativo das instituições jurisdicionais e evitará, com isso, um possível e indesejado controle majoritário dos colégios por parte de seus presidentes. Além disso, constará também de minha proposta novo dispositivo à Constituição para estabelecer que o presidente do Conselho Nacional do Ministério Público somente possa votar nos casos de empate, o que reverterá a indecente alteração no regimento interno do órgão promovida agora, há pouco, sempre nos esconsos daquela cafua em que se transformou a Procuradoria-Geral da República, promovida pelo Procurador-Geral, que permite a ele, como presidente do colegiado, votar duas vezes, ou seja, o voto como membro e o voto de minerva.
Minha expectativa, realmente, Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, é que o relator e o presidente da CPMI não cedam às pressões e não promovam um retrocesso nos trabalhos e nas conclusões da CPMI. Retirar nomes do Relatório final, a esta altura, seria uma afronta ao bom senso, um arremedo intempestivo e um atentado à justiça.
Ao contrário, entendo que podemos avançar ainda mais, no sentido de alcançar outras pessoas tão perniciosas quanto as já indiciadas e que não foram arroladas no documento final. Deixemos, assim, que a própria CPMI, por meio de seus integrantes, decida com independência, isenção e bom senso, o que for justo e mais adequado para a sociedade brasileira.
Era o que tinha a dizer, por enquanto, Sr. Presidente, Paulo Paim, Srªs. e Srs. Senadores.
Muito obrigado!
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