quarta-feira, 24 de outubro de 2012

E O “HERÓI” DO MENSALÃO NÃO CONHECIA A LEI...

Ao vivo e em cores, na sessão que começou a definir a dosimetria da Ação Penal 470, o ministro Joaquim Barbosa tentou aplicar penas não previstas em lei e teve de passar pelo constrangimento de ser corrigido por colegas no plenário; cultuado pelos meios de comunicação e transformado em fenômeno popular que virou máscara de Carnaval, o relator teve de consultar o Código Penal em plena sessão; até Merval Pereira reparou. 

247 – “Finalmente”. Esta foi uma das primeiras palavras usadas pelo ministro Joaquim Barbosa, presidente eleito do Supremo Tribunal Federal, antes da sessão que começaria a definir a chamada dosimetria da Ação Penal 470. Era chegada a hora de começar a mandar os réus para a cadeia e o relator mal escondia sua satisfação – diferentemente de ministros, como Ayres Britto, que, ao condenar falavam do gosto “de jiló, de fel ou de mandioca roxa na boca”, talvez apenas como figura de retórica.
Cultuado pelos meios de comunicação como “o menino pobre que mudou o Brasil” (Veja) e como o justiceiro com a grande chave da cadeia (charge do Globo desta quarta-feira), Joaquim Barbosa é um herói popular, cogitado até para uma disputa presidencial e, apelidado de “nosso Batman”, máscara de Carnaval já pronta para 2013.
No entanto, Barbosa não estava preparado para a sessão do “gran finale” e cometeu erros em série, tendo que passar pelo constrangimento de ser corrigido pelos próprios colegos, ao vivo e em cores, na sessão transmitida pela TV Justiça.
O que ocorreu ontem foi tão inusitado que até o colunista Merval Pereira, chefe de torcida pela condenação nos meios de comunicação, reparou e publicou, nesta quarta, a coluna “O STF se perde”. Eis alguns trechos:
“Barbosa em diversas ocasiões demonstrou que não se preparou adequadamente para a sessão de ontem. Deu uma pena para Marcos Valério por formação de quadrilha e ainda por cima aplicou uma multa (....) Luiz Fux tentou acudir, comentando baixinho: ´Eu tenho a impressão de que não há previsão de multas´. Barbosa insistiu, chamando a atenção para seu próprio erro: ´A previsão de multa é genérica´. Não era, não, e Celso de Mello e Ayres Britto, consultando o Código, alertaram que naquele artigo não havia previsão de multa.”
Merval citou ainda outro erro de Barbosa, ao tentar aplicar uma pena por corrupção ativa para Marcos Valério prevista não na lei correta, que é mais branda do que a atual. Foi corrigido por Lewandowski, irritou-se, disse que a propina a Henrique Pizzolato foi paga em janeiro de 2004, mas foi corrigido por vários ministros. Celso de Mello pediu até para que a sessão fosse encerrada.
Preocupado com o vexame de ontem, Merval afirmou que se os ministros não se reunirem antes das sessões – talvez para alertar Barbosa sobre possíveis novos erros – o julgamento não terminará amanhã (antes das eleições) como estava previsto e os réus poderão apresentar muitos embargos.
Segundo o colunista do Globo, ontem o STF se perdeu. Talvez tenha se perdido um pouco antes.
Leia, também reportagem da Folha sobre os erros em série de Joaquim Barbosa na sessão de ontem, classificados como “vergonha” por um advogado dos réus:
Relator comete erros ao definir penas e é corrigido por colegas
Joaquim Barbosa quis aplicar pena de multa ao crime de quadrilha, o que não existe, e usou uma legislação errada
Advogados disseram que os 'equívocos' do ministro devem levar aos chamados embargos à decisão

DE BRASÍLIA
O ministro relator do mensalão Joaquim Barbosa cometeu erros em seu voto sobre a aplicação das penas ao empresário Marcos Valério, foi corrigido pelos colegas no plenário e recebeu críticas dos advogados dos réus.
O primeiro equívoco de Barbosa ocorreu quanto ao crime de quadrilha. O relator quis aplicar a pena de multa, que não é aceita para o crime. Ele foi alertado sobre o engano pelo ministro Luiz Fux e afastou essa punição.
Barbosa também recuou após adotar uma pena prevista em lei que não estava em vigor quando aconteceu o crime de corrupção ativa de Valério em contratos de publicidade do Banco do Brasil.
O revisor Ricardo Lewandowski lembrou que o delito ocorreu em 2003, quando ainda valia norma que estabelecia penas de 1 a 8 anos de prisão para o crime. Só após novembro de 2003 a punição passou a ser de 2 a 12 anos.
A princípio Barbosa disse que a pena que estava aplicando (4 anos e oito meses) não estava fora dos parâmetros legais, mas o ministro mais antigo da corte, Celso de Mello, sugeriu que a votação fosse suspensa para que ele adaptasse seu voto à lei correta. A sessão foi encerrada.
Na discussão Barbosa disse que havia deixado de considerar em seu voto fato que poderia aumentar a pena de Valério. A lei prevê que na hipótese de corrupção a pena é maior se o ato pretendido pelo corruptor se concretiza, o que ocorreu, segundo o STF.
A manifestação do relator só ocorreu depois que Marco Aurélio e Lewandowski apontaram tal situação. Em um momento da sessão o relator não achou o próprio voto e chegou a pedi-lo aos colegas.
EMBARGOS
Advogados disseram que os "equívocos" do ministro devem levar aos chamados embargos de declaração [recurso contra obscuridade, contradição ou omissão].
"Foi uma vergonha o que fizeram aqui hoje. Rasgaram o princípio da legalidade", disse Leonardo Yarochewsky, que defende Simone de Vasconcelos. Outros quatro advogados também criticaram os erros de Barbosa ontem.
Até ontem, pelo menos seis memoriais sobre a dosimetria da pena haviam sido enviados. Entre eles, dos réus ligados ao Banco Rural (Kátia Rabello, José Roberto Salgado e Vinícius Samarane) e do ex-deputado Pedro Corrêa (PP), além dos publicitários Marcos Valério e Cristiano Paz.
Todos pedem a aplicação da pena mínima. O argumento mais usado é o de bons antecedentes de seus clientes.
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