segunda-feira, 4 de junho de 2012

Guantânamo e a cólera silenciosa

Foi um interrogador americano que disse para Kakhdar Boumediene que os investigadores estavam certos de sua inocência, que dois anos de interrogatórios mostraram que ele não era terrorista, mas que não importava. Os interrogatórios continuaram por sete anos, três meses, três semanas e quatro dias na prisão na Baía de Guantânamo.


Por Scott Sayare, no The New York times

O Centro de Detenção de Guantánamo registra várias práticas que desrespeitam os direitos humanos, tais como torturas, transporte inadequado de detentos, abuso sexual, espancamentos, intolerância às práticas religiosas, detenção de crianças, etc.
Funcionário de uma organização de ajuda que cuidava de órfãos em Sarajevo, Boumediene foi engolido pelo pânico que se seguiu a 11 de setembro de 2011. "Aprendi a ter paciência", diz ele, hoje com 46 anos. Um homem reservado, queixo quadrado e olhos profundos. Os EUA jamais reconheceram seu erro na detenção, embora um juiz federal tenha ordenado sua libertação por falta de provas, em 2008. O governo americano não recorreu.
Mais de uma década se passou desde sua prisão na Bósnia, quando foi enviado a Guantânamo. Desde sua libertação, há três anos, Boumediene vive anonimamente no sul da França. O islamismo o ajudou a sobreviver. "Não sei, ainda hoje, porque estive em Guantânamo", diz. As acusações inicialmente eram de complô para bombardear a Embaixada Americana em Sarajevo, cidade em que ele vivia com a família e trabalhava para a Cruz Vermelha. Segundo uma avaliação de 2008 publicada pelo WikiLeaks, os investigadores achavam que ele era membro da Al-Qaeda e do Grupo Islâmico Armado, da Argélia. Todas as acusações desapareceram.
Numa ação histórica que leva seu nome, em 2008, a Suprema Corte afirmou o direito dos presos de Guantânamo de contestarem sua prisão nos tribunais. Ele pediu sua libertação. Na Justiça, a única alegação do governo foi a de que ele tinha intenção de viajar para o Afeganistão para lutar contra os EUA. Um juiz federal rejeitou a acusação, considerando-a sem fundamento. Boumediene chegou à França em 2009, onde vive com a mulher, as duas filhas e um filho que nasceu há dois anos.
Apátrida
A França o autorizou a se estabelecer em Nice, onde sua mulher tem família, mas ele não é cidadão francês nem tem garantido asilo ou residência permanente. Seus passaportes argelino e bósnio foram perdidos pelas autoridades americanas, transformando-o em apátrida. Ele recebe dinheiro por meio de uma transferência mensal para uma conta num banco francês. E não sabe exatamente quem envia.
Boumediene chegou a Guantânamo em 20 de janeiro de 2002. Foi espancado ao chegar. Recusou-se a se alimentar nos 28 meses finais de sua detenção, tendo sido alimentado à força, por meio de um tubo introduzido no nariz. Ficou cadavérico, com cicatrizes provocadas por sete anos algemado. A multidão o deixa aterrorizado, como também portas fechadas.
Boumediene serviu o Exército da Argélia por dois anos antes de acompanhar um amigo ao Paquistão, em 1990, para prestar ajuda a refugiados da guerra civil afegã. Conseguiu trabalho como monitor num orfanato, função apresentada como evidência de seus elos com o terrorismo. Um homem identificado como seu superior, Zahid al-Shaikh, é o irmão de Khalid Shaikh Mohamed, o arquiteto dos atentados de 11 de Setembro, preso em Guantânamo desde 2006. Os dois tinham pouco contato, diz ele.
"Pouco a pouco, as pessoas começam a saber quem sou", afirma. Alguns procuram me encorajar, outros pedem desculpas. "Não sei qual é a reação certa", afirma.
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