por André Lima, Raul Valle e Tasso Azevedo
Para cumprir seu compromisso de campanha e não permitir incentivos a
mais desmatamentos, redução de área de preservação e anistia a crimes
ambientais, a Presidenta Dilma terá que reverter ou recuperar, no
mínimo, os dispositivos identificados abaixo. No entanto, a maioria dos
dispositivos são irreversíveis ou irrecuperáveis por meio de veto
parcial.
13 razões para o Veto Total
1. Supressão do artigo primeiro do texto aprovado pelo Senado que
estabelecia os princípios jurídicos de interpretação da lei que lhe
garantia a essência ambiental no caso de controvérsias judiciais ou
administrativas. Sem esse dispositivo, e considerando-se todos os demais
problemas abaixo elencado neste texto, fica explícito que o propósito
da lei é simplesmente consolidar atividades agropecuárias ilegais em
áreas ambientalmente sensíveis, ou seja, uma lei de anistia florestal.
Não há como sanar a supressão desses princípios pelo veto.
2. Utilização de conceito incerto e genérico de pousio e supressão do
conceito de áreas abandonadas e subutilizadas. Ao definir pousio como
período de não cultivo (em tese para descanso do solo) sem limite de
tempo (Art. 3 inciso XI), o projeto permitirá novos desmatamentos em
áreas de preservação (encostas, nascentes etc.) sob a alegação de que
uma floresta em regeneração (por vezes há 10 anos ou mais) é, na
verdade, uma área agrícola “em descanso”. Associado ao fato de que o
conceito de áreas abandonadas ou subutilizadas, previsto tanto na
legislação hoje em vigor como no texto do Senado, foi deliberadamente
suprimido, teremos um duro golpe na democratização do acesso e da terra,
pois áreas mal-utilizadas, possuídas apenas para fins especulativos,
serão do dia para a noite terras “produtivas em descanso”. Essa brecha
enorme para novos desmatamentos não pode ser resolvida com veto.
3. Dispensa de proteção de 50 metros no entorno de veredas (inciso XI
do ART. 4º ART). Isso significa a consolidação de ocupações ilegalmente
feitas nessas áreas como também novos desmatamentos no entorno das
veredas hoje
protegidas. Pelo texto aprovado, embora as veredas continuem sendo
consideradas área de preservação, elas estarão na prática desprotegidas,
pois seu entorno imediato estará sujeito a desmatamento, assoreamento e
possivelmente a contaminação com agroquímicos. Sendo as veredas uma das
principais fontes de água do Cerrado, o prejuízo é enorme, e não é
sanável pelo veto presidencial.
4. Desproteção às áreas úmidas brasileiras. Com a mudança na forma de
cálculo das áreas de preservação ao longo dos rios (art.4o), o projeto
deixa desprotegidos, segundo cálculos do Instituto Nacional de Pesquisas
da Amazônia (INPA), 400 mil km2 de várzeas e igapós. Isso permitirá que
esses ecossistemas riquíssimos possam ser ocupados por atividades
agropecuárias intensivas, afetando não só a biodiversidade como a
sobrevivência de centenas de milhares de famílias que delas fazem uso
sustentável.
5. Aumento das possibilidades legais de novos desmatamentos em APP – O
novo texto (no §6º do Art4o) autoriza novos desmatamentos
indiscriminadamente em APP para implantação de projetos de aquicultura
em propriedades com até 15
módulos fiscais (na Amazônia, propriedades com até 1500ha – na Mata
Atlântica propriedades com mais de mil hectares) e altera a definição
das áreas de topo de morro reduzindo significativamente a sua área de
aplicação (art.4º, IX). Em nenhum dos dois casos o Veto pode reverter o
estrago que a nova Lei irá causar, ampliando as áreas de desmatamento em
áreas sensíveis.
6. Ampliação de forma ampla e indiscriminada do desmatamento e
ocupação nos manguezais ao separar os Apicuns e Salgados do conceito de
manguezal e ao delegar o poder de ampliar e legalizar ocupações nesses
espaços aos Zoneamentos Estaduais, sem qualquer restrição objetiva (§§
5º e 6º do art. 12). Os estados terão amplos poderes para legalizar e
liberar novas ocupações nessas áreas. Resultado – enorme risco de
significativa perda de área de manguezais que são cruciais para
conservação da biodiversiadade e produção marinha na zona costeira. Não
tem com resgatar pelo Veto as condições objetivas para ocupação parcial
desses espaços tão pouco o conceito de manguezal que inclui apicuns e
salgados.
7. Permite que a reserva legal na Amazônia seja diminuída mesmo para
desmatamentos futuros, ao não estabelecer, no art. 14, um limite
temporal para que o Zoneamento Ecológico Econômico autorize a redução de
80% para 50% do imóvel. A lei atual já traz essa deficiência, que
incentiva que desmatamentos ilegais sejam feitos na expectativa de que
zoneamentos futuros venham legaliza-los, e o projeto não resolve o
problema.
8. Dispensa de recomposição de APPs. O texto revisado pela Câmara
ressuscita a emenda 164 (aprovada na primeira votação na Câmara dos
Deputados, contra a orientação do governo) que consolida todas as
ocupações agropecuárias
existentes às margens dos rios, algo que a ciência brasileira vem
reiteradamente dizendo ser um equívoco gigantesco. Apesar de prever a
obrigatoriedade de recomposição mínima de 15 metros para rios inferiores
a 10 metros de largura, fica em aberto a obrigatoriedade de
recomposição de APPs de rios maiores, o que gera não só um possível
paradoxo (só partes dos rios seriam protegidas), como abre uma lacuna
jurídica imensa, a qual só poderá ser resolvida por via judicial,
aumentando a tão indesejada insegurança jurídica. O fim da obrigação de
recuperação do dano ambiental promovida pelo projeto condenará mais de
70% das bacias hidrográficas da Mata Atlântica, as quais já tem mais de
85% de sua vegetação nativa desmatada. Ademais, embora a alegação seja
legalizar áreas que já estavam “em produção” antes de supostas mudanças
nos limites legais, o projeto anistia todos os desmatamentos feitos até
2008, quando a última modificação legal foi em 1986. Mistura-se,
portanto, os que agiram de acordo com a lei da época com os que
deliberadamente desmataram áreas protegidas apostando na impunidade (que
o projeto visa garantir). Cria-se, assim, uma situação
anti-isonômica, tanto por não fazer qualquer distinção entre pequenos e
grandes proprietários em situação irregular, como por beneficiar aqueles
que desmataram ilegalmente em detrimento dos proprietários que o
fizeram de forma legal ou mantiveram suas APPs conservadas. É
flagrante, portanto, a falta de razoabilidade e proporcionalidade da
norma contida no artigo 62, e um retrocesso monumental na proteção de
nossas fontes de água.
9. Consolidação de pecuária improdutiva em encostas, bordas de
chapadas, topos de morros e áreas em altitude acima de 1800 metros (art.
64) o que representa um grave problema ambiental principalmente na
região sudeste do País pela instabilidade das áreas (áreas de risco),
inadequação e improdutividade dessas atividades nesses espaços. No
entanto, o veto pontual a esse dispositivo inviabilizará atividades
menos impactantes com espécies arbóreas perenes (café, maçã dentre
outras) em pequenas propriedades rurais, hipóteses em que houve algum
consenso no debate no Senado. O Veto parcial resolve o problema
ambiental das encostas no entanto não resolve o problema
dos pequenos produtores.
10. Ausência de mecanismos que induzam a regularização ambiental e
privilegiem o produtor que preserva em relação ao que degrada os
recursos naturais. O projeto revisado pela Câmara suprimiu o art. 78 do
Senado, que vedava o acesso ao crédito rural aos proprietários de
imóveis rurais não inscritos no Cadastro Ambiental Rural – CAR após 5
anos da publicação da Lei. Retirou também a regra que vedava o
direcionamento de subsídios econômicos a produtores que tenham efetuado
desmatamentos ilegais posteriores a julho de 2008. Com isso, não só não
haverá instrumentos que induzam a adesão aos Programas de Regularização
Ambiental, como fica institucionalizado o incentivo perverso, que premia
quem descumpre deliberadamente a lei. Propriedades com novos
desmatamentos ilegais poderão aderir ao CAR e demandar incentivos para
recomposição futura. Somando-se ao fato de que foi retirada a
obrigatoriedade de publicidade dos dados do CAR, este perde muito de seu
sentido. Um dos únicos aspectos positivos de todo projeto foi mutilado.
Essa lacuna não é sanável pelo veto. A lei perde um dos poucos ganhos
potenciais para a governança ambiental.
11. Permite que imóveis de até 4 módulos fiscais não precisem
recuperar sua reserva legal (art.68), abrindo brechas para uma isenção
quase generalizada. Embora os defensores do projeto argumentem que esse
dispositivo é para permitir a sobrevivência de pequenos agricultores,
que não poderiam abrir mão de áreas produtivas para manter a reserva, o
texto não traz essa flexibilização apenas aos agricultores familiares,
como seria lógico e foi defendido ao longo do processo legislativo por
organizações socioambientalistas e camponesas. Com isso, permite que
mesmo proprietários que tenham vários imóveis menores de 4 MF – e,
portanto, tenham terra mais que suficiente para sua sobrevivência –
possam se isentar da recuperação da RL. Ademais, abre brechas para que
imóveis maiores do que esse tamanho, mas com matrículas desmembradas, se
beneficiem dessa isenção. Essa isenção fará com que mais de 90% dos
imóveis do país sejam dispensados de recuperar suas reservas legais e
jogaria uma pá de cal no objetivo de recuperação da Mata Atlântica,
pois, segundo dados do Ipea, 67% do passivo de reserva legal está em
áreas com até 4 módulos.
12. Cria abertura para discussões judiciais infindáveis sobre a
necessidade de recuperação da RL (art.69). A pretexto de deixar claro
que aqueles que respeitaram a área de reserva legal de acordo com as
regras vigentes à época estão regulares, ou seja, não precisam recuperar
áreas caso ela tenha sido aumentada posteriormente (como ocorreu em
áreas de floresta na Amazônia, em 1996), o projeto diz simplesmente que
não será necessário nenhuma recuperação, e permite que a comprovação da
legalidade da ocupação sejam com “descrição de fatos históricos de
ocupação da região, registros de comercialização, dados agropecuários da
atividade”. Ou seja, com simples declarações o proprietário poderá se
ver livre da RL, sem ter que comprovar com autorizações emitidas ou
imagens de satélite que a área efetivamente havia sido legalmente
desmatada.
13. Desmonte do sistema de controle da exploração de florestas
nativas e transporte de madeira no País. O texto do PL aprovado permite
manejo da reserva legal para exploração florestal sem aprovação de plano
de manejo (que equivale ao licenciamento obrigatório para áreas que não
estão em reserva legal), desmonta o sistema de controle de origem de
produtos florestais (DOF – Documento de Origem Florestal) ao permitir
que vários sistemas coexistam sem integração. A Câmara rejeitou o
parágrafo 5º do art. 36 do Senado o que significa a dispensa de
obrigação de integração dos sistemas estaduais com o sistema federal
(DOF). Como a competência por autorização para exploração florestal é
dos estados (no caso de propriedades privadas rurais e unidades de
conservação estaduais) o governo federal perde completamente a
governança sobre o tráfico de madeira extraída ilegalmente (inclusive
dentro de Unidades de conservação federais e terras indígenas) e de
outros produtos florestais no País. Essa lacuna não é sanável pelo veto
presidencial.
Há ainda outros pontos problemáticos no texto aprovado confirmado
pela Câmara cujo veto é fundamental e que demonstram a inconsistência do
texto legal, que se não for vetado por completo resultará numa colcha
de retalhos.
A todos estes pontos se somam os vícios de origem insanáveis deste PL
como é o caso da definição injustificável da data de 22 de julho de
2008 como marco zero para consolidação e anistia de todas
irregularidades cometidas contra o código florestal em vigor desde 1965.
Mesmo que fosse levado em conta a última alteração em regras de
proteção do código florestal esta data não poderia ser posterior a 2001,
isso sendo muito generoso, pois a última alteração em regras de APP foi
realizada em 1989.
Por essas razões não vemos alternativa sensata à Presidente da República se não o Veto integral ao PL 1876/99.
* Em 02 de maio de 2012,
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