quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

A canção que você fez para mim


Para um amor no Recife, de Paulinho da Viola, confortou a guerrilheira Dilma quando estava no presídio Foto: AFP / Nikolay Doychinov 

Por Alberto Villas

Quem não tem uma canção na vida? Aquela que marcou época, o primeiro beijo, a primeira transa, uma viagem, uma mudança, uma situação inesquecível? Música às vezes funciona como cheiro que quando bate nos faz lembrar. Uma fumaça que passa pode nos levar à beira de um fogão à lenha a quilômetros e quilômetros da metrópole até uma pequena fazenda no sertão.
Músicas perdidas no ar vivem grudadas na memória. Mais de três décadas depois ainda hoje quando ouço Ednardo cantando Carneiro viajo até a Rue de la Roquette no outrora mais comunista dos bairros de Paris onde um grupo de exilados ouviu junto a canção pela primeira vez.
“Amanhã se der o carneiro/Carneiro/Vou-me embora pro Rio de Janeiro.”
Algumas músicas ficam mesmo para sempre. Em 1971, a guerrilheira Dilma Rousseff estava comendo o pão que o diabo amassou no presídio da Avenida Tiradentes em São Paulo e era uma canção que muitas vezes confortava aquelas mocinhas que viviam ali naqueles poucos metros quadrados imundos e fétidos. Cada guerrilheira nova que chegava Dilma a recebia com um acalanto porque não estava fácil segurar o rojão.
A história está muito bem contada no livro A Vida quer é coragem de Ricardo Batista Amaral. Quando bati os olhos na pagina 78, fiquei imaginando Paulinho da Viola lendo aquilo. Será que ele sabia que a futura presidenta do Brasil tinha na cabeça, naqueles momentos de aflição, uma canção sua?
A uruguaia Maria Cristina Uslendi conta que em outubro de 1971, toda vez que voltava das sessões de tortura encontrava Dilma de braços abertos “me amparando, me ajudando a usar a latrina quando não tinha forças, me dando sopinhas de colher na boca, me cedendo a parte de baixo do beliche e pondo na vitrolinha de pilhas as melhores músicas da MPB”.
Cristina conta que Dilma sempre pedia a ela que prestasse muita atenção à letra de Para um amor no Recife, uma canção de Paulinho que diz assim:
“A razão por que mando um sorriso/E não corro/É que vou levando a vida/Quase morto/Quero fechar a ferida/Quero estancar o sangue/E sepultar bem longe/O que restou da camisa/Colorida que cobria minha dor/Meu amor eu não esqueço/Não se esqueça, por favor,/Que voltarei depressa/Tão logo a noite acabe/Tão logo este tempo passe/Para beijar você.” 
Pois é, existem canções que são verdadeiros rios que passam na vida da gente.


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