quinta-feira, 3 de novembro de 2011

A Impunidade no Pará, por Dom Frei Wilmar Santin

Os assassinatos por causa de denúncias de ilegalidade ambiental continuam aterrorizando os moradores do Pará. Depois da morte de Dorothy Stang, em 2005, vários assassinatos se sucederam no Norte do país, ampliando a descrença na justiça. No dia 22 de outubro, o bispo da Prelazia de Itaituba, no Pará, Dom Frei Wilmar Santin, comunicou a morte do líder comunitário João Chupel Primo. “Tudo indica que a morte foi encomendada por causa das denúncias que ele vinha fazendo em relação à extração ilegal de madeira em uma reserva florestal. Foi uma execução covarde e muito bem planejada, por pessoas altamente profissionalizadas no crime de extermínio”, contou à IHU On-Line, em entrevista concedida por telefone.

Dom Frei Wilmar Santin (foto) foi nomeado bispo há seis meses e diz que, nesse período, escuta com frequência a pergunta: “Será que nós vamos voltar ao tempo do faroeste?”. Para ele, a segurança e a prostituição são os principais problemas sociais de Itaituba, e só serão resolvidos quando houver intervenção estatal. Na entrevista a seguir, ele cobra a atuação do governo federal. “Nas eleições, Dilma prometeu intensificar a segurança, e portanto precisa disponibilizar meios necessários para elucidar esse crime. (...) A Polícia Federal tem que ajudar nas investigações e colocar um basta nesse negócio de encomendar morte dos outros”.
Dom Frei Wilmar Santin, frei carmelita, é bispo da Prelazia de Itaituba, no Pará.
Confira a entrevista.

IHU On-Line – Quais foram as razões da morte do líder comunitário João Chupel Primo? Como o senhor recebeu a notícia?
Dom Wilmar Santin – Tudo indica que a morte foi encomendada por causa das denúncias que ele vinha fazendo em relação à extração ilegal de madeira em uma reserva florestal. Foi uma execução covarde e muito bem planejada por pessoas altamente profissionalizadas no crime de extermínio. Mataram-no com um único tiro no meio da testa.
Ainda não podemos fazer acusação, mas tudo indica que a morte foi encomendada por quem estava vendendo a madeira na região. Ele era conhecido como João da Gaita (foto), gostava de cantar, tocar sanfona, era muito animado, uma boa liderança na região. Não consigo entender como a situação chegou a esse ponto.

IHU On-Line – O senhor conhece o Assentamento Areia? João Primo denunciava o corte e a venda de madeira ilegal que acontecia nesse local?
Dom Wilmar Santin – Nessa região foi criada uma área de preservação. Entretanto, a informação que tenho é de que 15 a 20 caminhões retiram madeira do local durante a noite. João foi assassinado porque passou a denunciar essa situação.
IHU On-Line – Há quanto tempo o senhor vive em Itaituba? Quais foram suas impressões ao chegar à região, especialmente no que se refere à condição de vida das pessoas e aos problemas sociais?
Dom Wilmar Santin – Estou na cidade há seis meses. Nasci no estado do Paraná e, nos dois últimos anos, morei em Manaus, nas paróquias São Lázaro e Coração Imaculada de Maria do Morro da Liberdade. Tomei posse como bispo no dia 10 de abril deste ano. Então, ainda não conheço toda a região.
Itaituba cresceu muito nos anos 1980, 1990, devido ao garimpo, mas hoje não há tanto ouro na região. Apesar disso, os principais problemas sociais estão relacionados a esta atividade. Quando a extração de ouro diminui, permanece a pobreza. Recentemente escutei a expressão “no tempo do garimpo se matava cinco por noite e se amarrava mais cinco para matar no café da manhã”. De uma maneira poética e bem humorada, as pessoas dizem que a situação antigamente era ainda pior. Toda noite tinha briga, rixas nos garimpos. A violência é bastante parecida com outros lugares do país. O que mais me choca é a desagregação familiar provocada pela prostituição. Outro dia encontrei uma mulher com sete filhos de sete pais diferentes. De certa maneira, essa situação é consequência dos garimpos.
IHU On-Line – Qual a reação da população diante do assassinato de pessoas que denunciam as ilegalidades da região?
Dom Wilmar Santin – Tenho escutado frequentemente esta expressão: “Será que nós vamos voltar ao tempo do faroeste?”. A polícia do Pará conseguiu prender os assassinos da Ir. Dorothy, e tenho esperança de que consigam prender o assassino de João Primo. Em função da repercussão internacional, acredito que a polícia está se empenhando mais nas investigações para elucidar esse crime e, principalmente, para limpar o nome do país e do Pará.
Fiz e reitero o apelo à nossa presidente. Nas eleições, ela prometeu intensificar a segurança, e, portanto, precisa disponibilizar meios necessários para elucidar esse crime. Se esses crimes que estão acontecendo no Pará ficarem impunes, o governo dela ficará manchado. A Polícia Federal tem que ajudar nas investigações e colocar um basta nesse negócio de encomendar morte dos outros.
No mês de setembro estive na Itália, e os amigos perguntaram se eu morava próximo do local onde Ir. Dorothy foi assassinada. Expliquei que residia em uma cidade mais tranquila, onde os conflitos eram menos acentuados e, de repente, João Primo é assassinado. A morte dele ganhou repercussão internacional e, desde então, tenho recebido muitos e-mails de pessoas que moram no exterior.
No final de agosto, os bispos do Pará se reuniram com o governador. Nós apresentamos as problemáticas das nossas regiões e sugestões de como resolver certos problemas. Percebi que ele tem boa vontade em resolver as questões. Quando falamos sobre a segurança, principalmente no chamado sul do Pará, ele disse que, infelizmente, os recursos que chegam para o estado não são suficientes para investir mais em segurança porque o Pará é grande demais.
IHU On-Line – E o senhor é favorável à divisão do Pará em três estados (o novo Pará, Tapajós e Carajás)?
Dom Wilmar Santin – Para ir até Belém é uma epopeia; é longe demais. O acesso é difícil: a passagem de avião é muito cara, e a estrada não é asfaltada. A geografia da região dificulta o acesso de uma cidade à outra.
A história do Brasil recente demonstra que a criação de novos estados é positiva para o desenvolvimento das regiões. Um exemplo disso é a divisão entre Mato Grosso e Mato Grosso do Sul.
Hoje, devido à falta de recursos o Pará está abandonado. Com a criação de Tapajós, será possível estabelecer um canal de proximidade geográfica entre as regiões. Por outro lado, os paraenses de Belém se opõem em relação à criação de Carajás. Eles alegam que todas as riquezas ficarão para o novo estado de Carajás: a hidrelétrica de Tucuruí, e as grandes jazidas. Sou favorável à criação do estado do Tapajós e acredito que, com a divisão, o povo será favorecido, pois o estado terá mais recursos para investir em segurança.
IHU On-Line – Como os indígenas que vivem no Pará estão se manifestando diante do Complexo do Tapajós?
Dom Wilmar Santin – Os indígenas vivem em terras demarcadas, em uma área da cabeceira do rio Tapajós. Dias atrás ouvi a notícia de que eles prenderam alguns funcionários da Funai, tendo como objetivo pressionar o governo para um diálogo. O planejamento de construir cinco represas hidrelétricas na região está criando uma certa intranquilidade entre as comunidades, porque essas obras irão atingir a reserva indígena. Dois caciques estão sob proteção da Política Federal porque estão sendo ameaçados de morte.
IHU On-Line – Como o senhor vê o projeto de Belo Monte, no Pará? Como a população tem se manifestado diante da liberação para construir essa obra?
Dom Wilmar Santin – Em relação a Belo Monte, existe, de um lado, a propaganda, que diz que a obra é necessária; e, de outro, existe a realidade concreta. Dom Erwin tem se empenhado na luta contra Belo Monte e explicou, recentemente em um encontro dos bispos da região, que mais de 30 mil pessoas estão sendo arrancadas de suas casas e não sabem para onde ir. Não há diálogo e nem indenizações. As pessoas são retiradas de suas moradias na base da pressão. Os moradores saem da região que será inundada e mudam para Altamira. A cidade está um caos, porque mais de 30 mil pessoas estão sem trabalho, sem casa, sem escola, sem hospital, sem luz, sem água. A violência e a prostituição aumentaram. Além disso, os técnicos dizem que as 40 condicionantes foram cumpridas, mas isso é mentira. Não sei o que fazer para mudar essa situação. Tentamos todas as formas de diálogo, mas nada adiantou. O governo federal está desdizendo tudo o que prometeu em campanha. Parece que Dilma jogou no lixo a luta pela justiça. Agora ela está comprometida com o capital internacional.
IHU On-Line – Qual é a distância entre Itaituba e Altamira? Belo Monte pode impactar Itaituba também?
Dom Wilmar Santin – A distância entre as cidades é de aproximadamente mil quilômetros. Indiretamente, a obra de Belo Monte pode causar algum impacto na cidade à medida que as trinta mil pessoas que estão em Altamira não tiverem mais condições de sobreviver no município. Certamente elas migrarão para outros lugares e poderão vir para Itaituba. Talvez aconteça uma migração relevante de cinco a dez mil pessoas para a cidade.
IHU On-Line – Itaituba também tem recebido empreendimentos do PAC?
Dom Wilmar Santin – Será construído um porto do outro lado da cidade, em Miritituba. Itaituba está na margem esquerda do rio Tapajós e Miritituba, no lado direito. Por enquanto as pessoas vão de balsa de uma cidade à outra. A informação que temos é de que será construído um porto para escoar a soja colhida no Mato Grosso. Apesar de ser um porto destinado à atividade comercial, acredito que ele irá favorecer a população, pois serão criados novos empregos.
IHU On-Line – Qual tem sido a atuação da Igreja na região em relação aos grandes empreendimentos financiados pelo governo?
Dom Wilmar Santin – A Igreja sempre tenta desenvolver um trabalho de conscientização, de união do povo, de dizer o que está acontecendo. Estamos tentando alertar a população para os problemas que serão gerados em função da construção das hidrelétricas. Pessoalmente, acredito que podemos falar o que quisermos, mas, se o governo federal já está comprometido com grandes empresas, as hidrelétricas vão sair de qualquer jeito. Não adianta lutar contra.
Vamos lutar para que as indenizações sejam justas e que os impactos ambientais sejam pequenos. Em Itaipu não previram os impactos. Poderia ter construído uma inclusa para navegação e transporte fluvial, mas nada foi feito. Tenho informações de que boa parte das pessoas que perderam as suas terras não foram bem indenizadas.
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