Para Lessa, a operação não é de interesse nacional, uma vez que envolve uma disputa entre acionistas do Pão de Açúcar. O grupo Casino, que detém parte das ações da rede de supermercados brasileira, é um rival do Carrefour na França.
Se consumada a união, o BNDES deve investir R$ 3,9 bilhões. Nesta quinta (30), o atual vice-presidente do BNDES, João Carlos Ferraz, defendeu o envolvimento do banco no caso, destacando que é uma forma de valorizar os produtos nacionais no exterior. Este também é o argumento de Abílio Diniz e do ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Fernando Pimentel.
Lessa presidiu o banco de fomento por menos de um ano no início do primeiro mandato de Lula, em 2003. Foi afastado após críticas ao então presidente do Banco Central, Henrique Meirelles.
Terra Magazine - Qual a sua reação ao envolvimento do BNDES na proposta de união entre o Pão de Açúcar e o Carrefour no Brasil?
Carlos Lessa - Eu considero que essa operação não tem o menor interesse nacional. Não serve em nada para o Brasil. É muito conveniente pra família do Abílio Diniz. O que ele vai fazer é trocar uma bandeira francesa pela outra: ele estava associado com o grupo Casino e agora vai trocá-lo pelo Carrefour. Isso é uma brincadeira. Como é que o BNDES vai aplicar R$ 3,9 bilhões pra permitir que o doutor Abílio brinque de trocar de um francês pra outro? É claro que quando ele joga pro Carrefour, ele tem um ganho enorme. O BNDES está fazendo uma operação gigantesca só pra o doutor Abílio Diniz ficar mais rico.
O argumento de Diniz e do governo é aumentar a venda de produtos brasileiros na Europa...
Eu escuto o ministro Fernando Pimentel (Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior) dizendo essa bobagem. E por que é que com o Casino não aumentou? Quando a Ambev passou a ter participação de um grupo Belga, dizia-se que ia aumentar a exportação e cerveja. Aumentou nada, importamos cerveja. É uma loucura, um disparate brutal.
Uma fusão como essa está fora das funções do BNDES?
O BNDES foi criado para o desenvolvimento do Brasil. E para gerar emprego para os brasileiros. Operações como essa não geram um emprego sequer dentro do Brasil, a não ser dois ou três diretores novos que o Grupo Pão de Açúcar vai ter. Nos temos que gerar em massa milhares de empregos para os jovens brasileiros. Como é que o BNDES faz isso? É inacreditável! A operação é altamente inconveniente para o Brasil.
O Abílio Diniz foi um apoiador da presidente Dilma em sua campanha e é parte de um comitê ligado à Presidência (a Câmara de Políticas de Gestão, Desempenho e Competitividade é um órgão que assessora a presidente , formado por quatro grandes empresários - incluindo Diniz - e presidido por Jorge Gerdau). O senhor vê um problema ético no fato de Diniz estar ligado à Presidência?
Eu sei que o Abílio Diniz é hiperpoderoso e sei que o ministro Pimentel quer ser governador de Minas Gerais. Tem problemas éticos por todos os lados. A começar pelo próprio BNDES, que não foi criado pra isso. Você tem que ligar com as grandes empresas, sim, mas grandes empresas nacionais e que estejam investindo no Brasil.
O BNDES participar de uma operação de fusão não é, por si só, uma coisa inusitada?
Tem casos em que a participação é importante. Por exemplo, Aracruz e Votorantim. A Aracruz era a maior produtora de papel e celulose do país. O BNDES apoiou a Votorantim para absorver a Aracruz porque, senão, uma empresa finlandesa compraria. O Brasil iria desaparecer no mercado de papel e celulose. Mas o Abílio Diniz está apenas valorizando as ações dele: ele trocou a bandeira francesa do Casino pela do Carrefour.
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