quarta-feira, 27 de abril de 2011

Eldorado dos Carajás: Assentados investem na educação e sonham com agroindústria, mas enfrentam dívidas

A repórter Manuela Azenha esteve recentemente no assentamento 17 de abril, do MST. Esta é a segunda de uma série de reportagens sobre o massacre de Eldorado dos Carajás, em 1996 — e suas consequências:



Uma pequena cidade onde antes só havia pasto. No assentamento 17 de abril, em Eldorado dos Carajás, Pará, hoje vivem 690 famílias ligadas ao Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST). Cada uma recebeu 25 hectares do que antes era um imenso latifúndio, de 37 mil hectares.
“Uns amigos que já eram do movimento me contaram do complexo de fazendas Macaxeira. Disseram que era uma boa ideia ocupar aquele terreno, porque lá empregavam trabalho escravo, havia milhares de irregularidades ambientais e trabalhistas. Além daquilo tudo ser só pastagem para criar gado”, conta Luis Lima, o presidente da Associação de Produção e Comercialização dos Trabalhadores Rurais do Assentamento 17 de Abril (ASPCTRA).
Luis é mais um migrante que saiu de sua terra natal para tentar a sorte no garimpo: “Minha história se confunde com a de muitos brasileiros. Eu tinha o sonho de ser um homem rico. Saí do Maranhão para trabalhar no garimpo de Serra Pelada. Nos anos 80 era o boom do garimpo no Brasil, tinham acabado de descobrir as riquezas do solo dessa região”. Ele trabalhou na atividade durante dezessete anos até desistir e entrar na luta pela terra, antes da ocupação do complexo de fazendas que hoje é o assentamento 17 de abril.
A reivindicação custou a vida de 19 pessoas, mas foi depois do massacre de Eldorado dos Carajás, em 1996, que o governo federal passou a considerar aquele território improdutivo e desapropriou a fazenda.
[Para a primeira reportagem da série, que trata do massacre, clique aqui]
A primeira medida dos trabalhadores, depois disso, foi definir onde seria a vila, para em seguida distribuir os lotes. A praça central  é hoje o ponto de encontro dos assentados. Ao redor dela estão a sede da associação, o açougue, o mercado, a farmácia, bares e um parque de diversões.
As casas de alvenaria oferecidas pelo INCRA (Instituto Nacional de Reforma Agrária) são na vila. De início,  tinham apenas 42 metros quadrados, sem espaço sequer para banheiro. As habitações foram reformadas, mas quase metade dos assentados já não vive nelas. Para tomar conta de suas plantações, os moradores construíram casas nos lotes e isso fez com que se investisse na distribuição de  energia elétrica, por exemplo.


O barracão (para fazer farinha) e a casa de Antonio Ferreira no lote. Ele, a esposa Maria de Jesus e os filhos dispõem de geladeira, aparelho de som e TV.



A casa de Antonio Ferreira é simples, mas conta com aparelho de som e televisão conectada a uma antena para receber imagens via satélite.
As famílias do assentamento vieram de todo o Brasil. São gaúchos, maranhenses e goianos que trouxeram consigo diferentes culturas e modos de plantar.
Seo Antonio é chamado de sertanejo pelos produtores do assentamento. Não usa máquina alguma, tampouco agrotóxicos. “Ele vai plantando uma coisa de cada vez, por etapas. Olha as várias mandiocas, cada uma de uma idade, de um tamanho. Ele faz tudo com a mão, é outro ritmo”, riem os goianos. “Não sabe mexer com máquina, mas a gente também não sabe aplicar a técnica dele”.
Os agrotóxicos são bastante utilizados nas plantações, mas os assentados que passam pelo curso de formação do MST são orientados a praticar o cultivo orgânico. Quanto às máquinas, agora os camponeses tem tido mais acesso a elas, já que são alugadas pelo governo por metade do preço.

Antonio na plantação de feijão

A família do seo Antonio planta arroz, feijão e banana em quantidade suficiente para o consumo da família. “A gente só vende farinha, de vez em quando”, conta Maria de Jesus.
Dos 25 hectares de terra recebidos, os assentados devem preservar 80%. Há quem considere os outros 20% insuficientes para tornar os plantios um negócio rentável.
O temor agora é que a falta de apoio complique a situação econômica dos assentados. “O INCRA é uma máquina parada. Já foi muito atuante, sempre foi nosso parceiro, mas agora está em crise. A Dilma anunciou esse corte de 50 bilhões de reais e pode ter certeza que o INCRA será atingido”, diz o presidente da associação.
Ainda assim, o assentamento produz carne, grãos e leite, vendidos nos mercados locais.



O reservatório de leite de Célia Araujo, outra assentada, está sempre cheio. Civaldo, o marido dela, foi um dos fundadores do 17 de abril e, em parceria com os dois filhos, produz 3 mil litros de leite por semana.
Segundo Luis Lima, no assentamento todo são produzidos 30 mil litros de leite por dia. “Tivemos de nos adequar ao que sempre condenamos: a criação extensiva de gado. Mas não tínhamos o que fazer, a fazenda era só pasto. Produzimos muito leite, mas não conseguimos agregar valor ao produto. Precisamos criar uma agroindústria do leite para manter nossa soberania e sobrevivência”, afirma ele.
Para Elisvaldo Costa de Sousa, antigo morador, o assentamento sofre das mesmas deficiências de qualquer cidade. Ele já foi presidente da associação e diz que hoje o problema que mais o preocupa é a falta de um espaço para os jovens, com um curso profissionalizante, por exemplo.



“O problema de drogas e violência que existe no país não é diferente aqui. A juventude precisa ser despertada. Eles é que vão nos substituir”, afirma.
Mesmo assim, Elisvaldo diz que o sistema de ensino do assentamento é de ótimo nível. O analfabetismo foi praticamente erradicado.  Há aulas noturnas do programa Educação para Jovens e Adultos (EJA), do Ministério da Educação. São cerca de 60 alunos matriculados na escola, fora os que participam do programa estadual “Sim, eu posso”, que consiste em 65 vídeo-aulas. O programa, desenvolvido em Cuba, alfabetiza através de uma telenovela e já foi levado pelo MST para mais de dez estados brasileiros.
Elisvaldo diz que a estrutura do assentamento é razoável. Além da escola, os moradores contam com um posto de saúde. No caso das ruas de barro, a cada chuva forte precisam ser refeitas. E no Pará não chove pouco.
Hoje, Elisvaldo é chefe de gabinete do prefeito de Eldorado dos Carajás, Genival Diniz Gonçalves (PT). É tido como presença especial no assentamento. Por fazer parte do poder público,  oficialmente se desligou do movimento. “Estamos passando por uma nova fase, estou ocupando um cargo no Executivo para tentar defender os interesses do nosso povo. Sempre acreditamos no trabalho em parceria com o governo”, explica ele.
Para Luis Lima, o principal problema do assentamento é a forma pela qual os moradores tiveram acesso a crédito, o que deixou muitos deles endividados.
“O projeto de crédito foi mal elaborado, ele segue o calendário do Sul  do país, não o nosso. O Brasil é um pais continental e deveria ter pelo menos três calendários de crédito. Os recursos foram liberados para nós fora de época. Os grandes fazendeiros podem renegociar suas dívidas, mas nós,  não. Precisamos de mais linhas de crédito para que a gente tenha condição de pagar as dívidas”, argumenta.


O latifúndio hoje abriga 690 famílias. Com um parque de diversões no meio. (Fotos Manuela Azenha)
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