Por Renato Rovai
Dilma venceu as eleições de ontem com 12 milhões de votos em relação a José Serra. Não é pouco. Mas também não é tanto quanto parece. Não fosse a militância ter assumido a disputa como sua, ao final da primeira semana do segundo turno, e provavelmente a vaca teria ido para o brejo mesmo depois de o PT e partidos aliados terem construído com Lula o governo mais popular da história do país.
Na segunda-feira dia 11, logo depois do debate da TV Bandeirantes a diferença entre Dilma e Serra bateu em quatro pontos no tracking interno do PT. O sinal amarelo, porém, tanto para a militância quanto para a coordenação de campanha já havia ascendido antes, no meio da semana anterior, quando a diferença começou a cair e a sensação era de que tanto o programa de TV de Serra estava melhor quanto como a pauta do segundo turno era ditada por ele, com relevância especial para o tema do aborto, que havia ganhado uma centralidade sem sentido nos debates públicos.
Foi essa sensação que fez com que nas redes sociais e nos blogues os militantes passassem a exigir de Dilma uma postura mais aguerrida no debate da TV Bandeirantes. No sábado e no domingo do debate a pressão foi imensa.
Blogueiros e tuiteiros queriam que ela não deixasse nada sem resposta e que comparasse a gestão tucana e os governos de Lula principalmente em relação à valorização do Estado e aos investimentos sociais. E pediam que Dilma enfrentasse com coragem a questão do aborto.
Na coordenação de campanha havia dúvidas se essa era a melhor estratégia. Um setor preferia uma Dilminha mais paz e amor, que tocasse a bola de lado contando com a enorme popularidade de Lula para chegar a vitória, como se ela fosse inevitável. Outro grupo defendia uma candidata mais firme. E Dilma também não estava satisfeita no figurino de mulherzinha comportadinha e boazinha. Queria enfrentar Serra. Queria deixar claro que era diferente e melhor do que ele. E foi para o debate com sangue nos olhos.
Dilma não poupou o tucano do primeiro ao último minuto do encontro. Fez o que a militância queria e não só mudou a pauta do debate do segundo turno, que migrou de aborto para privatizações, como também encheu de brios seus apoiadores que foram para a rua enfrentar o debate político.
Após o debate, registrei isso num post. Não tenho dúvida de que aquele foi o turning point da campanha – como gostam de dizer os gringos. Ou seja, o momento da virada do segundo turno. Se Dilma não assumisse tal postura no debate da Band, Serra poderia ter virado o jogo na semana que entrava.
Ao demarcar campos, Dilma deu mostras de que se tratava de uma disputa entre dois projetos distintos e que de alguma forma a esquerda e o movimento social progressista só tinham um lado para ficar. Com algumas exceções, foi isso que aconteceu.
Sindicatos, MST, feministas, defensores da democratização da comunicação, blogueiros progressistas, ecologistas sérios, artistas comprometidos, lutadores de todos os setores tornaram as três semanas que separaram o debate da Band do dia de ontem nas mais intensas de uma disputa política desde a redemocratização.
Dilma foi eleita com 12 milhões de votos de diferença. Não fosse o apoio decisivo desses setores e a história poderia ser diferente.
Isso não é ruim. É ótimo. O governo de Dilma terá de dar especial atenção a esses setores, que não tem reivindicações privadas, mas públicas. E de interesse público.
O segundo turno foi ótimo para a futura presidenta da República. Sua vitória vem com marca de povo, de luta social, de projeto democrático, com a força da esquerda.
Dilma terá de fazer um governo que avance nas conquistas já obtidas nos oito anos de Lula. É isso que vai lhe fazer governar junto com quem lhe garantiu a vitória de ontem, a militância.
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