Santarém (PA)
A exploração de madeira nobre na Amazônia segue um dilema antigo na sua exploração. Aquele nunca alcançado, em que poderia utilizar as riquezas da floresta e ao mesmo tempo beneficiar as comunidades que vivem lá e preservar o meio ambiente. Por enquanto, no Oeste do Pará, esse antigo problema segue sua sina de extrair o recurso da floresta, deixando pouco desenvolvimento local e também descontentes os habitantes tradicionais.
Reunidos na comunidade Atodi, nas margens belo rio Arapiuns, um afluente do Tapajós, representantes de 27 comunidades ribeirinhas, assentados e povos indígenas da região manifestaram insatisfações com a instalação, cada vez mais forte, da indústria madeireira. Fizeram um documento em que expõe rejeição à construção de três portos no rio Arapiuns, que servem ao escoamento da madeira. Afirmam que os portos não possuem licença dos órgãos ambientais.
"Estão destruindo o leito dos rios", afirma Dinael Cardoso, representante indígena e uma das lideranças do Movimento em Defesa da Vida e da Cultura do Rio Arapiuns. O movimento surgiu exatos um ano atrás, quando uma mobilização dos comunitários fechou o rio e impediu a passagem de balsas carregando tora de madeiras. Nessa ocasião, duas balsas foram queimadas, conforme foi mostrado nesta reportagem.
"Se nós não lutarmos, se não unirmos nossas forças para retirarmos os empresários que estão aqui dentro, a natureza vai morrer", afirmou Pedro, da comunidade São José 1. Segundo ele, o assoreamento do rio é visível, e a água antes cristalina, esta barrenta. "Estamos bebendo e tomando banho em barro".
Barcos e canoas estacionados no rio Arapiuns, em frente à comunidade Atodi(Foto: Felipe Milanez/Terra Magazine)
Em depoimento aos comunitários, ele apontou a dinâmica econômica da região que inclui, alem da indústria madeireira, também a pressão pela exploração de bauxita e de agricultores de soja.
O rio Arapiuns é um afluente do Tapajós, que banha a cidade de Santarém. A área de terras no oeste do Pará, fronteira com o Amazonas, é uma das mais preservadas do estado, e está em processo de titulação e regularização fundiária. As comunidades tradicionais, ribeirinhos e indígenas, reivindicam a ocupação ancestral, em oposição à chegada, cada vez mais crescente, da indústria madeireira.
O encontro do movimento do Arapiuns ocorreu entre os dias 13 e 14 de novembro, e se estendeu ao longo dessa última semana espalhado pelas mais de 30 comunidades que estavam representadas entre cerca de 360 participantes. Um dos objetivos da reunião no Atodi foi consolidado em um abaixo assinado demandando o fechamento dos portos, e que deve ser seguido por uma série de manifestações que podem ocorrer no Fórum Social Pan-Amazônico ¿ evento que ocorre em Santarém entre 25 e 29 de novembro.
"A situação no rio Arapiuns é grave. Se não tomarmos ações concretas esse rio pode deixar de existir", afirma Cardoso. "A gente assiste, dia e noite, balsas descendo o rio carregadas de madeira. Aqui não fica nada, só migalha."
Entre as criticas apontadas na reunião, além da construção dos portos, esta a falta de demarcação da terra indígena Borari - em processo na Funai -, e uma concessão florestal para exploração de madeira feita recentemente pelo governo do Pará, na Gleba Mamuru, e que teria aberto nova frente de expansão econômica.
- Sai tanta madeira daqui, e não fica uma escola, um posto de saúde. Para onde vai essa riqueza? - questiona Cardoso.
"Por um lado, nos últimos meses, houve avanço na regularização de muitos assentamentos e demandas das populações", pondera Tiberio Alloggio, do Saúde e Alegria. "Mas a concessão florestal na Gleba Mamuru, alem de aumentar os conflitos ainda não dirimidos com as comunidades que estão pedindo a regularização de suas terras, nessa área, abre também um corredor de exploração até Juriti", afirma.
Segundo ele, isso pode colocar em risco a preservação da floresta em uma área ainda de baixa pressão.
Enquanto as comunidades que vivem nas margens do rio não são recompensadas pela riqueza econômica presente em suas terras, a exploração destes recursos segue o caminho sempre trilhado: extraindo o que existe, deixando pouco para quem vive lá. A união das comunidades do Arapiuns mostra que, ao menos nessa parte da Amazônia, as reivindicações locais podem começar a mudar essa sina histórica.
* Felipe Milanez é jornalista e advogado, mestre em ciência política pela Universidade de Toulouse, França. Foi editor da revista Brasil Indígena, da Funai, e da revista National Geographic Brasil, trabalhos nos quais se especializou em admirar e respeitar o Brasil profundo e multiétnico.
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