sexta-feira, 8 de maio de 2009

ANA JÚLIA SOBRE DANTAS E CIA

A íntegra da entrevista de Carta Capital com a Governadora Ana Júlia.

Em janeiro de 2008, a governadora do Pará, Ana Júlia Carepa, foi surpreendida por um telefonema de um antigo companheiro do PT, o ex-deputado Luiz Eduardo Greenhalgh. De São Paulo, Greenhalgh manteve uma conversa evasiva e pediu uma audiência com a governadora. De pronto, Ana Júlia convidou o correligionário para um almoço na residência oficial, em Belém. O que deveria ter sido uma conversa entre velhos amigos tornou-se um encontro constrangedor. Greenhalgh levou a tiracolo o empresário Carlos Rodenburg, então vice-presidente do Banco Opportunity e ex-cunhado do banqueiro Daniel Dantas. Enquanto saboreava um peixe da região, a governadora haveria de descobrir um segredo que só seria revelado ao País dali a seis meses, após a Operação Satiagraha: Greenhalgh, antigo defensor de trabalhadores rurais e presos políticos da ditadura militar, havia se tornado advogado e lobista de Dantas. O petista intercedeu a favor do banqueiro e de suas atividades pecuárias no Pará.
Greenhalgh se apresentou, em Belém, para pedir à governadora a revisão de uma notificação de crime ambiental apresentada pela secretaria estadual de Meio Ambiente contra a fazenda Espírito Santo, da Agropecuária Santa Bárbara, de propriedade de Dantas. “Se eu soubesse que o assunto era esse, jamais o teria recebido”, afirma Ana Júlia Carepa. Ainda assim, em respeito ao passado de Greenhalgh. Ela não espalhou a notícia.
Rodenburg acaba de ser indiciado pela Polícia Federal (Dantas também) por crimes de gestão fraudulenta, formação de quadrilha, evasão de divisas, lavagem de dinheiro e empréstimo vedado.
Hoje a governadora faz uma interpretação mais profunda dos fatos. Para ela, a visita de Greenhalgh e Rodenburg a Belém, em 2008, era apenas o primeiro movimento de uma seqüência de movimentos que culminaria, em 18 de abril passado, no conflito em que seis trabalhadores sem-terra foram feridos a bala por seguranças da fazenda de Dantas.
O segundo movimento foi um telefonema do ministro Gilmar Mendes, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), em 4 de março deste ano. Fato inédito na vida republicana brasileira, o chefe do Poder Judiciário telefonou à governadora para tomar conhecimento da maneira como o Executivo paraense conduzia a reintegrações de posse de terras no estado, além de perguntar a quantas andava o efetivo da Polícia Militar.
Uma semana antes, o ministro havia criticado a invasão de terra pelo Movimento Nacional dos Trabalhadores Sem Terra (MST) e acusado o governo de ser o principal financiador de ilegalidades no campo.
O telefonema de Mendes deixou Ana Júlia em alerta. Não foi por menos. Seis dias depois, a senadora Kátia Abreu (DEM-TO), presidente da Confederação Nacional da Agricultura (CNA), entrou no Tribunal de Justiça do Pará com uma ação judicial contra a governadora, em 11 de março. Alegou, justamente, descumprimento de mandados de reintegração de posse de terras invadidas por trabalhadores sem-terra. Foi o terceiro movimento. O quarto viria a seguir, e só foi descoberto mais recentemente: em uma audiência na Câmara, em 16 de março, o deputado Abelardo Lupion (DEM-PR), expoente da chamada “bancada ruralista”, anunciou, clarividente, que em breve haveria um sério conflito de terras no Pará. Bingo. Dois dias depois, jornalistas levados de avião pelo Opportunity à região de Xinguara presenciaram a guerra campal na fazenda do banqueiro.
Passados quatro dias do conflito, em 22 de abril, Kátia Abreu voltou à carga, desta vez na Procuradoria-Geral da República, onde foi pedir intervenção federal no estado. Foi, até agora, o último movimento. Por trás de todos eles está, segundo a governadora do Pará, Daniel Dantas.
Na quarta-feira 29, Ana Júlia Carepa recebeu CartaCapital no escritório da representação do estado do Pará, no Setor Comercial Sul de Brasília. A governadora não consegue esconder a decepção de ver o companheiro Greenhalgh do outro lado da trincheira e denuncia uma conspiração, segundo ela, montada pela turma de Dantas para tentar passar a imagem de que o Pará é uma terra sem lei.
CartaCapital: De que maneira o ex-deputado Luiz Eduardo Greenhalgh se aproximou da senhora para interceder pelo Opportunity?
Ana Júlia Carepa: O Greenhalgh é um companheiro por quem sempre tive muito respeito. Ele telefonou para mim, de São Paulo, e disse que precisava falar comigo, que viria a Belém, em janeiro de 2008. Eu falei “pois não, meu companheiro”. Quando ele chegou, percebi que tinha vindo com Rodenburg (Carlos Rodenburg, do Opportunity). Fiquei surpresa.
CC: Qual foi a sua reação?
AJC: Eu me virei e disse a ele (Rodenburg): “Já o conheço de situações bem menos confortáveis do que esta aqui”. Eu o conhecia da CPI dos Correios, ele estava lá acompanhando o Daniel Dantas, a quem desafiei muitas vezes e acusei de subjugar os fundos de pensão, durante o governo Fernando Henrique Cardoso, para manter o controle acionário da Brasil Telecom. Mesmo assim, seguimos para a residência oficial e fomos almoçar.
CC: Havia mais alguém nesse almoço, além de vocês três?
AJC: Sim, o meu então chefe de gabinete, João Cláudio Arroio.
CC: O que Greenhalgh e Rodenburg queriam?
AJC: Eles queriam “vender” a imagem da empresa (Agropecuária Santa Bárbara) e reclamar que tinham recebido uma notificação de crime ambiental da Secretaria de Meio Ambiente do Pará. Perguntaram se era uma coisa específica para eles. Eu disse que não, pois a certificação ambiental é obrigação de todo mundo. Somos cobrados por isso. Greenhalgh queria saber especificamente sobre esse documento, do qual o governo do Pará não abre mão. Disse que se eles precisassem de mais algum prazo para levantar a documentação não seria problema. Mas o documento seria mantido. Disse que a única exigência que o estado faz para qualquer empreendedor do Pará é que trabalhe dentro da legalidade, dentro das leis ambientais, e por isso mesmo houve a notificação.
CC: Por qual razão o ministro Gilmar Mendes ligou para a senhora?
AJC: Queria saber como é que estava a situação no campo, como estavam sendo feitas as reintegrações de posse. Ele foi educado, e eu respondi que as reintegrações estão sendo feitas de forma tranquila, depois de eu ter encontrado o estado com 173 mandados de reintegração, herdados do governo anterior (do PSDB), que não cumpriu a lei. Hoje, temos apenas 63 mandados a serem cumpridos. Então, expliquei para ele que, ao assumir o governo, logo no primeiro ano, cumprimos vários mandados de reintegração, sobretudo na região sudeste e sul do Pará. Fizemos também uma ação de paz no campo, justamente nessa região de Xinguara (onde fica a fazenda de Dantas), elogiada pelos produtores rurais da região.
CC: O que mais ele quis saber?
AJC: Sobre o efetivo policial do estado. Falei que encontramos o Pará com a força policial completamente defasada. Nos governos do PSDB (que duraram 12 anos), foram dez anos sem concurso para a Polícia Militar. Dez anos sem ampliar o efetivo policial. Fiz o concurso e 9 mil novos policiais entraram agora, entre dezembro de 2008 e janeiro de 2009, na PM. Estou reconstruindo o estado. Não posso abandonar a segurança nas cidades para cumprir mandados de reintegração de posse de forma aleatória.
CC: Ele disse por que queria saber dessas coisas?
AJC: Não, e nem eu perguntei. O governador do Amapá (Waldez Góes, do PDT) estava, por coincidência, do meu lado, numa audiência. Ouviu tudo que eu falei.
CC: O ministro Gilmar Mendes já havia ligado antes para a senhora?
AJC: Nunca havia ligado antes. Nem ligou depois.
CC: Algum ministro do STF já havia ligado para a senhora para colher informações do estado? Isso é uma praxe?
AJC: Não, nunca tinha ouvido falar nisso. Para mim, foi a primeira vez que isso aconteceu.
CC: A senhora se sentiu cobrada pelo ministro Gilmar Mendes?
AJC: Ele me "cobrou", entre aspas. Eu senti que ele foi acionado por alguém para me pedir informações. Tive essa sensação, de que alguém o acionou e disse que as coisas (as reintegrações de posse) não estavam acontecendo, e ele resolveu ligar para mim para saber.
CC: E quem teria acionado o presidente do STF?
AJC: Aí não posso dizer, não posso afirmar.
CC: Foi antes da ação judicial impetrada pela senadora Kátia Abreu, não?
AJC: Ela entrou com uma ação no Tribunal de Justiça do Pará, em março, logo depois do telefonema (de Mendes), não demorou muito tempo, não. Depois, entrou com outro pedido, de intervenção federal, na Procuradoria-Geral da República.
CC: O que mudou, exatamente?
AJC: No momento em que entra um grande grupo econômico, a gente sente a diferença. Na hora que o MST ocupou as terras desse grupo (Opportunity), a senadora passou para o ataque frontal. Depois, soubemos da declaração do deputado Abelardo Lupion, anunciando que conflitos iriam acontecer no estado do Pará. Ele foi acompanhado do deputado Wandenkolk Gonçalves (PSDB-PA) ao ministro da Justiça, Tarso Genro, solicitar a presença da Força Nacional no estado. Dali a três dias, no dia 18 de abril, a advogada do Opportunity levou jornalistas de avião à fazenda de Dantas e aconteceu aquele conflito. Está no depoimento do jornalista da TV Liberal (Vitor Haor, que confirmou ter sido levado de avião à faz da Espírito Santo, e também nega ter havido cárcere privado e ter sido usado de "escudo humano" pelos sem-terra).
CC: A senhora achaque o conflito foi premeditado?
AJC: Eles anunciaram antes que haveria o conflito e levaram os jornalistas de avião. Infelizmente, os sem-terra acabaram sendo funcionais para esse grupo. Foram provocados e acabaram aceitando a provocação, porque Dantas tenta posar de vítima nessa situação. O que se está tentando fazer é passar a imagem de que o estado do Pará não toma providências, que somos lenientes. Ora, antes de acontecer o conflito, tínhamos prendido vários sem-terra armados.
CC: A senhora está sendo pressionada a usar de violência?
AJC: Eles (a oposição) têm saudade desse expediente. O grupo que governou o estado do Pará por 12 anos provocou o massacre de Eldorado dos Carajás (ocorrido em 1996, quando19 sem-terra foram mortos pela PM paraense). Agora, estão doidos para que aconteça de novo, que eu patrocine um outro massacre, mas meu governo se caracteriza exatamente pelo contrário. Em 2006, foram 24 mortes por conflito no campo.
CC: Há como erradicar os conflitos de terra no Pará?
AJC: Os conflitos agrários no Pará são históricos, mas eles têm decrescido de uma forma evidente. O estado foi o campeão de diminuição de mortes no campo, em 2007. Até então, éramos os campeões de morte. Isso ocorre porque fazemos as reintegrações de posse de uma forma responsável, dentro de uma política de respeito aos direitos humanos.
CC: Como é o diálogo com o MST?
AJC: A gente dialoga com o MST, mas não é um diálogo fácil. Eles fazem essas coisas, acabam sendo funcionais para o grupo de Dantas. Recentemente, tivemos de abrir um processo contra um dos líderes do MST no estado, pois ele disse na televisão que iria comandar uma invasão de terra e que não iria sobrar nada, nem uma árvore, nem para fazer remédio. Não posso ficar inerte diante de alguém fazendo uma incitação como esta.
CC: A terra do Grupo Opportunity é grilada?
AJC: Parte dela com certeza é. Eles adquiriram áreas já griladas. Minha obrigação como governadora é combater as ilegalidades todas. Não posso combater só ilegalidades do MST. E é isso que incomoda, sobretudo a esse grupo, que tem muita força em alguns setores da imprensa. Dantas já tinha as terras, ele não comprou as terras no meu governo. O meu governo é que questionou a legalidade de parte dessas terras. Queremos retomar essas áreas.
CC: Havia a possibilidade de cumprir o mandado de reintegração de posse da fazenda de Dantas?
AJC: Aí é que está. Não existe mandado de reintegração de posse para a fazenda Espírito Santo, em Xinguara. O mandado que eles mostraram na televisão era para uma fazenda em Marabá, a 100 quilômetros de lá. A Vara Agrária de Redenção, que poderia ter expedido o mandado de reintegração, jamais se pronunciou a respeito. Aliás, o juiz dessa vara, Líbio Araújo de Moura, foi o mesmo que bloqueou os títulos de terra de toda aquela área, para estancar a grilagem na região, em janeiro passado. Mas o Opportunity criou esse factoide. A procuradoria do Estado é que descobriu isso. Os procuradores viram o número do processo e conferiram. Além do mais, nem poderia ter mandado, porque o título da terra está bloqueado.
--

Nenhum comentário: