Por Rodrigo Vianna
Os fogos estouram no céu de Caracas.
O Conselho Nacional Eleitoral acaba de dar o primeiro boletim oficial na noite de domingo. Com mais de 94% das urnas apuradas, o resultado já é irreversível: vitória do "sim" no referendo, vitória incontestável de Chavez.
Quero ir pra rua, ver a reação popular, mas preciso antes entrar ao vivo na programação da Record News
http://mariafro.blogspot.com/2009/02/chavez-vence-e-so-record-news-da.html
Enquanto isso, ligo a TV no quarto do hotel em Caracas. Chavez já está na sacada do Miraflores, o Palácio presidencial: canta o Hino Nacional. Os fogos aumentam aqui em volta do hotel (e olhe que estou em área dominada pela oposição; mas devem haver, por aqui, uns chavistas "infiltrados" entre os "esquálidos" da classe média caraquenha).
Chavez vence: em 10 anos, foram 15 consultas populares
Chavez está emocionado. Ato simbólico: inicia o pronunciamento lendo uma mensagem de Fidel Castro, que felicita os venezuelanos pelo triunfo do sim".
Penso com meus botões: mas Fidel não era um "cadáver político", como noz fizeram crer durante os anos 90? Agora, Chavez, o vitorioso, faz questão de iniciar seu discurso com a mensagem de Fidel. Hum... Algo se moveu na América Latina.
A velocidade é impressionante: Evo aprova a Consituição na Bolívia, Correa avança no Equador, Lugo se firma no Paraguai, Lula atinge 84% de aprovação. Fora os Kirchner na Argentina, e o Uruguai (que já tem o socialista Tabaré no poder, e pode agora eleger Mujica, um ex-guerrilheiro tupamaro convertido ao jogo democrático).
Não dá tempo de pensar muito. Corro pra pegar o táxi, e sigo com o cinegrafista Wanderlei , em direção a Miraflores. As ruas estão tomadas. Uma enorme procissão de motoqueiros chavistas circula pelas ruas do centro, fazendo muito barulho. As pessoas também chegam de carro, mas a maioria veio a pé, ocupando as ruas em volta do Palácio. Não conseguimos seguir mais de táxi. A pé, também, tentamos nos aproximar de Miraflores.
A cena lembra um pouco 2002, quando a multidão tomou as ruas de Caracas, exigindo a volta de Chavez. O presidente havia sido deposto num golpe de Estado comandado pela oposição, com apoio forte da mídia privada venezuelana. Por isso, os chavistas não são muito fãs de equipes de TV: com razão, associam jornalistas com golpismo.
Muitos me param: "de que canal são?". "Brasil, Brasil", respondo rápido. A reação é sempre a mesma: "Brasil, Lula, amigo de Chavez, amigo da Venezuela". Sorrisos, eles querem pular na frente da câmera, dizer o que sentem por Chavez. E os venezuelanos adoram um discurso. Como falam. Sempre alto, empolgados, verborágicos, muito diferentes dos brasileiros.
Subimos na famosa ponte sobre a avenida Baralt. Em 2002, as TVs privadas mostraram cenas de atiradores postados nessa ponte, e numa montagem safada (desmascarada pelo belíssimo documentário "A Revolução Não Será Televisionada"; veja a primeira parte aqui http://www.youtube.com/watch?v=aQu8ic0WRXo) fizeram crer que os chavistas atiravam sobre a multidão de opositores que passava pela avenida. Foi a senha para dar o golpe!
Dessa vez, não há atiradores, nem golpismo. Há a multidão... O Palácio ainda está a 3 quadras. Avançamos mais um pouco, já é possivel ver as janelas de Miraflores. Mas, é impossível chegar até a sacada de onde Chavez segue discursando...
A multidão enlouquece. Um homem carrega o retrato de Simon Bolivar, com uma moldura dourada, parece arrancado da parede de algum museu. Mas a História aqui está viva, vivíssima.
"Não balance o carro, por favor!" A multidão enlouquece em Caracas
O dono de uma van nos autoriza a subir na capota do carro, para gravar mais algumas cenas. O povo se aglomera em volta do carro: "Brasileiros, povo irmão", eles gritam, balançando perigosamente o veículo. "Sim, sim, povo irmão, mas não balance assim se nao a gente cai daqui de cima, meu amigo", penso eu, enquanto dou um sorriso meio sem graça para os simpáticos venezuelanos, já embalados por algumas doses a mais de uma bebida amarela , que não consigo distinguir dentro daquelas garrafas de plástico.
A festa avança pela madrugada. A rua é dos chavistas.
A oposição se refugia na mídia. Agora pela manhã (acordo cedo, para mais entradas ao vivo na Record), o que sobrou da RCTV (uma das emissoras golpistas de 2002) se transforma num palanque. Um sujeito de paletó grita palavras contra Chavez no estúdio, falando na necessidade de defender a honra da pátria. Imagino que seja um líder da oposição. Não! É um jornalista.
A imprensa aqui, como no Brasil, é quem lidera a oposição.
Um fato, no entanto, merece ser apontado. O "não" perdeu, mas obteve 45% dos votos. É um patrimônio e tanto. Falta à oposição um nome que consiga unificar tantos setores dispersos, para enfrentar Chavez. Mas a oposição, ao que paece, não tem mais porque se aventurar em golpismo. Ganhou musculatura para fazer o jogo democrático. Sorte da Venezuela.
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