quinta-feira, 6 de novembro de 2008

Exclusivo: crônica de uma liberdade anunciada













Bob Fernandes

Os intestinos do Brasil

Não existem coincidências

Hoje à tarde, se não optar por um pedido de vistas, o Supremo Tribunal Federal julga o mérito do habeas corpus concedido pelo presidente do Tribunal, Gilmar Mendes, ao banqueiro Daniel Dantas. Decide, em resumo, se Daniel Dantas volta para a cadeia ou se fica solto. Terra Magazine tem informações que levam a esta crônica de um resultado anunciado: se o julgamento se concretizar, prevalecerá o habeas corpus. Daniel Dantas continuará solto.

Como sabe qualquer calouro de Direito, um julgamento desse porte é, será sempre, acima de tudo político, uma vez que argumentos jurídicos para prender ou soltar sempre existirão. Aos magotes.

Julgamento político tendo-se em conta o mais amplo sentido da expressão. Não existem coincidências nesse profundíssimo e já longo mergulho nos intestinos do Brasil.

Ou terá sido coincidência a batida policial da PF contra o delegado Protógenes Queiroz na véspera do julgamento?

Será coincidência? Exatamente no dia em que o STF de Gilmar Mendes se reúne para decidir se prende ou deixa solto Dantas, a mídia ganha como manchete uma investigação contra o delegado que prendeu Dantas, Naji Nahas, Celso Pitta & Cia?

É conhecida a posição do ministro do STF Joaquim Barbosa no caso, ainda que intramuros. O ministro foi contrário à concessão do habeas corpus naqueles termos e daquela forma. Duramente contrário. É coincidência Joaquim Barbosa estar fora do Brasil no dia em que se vota se Dantas fica solto ou preso?

Terra Magazine sabe que o julgamento deveria, a princípio, ter se dado há mais de um mês, no final de setembro. Se dará, no entanto, exatamente quando Barbosa se encontra nos Estados Unidos, acompanhando a eleição que levou Barack Obama à Casa Branca.

Terra Magazine informa, e assegura: o ministro Joaquim Barbosa não soube, não foi informado antes de sua viagem, do julgamento marcado para hoje. O ministro Joaquim Barbosa foi surpreendido nos Estados Unidos pela notícia do julgamento.

Alguém dirá que tanto foi apenas uma infeliz coincidência. O julgamento do mérito se dar exatamente quando não está no tribunal, em Brasília, no país, a pedra no sapato do habeas corpus.

Terá sido coincidência que o mandado para vasculhar Protógones, sua casa e os meios onde guarda informações tenha sido expedido pelo juiz Ali Mazloum?

Em 2004 o STF considerou Ali inocente numa acusação, formulada no rastro da Operação Anaconda, de formação de quadrilha. Gilmar Mendes, Ellen Gracie, Carlos Velloso e Celso de Mello votaram pela absolvição, enquanto Joaquim Barbosa, relator da matéria, foi o único voto contrário.

O também juiz federal, Casem Mazloum, irmão de Ali, também envolvido pela mesma Anaconda admitiu à época: "Cometi um erro ético", sem ser preciso quanto à natureza do erro.

Casem era acusado de pedir grampo telefônico para a ex-mulher de um prefeito e de uso de influência.

A "Anaconda" se deu à época em que Paulo Lacerda dirigia a Polícia Federal e, então, nos desdobramentos do julgamento, adversários de Lacerda na PF e na mídia tentaram atingi-lo.

Coincidência que agora, quando Lacerda segue afastado da Abin à espera do resultado de investigações sobre suposto grampo ilegal, a PF vasculhe a vida de Protógenes com base em um mandado assinado pelo juiz que um dia foi investigado, como seu irmão, pela PF então sob comando de Lacerda?

Coincidência a virulência do delegado Marcelo Itagiba, hoje deputado federal e presidente da CPI dos Grampos, contra Paulo Lacerda? Ele, Itagiba, que já foi Diretor de Inteligência da PF no mandarinato de Vicente Chelotti.

Coincidência Itagiba presidir a CPI dos Grampos? Ele, contraparente de Andrea Matarazzo, importantíssimo personagem na vida do PSDB e de José Serra? Coincidência histórica Marcelo Itagiba, ex-diretor de Inteligência da PF, ter ido trabalhar com Inteligência no ministério da Saúde na gestão do então ministro José Serra?

O que pensa - ou ao menos o que pensava à época de tudo isso - o senador e ex-presidente da República José Sarney? O que pensou e disse, ao menos reservadamente, José Sarney à época em que a PF flagrou uma montanha de dinheiro na campanha pré-presidencial de sua filha Roseana Sarney no célebre "Caso Lunus"?

Coincidências?

Coincidência a PF investigar o delegado Protógenes por vazamento e não investigar a cúpula da Polícia, a quem o mesmo Protógenes acusa pelo vazamento que levou a Folha de S.Paulo a publicar reportagem sobre a operação no dia 26 de abril, quase dois meses antes da Satiagraha?

Os dois maiores suspeitos pelo vazamento da Satiagraha dois meses antes estão sendo investigados pela PF? Serão? Ou tudo será tragado por esse mar de coincidências?

Coincidência que o julgamento do habeas corpus se dê quando o juiz De Sanctis esteja se preparando para anunciar sua sentença sobre o caso Daniel Dantas?

Coincidência que batida da Polícia Federal e tudo mais se dê horas depois de Protógenes dizer aos estudantes da PUC que "Dantas será condenado, e terá condenação pesada" na primeira instância?

Tudo isso é coincidência, ou o julgamento - se ele de fato se concretizar nas próximas horas desta quinta-feira, 6 de novembro de 2008 - terminará, ao final e ao cabo, atingindo a sentença do juiz De Sanctis?

Certamente existem razões jurídicas também para a decisão que deve ser tomada logo mais - se não houver adiamento -, mas não é isso que se discute aqui e, sim, esse extraordinário leque de coincidências e personagens.

Daniel Dantas seguirá livre em meio a esse mar de coincidências.

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