quarta-feira, 28 de maio de 2008

OUTRORA

"Sabia que posso matá-lo?"

Por Altino Machado
De Rio Branco (AC)

Uma das entrevistas mais emocionantes de minha vida profissional foi a que fiz com coronel Hildebrando Pascoal para o Jornal do Brasil, em julho de 1996.
Baseado no relatório do Ministério Público Federal, o JB publicou um quarto de página sobre o clima de terror no Acre desde o assassinato de Itamar Pascoal. O texto foi publicado sem que eu tivesse conseguido ouvir o coronel, embora tenha telefonado para a casa dele e deixado recado dando conta de minha intenção.
No dia seguinte, Hildebrando telefonou para mim:
- Você quer falar comigo? Então venha até a minha casa.
Confesso que fui rezando, sozinho. Ao chegar à casa, o coronel abriu o portão. Logo avistei uns seis policiais armados, postados junto ao muro.
Havia duas cadeiras no pátio, bem perto da entrada da casa, de onde eu avistava a sala e nela as crianças de Jorge Hugo que ele mantinha em cárcere privado.
O coronel mandou que sentasse numa das cadeiras. Obedeci. Ele permaneceu em pé, dedo em riste. E com o corpo quase colado ao meu, advertiu:
- Você sabia que posso matá-lo aqui, agora? - indagou. Você é mesmo atrevido. Bem que seus colegas me avisaram - disse.
Entreguei-lhe, a pedido do procurador da República que estava preocupado com minha vida, a cópia do relatório. E Hildebrando então se deu conta de que eu não era o autor das denúncias.
- Coronel, estou aqui para que o senhor possa apresentar a sua versão. O jornal exige isso de minha parte - insisti.
- Você sabe como me defender - ele rebateu.
- A melhor pessoa para defendê-lo nesta hora é o senhor mesmo. Trouxe um gravador.
- Tudo bem, pode ligar.
Durante a entrevista compareceu o delegado Illimani Lima Suarez, um boliviano naturalizado brasileiro. Era o então secretário de Segurança, que obedecia ordens de Hildebrando e seu bando. Para livrar a pele, no curso do processo Suarez virou testemunha de acusação do coronel.
Pois bem, ao término da entrevista, agradeci ao coronel e ele disse ter imaginado que ao me receber em sua casa, iria receber o capeta.
- Altino, seus maiores inimigos são alguns colegas seus de profissão. Eles me telefonam quase todos os dias falando horrores de você.
Não sem antes dizer:
- Você é mesmo um grande filho da puta. Me fez falar de algo que eu não queria. Agora você pode se considerar um homem vivo.
Mais adiante, quando a revista Veja usou o mesmo relatório do Ministério Público para a reportagem que resultou na cassação do mandato de Hildebrando, estive com a vida ameaçada.
O coronel estava em Rio Branco quando a reportagem foi publicada e eu trabalhava em A Gazeta. Na segunda-feira, cedinho voltei à casa do coronel. Ele não estava e deixei recado, explicando ao sogro dele que não pretendia escrever nada a respeito da reportagem da revista, a menos que o coronel quisesse contestá-la.
Anos depois, o jornalista Roberto Vaz contou que, naquele dia, conversava com o jornalista Luis Carlos Moreira Jorge, então assessor de imprensa da prefeitura de Rio Branco, quando o colega atendeu uma chamada no telefone celular.
- Roberto, conversamos depois. O pessoal está caçando o Altino, a mando do Hildebrando. Vão matá-lo agora - disse Moreira Jorge após desligar o telefone.
Amigo do coronel, Moreira Jorge o encontrou pessoalmente, mas levou algumas horas até demovê-lo da decisão de tirar minha vida. Já tive a oportunidade de agradecer ao Moreira Jorge, que é colunista político de A Gazeta.
Ter sobrevivido aos sobressaltos daqueles dias de terror, quando tive que fugir do Acre várias vezes, me fez acreditar um pouco mais na existência de Deus e da Rainha da Floresta.

Fonte Terra Magazine

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